(RV) O cardeal arcebispo de Viena Christoph
Schoenborn, durante a apresentação da Exortação apostólica do Papa
Francisco “Amoris Laetitia” na Sala de imprensa, debruçou-se sobre as
palavras-chave do documento: amor, acompanhamento e discernimento.
R. A palavra-chave é amor: Amoris Laetitia. É significativo que o
Papa não fale da caridade, mas do amor. Toda a plenitude dos
sentimentos, das atitudes no casal e na família, de facto toda esta
riqueza encontra-se no centro. Eu diria que este documento é, antes de
mais, um grande hino ao amor familiar e no centro do texto,
geograficamente no centro, mas também espiritualmente no centro
encontra-se o IV capítulo. Sei que todos vão ler o VIII capítulo onde
são tratadas as questões difíceis, controversas, mas o IV capítulo é,
verdadeiramente, o coração do texto, porque é uma longa meditação
sobre o Hino de São Paulo, no XIII capítulo da Primeira CARTA aos
Coríntios, sobre a caridade e sobre o amor. E isto é o núcleo. São
João diz: “ acreditámos no amor”. O Papa Francisco crê no amor, na
força atraente do amor, e por isso pode ser bastante desconfiado ,
crítico, relativamente à atitude de quem quer regular tudo com normas,
de quem pensa que basta ficar amarrados à norma. Não, diz o Papa:
“isso não atrai; o que atrai é o amor”. E é isso, para mim, enquanto
dominicano, é a posição clássica de São Tomás de Aquino. Eu espero que,
depois da publicação do documento, se faça um estudo para mostrar
quanto é que este documento seja em linha com o grande São Tomás de
Aquino. É o autor mais citado em todo o documento entre os teólogos,
os mestres, os Padres da Igreja. E a profunda convicção de São Tomás é
que somente o bem nos atrai. A orientação através da atracção do bem,
da felicidade. E este ideal da família cristã no agir humano faz-se
através da atracção do bem, da felicidade. E este ideal da família
cristã, do casal, não é um ideal abstracto, é o profundo desejo do
homem. Mas esta meta, esta finalidade, consegue-se passo por passo, aos
poucos. E por isso a outra palavra chave do documento é
“acompanhamento”: o acompanhamento que fazem os pais com os seus
filhos, que fazem os pastores com os fiéis, que faz o Papa com a Igreja.
Acompanhamento numa estrada em que estão todos. E eu, que venho de
uma família muito ferida, de uma dita “patchwork family”, sofri,
quando jovem, desta quase separação que se faz muitas vezes na Igreja:
aqui estão aqueles “em ordem”, que se comportam bem, e aqui estão os
outros que são irregulares: os bons, aqueles em rega, e os outros que
são um problema. O Papa Francisco, na linha de Jesus, da Bíblia e do
Novo Testamento, mostra-nos que todos nós estamos em caminho, todos
sem excepção. Também aqueles que têm a sorte de viver numa situação
de paz familiar, serena, na fé e que caminham bem, também eles têm
necessidade de se converter, também eles têm necessidade de misericórdia
e, portanto, acompanhar é a palavra chave para os pastores, para as
comunidades cristãs. É importante, porque o papa convida as comunidades
a esse acompanhamento. E ainda a terceira e última palavra-chave,
depois do amor e do acompanhamento, é o discernimento. “Discernimento” é
muito inaciano. O Papa é Jesuita e formado pelos exercícios de Santo
Inácio. O discernimento é aquilo que cada um de nós deve fazer: o que
Deus quer de mim na vida quotidiana, nas grandes escolhas da vida,
etc. Discernimento também nas situações difíceis. E aqui há um ponto
que se deve fortemente sublinhar: isto está em continuidade com São
João Paulo II, porque este documento baseia-se, em grande parte, na
“Familiaris Consortio”. Devemos mostrar, em detalhe, tudo o que
esteja na linha da “Familiaris Consortio”. São João Paulo II dizia: os
pastores, por amor da verdade, são obrigados a discernir as situações.
E depois enumera três diversas situações de ruptura do matrimónio, mas
são muito diversas. O que é que isso quer dizer? O Papa Francisco
mostra-nos que esse discernimento necessita também de um acompanhamento
diverso: não faz uma casuística do acompanhamento, mas, antes, uma
escola da atitude do pastor e da comunidade, que acompanham com um olhar
atento à realidade – o Papa di-lo várias vezes no documento – as
situações como são, as famílias como são: um acompanhamento variegado.
E numa pequena nota acrescenta que essa ajuda da Igreja pode ser, em
certos casos, também com os sacramentos; não diz mais do que isso.
Talvez alguns dirão: “Não basta”. Ele diz: “Fazei um bom discernimento”.
D. Este documento tem na sua opinião, também uma nova linguagem?
R. Eu diria que este documento é um “evento de língua”, como já o
foi a “Evangelii Gaudium”. É um “evento”, uma frescura, uma imediação
de linguagem, que interpela, porque às vezes devemos admitir –
humildemente! – que os nossos documentos eclesiásticos não são tão
legíveis… Sente-se que o Papa é um homem que ensinou a literatura, que
ama os poetas, os escritores. Há uma linguagem com um sabor de vida,
de frescura, de imagens. E fala das realidades da vida com uma
vizinhança à gente, que se sente: sente-se que é um homem que esteve
muito perto da gente. Mas não se deve esquecer, também aqui, a
continuidade: lendo todo o quarto e o quinto capítulo, penso nas
catequeses de São João Paulo II sobre a teologia do corpo, mas é muito
mais amplo: antes de mais, a vida do casal. O papa Francisco está, a
meu ver, em forte continuidade com esta abordagem muito concreta,
viva, da realidade quotidiana. Talvez ele inclui um pouco mais daquilo
que ele chama de “família alargada”; fala dos avôs dos tios, dos
primos: de toda esta riqueza do ambiente familiar que talvez, um pouco
faltou nos documentos eclesiásticos sobre a família.
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