24 janeiro, 2019

Catequese de D. Joaquim Mendes na Jornada Mundial da Juventude 2019


JORNADA MUNDIAL DE JUVENTUDE

CATEQUESE – Panamá, 24 janeiro de 2019

Paróquia de Nossa Senhora de Lurdes

O tema deste segundo dia de catequese é a resposta da Virgem Maria ao chamamento de Deus: “EIS A SERVA DO SENHOR, FAÇA-SE EM MIM SEGUNDO A TUA PALAVRA” (Lc 1,38).

A partir da resposta de Maria, gostaria de refletir convosco sobre três pontos, que podem iluminar a vossa vida a ajudar-vos a descobrir também a vossa vocação, o projeto que Deus pensou para cada um de vós, como aconteceu comigo e com tantos outros ao longo da história.

Primeiro, o reconhecimento da vocação.

 A jovem de Nazaré tinha sonhos, alimentava desejos no seu coração, tinha projetos pessoais, como vós.

Deus irrompe inesperadamente na sua vida, faz-lhe uma proposta misteriosa: entrar no seu projeto de salvação da humanidade.

Um projeto grande, que Ela não sabe como se vai desenrolar, como vai acontecer, por isso pergunta: “como será isso?”, e o Anjo Gabriel tranquiliza-a: “O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra” (Lc.1,35), não temas receio, acredita, confia…

Maria põe de parte os seus sonhos, os seus projetos para abraçar o projeto de Deus, sem saber aonde este projeto a levará.

Maria sai de si mesma, das suas seguranças, para abraçar na fé e com todo o coração a vocação e a missão que Deus lhe propõe, através da mediação do Anjo Gabriel.

Esta é a atitude de quem acredita e confia em Deus.

A vocação não cabe numa lógica de calculismos, de certezas, de querer saber tudo, de ter garantias e seguranças, de conciliação do que eu quero e do que eu penso, com o que Deus quer e pensa para mim.

Acompanhei um jovem no discernimento vocacional que fazia muitas perguntas, queria certezas, seguranças, ver tudo claro.

Respondi-lhe que se Maria fosse assim ainda estaríamos no Antigo Testamento.

Na descoberta da vocação nem tudo é imediatamente claro, porque a fé “vê” na medida em que se caminho em que se entra no espaço aberto da Palavra de Deus.

Segundo, Maria reconhece a soberania de Deus, como Senhor, declarando-se serva: “Eis a serva do Senhor”.

A palavra “servo” é referida 372 no Antigo Testamento e 125 vezes no Novo Testamento.

Biblicamente exprime a atitude da criatura diante de Deus.

Atitude de humildade, de dependência de Deus, de disponibilidade para o seu serviço.

Jesus é profetizado no Antigo Testamento como Servo, disponível para Deus e para o projeto e missão de Deus sobre Ele.

Os Apóstolos são designados também “servos de Deus”.

“Servo” em relação a Deus significa amigo, como explicou Jesus: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor; chamei-vos amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vo-lo deu a conhecer” (Jo 15,14).

Maria declara-se serva. Serva humilde, totalmente disponível para Deus, reconheceu-o como seu Senhor, Criador e Pai.

Maria ensina-nos a situarmo-nos diante de Deus, a não ter medo dele, a estar disponível para Ele, para  o que propõe, revela, nos faz sentir no coração, assumindo-se servo, serva, como Maria

A arrogância, a soberba e a autossuficiência afastam Deus e afastam-nos de Deus.

Deus revela-se, dá-se a conhecer aos humildes.

É isto mesmo que nos diz Maria no Cântico do Magnificat: Exulta de alegria, porque Deus olhou para a humilde condição de serva e fez nela grandes coisas, porque encontrou nela espaço para o fazer.

Se estamos cheios de nós mesmos, dos nossos poderes e arrogâncias, Deus não tem lugar para se manifestar, para se fazer ouvir, para revelar o que quer de nós.

Maria ensina-nos a situarmo-nos diante de Deus com uma atitude de humildade, de abertura de coração, de disponibilidade, de servo, de serva.

Esta dimensão de servo e de serviço é uma caraterística fundamental do discípulo de Jesus.

Jesus teve dificuldade em converter os discípulos à lógica do serviço.

Por várias vezes repetiu que não veio para ser servido, mas para servir; que estava no meio deles como quem serve, mostrou-o ao longo da sua vida, muito particularmente na santa Ceia lavando-lhes os pés, dizendo-lhes: “vistes como Eu fiz? Assim deveis fazer vós também”.

A experiência do serviço é indispensável na experiência cristã e no caminho de discernimento vocacional.

Estar disponível para servir, porque, como diz um ditado português, “quem não vive para servir, não serve para viver”.

A vida experimenta-se, saboreia-se, descobre-se a sua grandeza e beleza no serviço.

Maria recorda-nos isso.

Em terceiro lugar, Maria ensina-nos a relacionarmo-nos com Deus.

A resposta de Maria não é voluntarista, fruto de uma espontaneidade do acaso, mas brota de uma relação com Deus.

Ela conhecia as Escrituras. A sua mãe, Ana, pertencia à estirpe sacerdotal, e é representada iconograficamente ensinando as Escrituras à filha.

Maria tinha o coração plasmado pela Palavra de Deus.

Ela partilhava a fé e a esperança na realização das promessas de Deus anunciadas pelos profetas com os outros crentes, com o povo de Deus de então.

Ela caminhava com a comunidade crente, participava da sua vida, do seu culto, da sua fé, da sua esperança e confiança em Deus.

Ela ajudava os outros.

Ela dialogava com Deus no silêncio do seu coração. Ela rezava.

A vocação, o chamamento a descoberta do que “para que sou eu?” nasce desta experiência: do relacionamento pessoal com Deus, do sentido de pertença a uma comunidade, do serviço aos outros.

A vocação, nasce no contexto de uma experiência eclesial, de caminhar juntos, de escutar juntos a Palavra, de celebrar juntos a Eucaristia, de receber o perdão e perdoar, de servir os outros.

A vocação nasce de um relacionamento com o Senhor que abre o coração aos outros, porque a vocação, seja ela ao matrimónio, à vida consagrada, ao sacerdócio, é uma vocação para o serviço, para o serviço ao amor, para o serviço à vida, para o serviço aos necessitados.

A vocação de Maria diz-nos que a vocação não é para satisfazer os nossos interesses tantas vezes mesquinhos e egoístas, nem os nossos sonhos de fantasia.

A vocação de Maria diz-nos que a vocação é algo de grandioso, de belo, de ousado.

As propostas de Deus são desafios exigentes que puxam por nós, pela nossa fé, pela nossa generosidade, pelas nossas capacidades, mas que fazem com que as nossas vidas deem fruto, fruto abundante, glorifiquem a Deus e interpelam os outros, levando-os a descobrir a ação da graça de Deus nas nossas vidas como diz Jesus.

A vocação de Maria diz-nos quanto Deus pode fazer em nós, quando acolhemos como Ela a sua proposta. Maria em Fátima perguntou aos pastorinhos: “Quereis oferecer-vos a Deus?” Quanto Deus fez neles, por eles, e continua a fazer!

A vocação de Maria diz-nos aonde Deus nos pode levar, quando confiamos e nos confiamos; quando nos deixamos conduzir pelo Espírito Santo, que também nos cobre com a sua sombra, habita em nós, está em nós.

Convido-vos a olhar, para além da experiência de Maria, também para a experiência dos oito santos patronos desta Jornada Mundial da Juventude…

Gente como nós, simples, humilde, que se tornou grande, vidas que se tornaram grandes, porque abertas a Deus e à sua graça, sem medo, sem reservas, sem complexos de não serem capazes.

Vidas pobres, em quem Deus todo poderoso fez grandes coisas, as tornou grandes com o seu poder, a sua graça, a sua misericórdia.

Vidas que se imortalizaram, que deixaram um rasto de luz.

Vidas inspiradoras para outros, para nós.

Vidas bem-aventuras, como podem ser também as nossas.

Caríssimos jovens,

Deixai-vos interpelar estas vidas – de Maria, dos Santos, de muitos santos ao pé da vossa porta, marcadas pelo amor de Deus.

Não tenhais medo, porque Deus não nos tira nada do que somos ou temos, bem pelo contrário, enriquece-nos, eleva-nos, desafia-nos para metas altas, para a santidade, que é a realização plena de todas as vocações.

Acolhei o desafio desta Jornada Mundial da Juventude. Estai abertos a Deus como Maria e tende a coragem de dizer “sim” como Ela, para que o Senhor faça também em vós grandes coisas, como fez nela, e sejais “bem-aventurados”, felizes, como Ele foi e, que como Mãe, quer que também vós o sejais.


+ Joaquim Mendes
Bispo Auxiliar de Lisboa
e Presidente da Comissão Episcopal dos Leigos e Família

Patriarcado de Lisboa

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