08 janeiro, 2019

Papa em Santa Marta: a cultura da indiferença é o oposto do amor de Deus

 
Papa Francisco durante a missa na Casa Santa Marta  (Vatican Media)
 
“Este é o mistério do amor”, esclareceu Francisco, “Deus inicialmente amou-nos. Ele deu o primeiro passo”. Um passo “em direção à humanidade que não sabe amar”, que “precisa do carinho de Deus para amar”, do testemunho de Deus.
 
Alessandro Di Bussolo - Cidade do Vaticano

Deus “dá o primeiro passo” e ama “a humanidade que não sabe amar”, porque ele tem compaixão e misericórdia, enquanto nós mesmo sendo bons, muitas vezes não entendemos as necessidades dos outros e permanecemos indiferentes, “talvez porque o amor de Deus” não entrou em nossos corações.

Foi o que disse o Papa Francisco na homilia da missa celebrada na manhã desta terça-feira (08/01), na capela da Casa de Santa Marta, oferecida ao eterno descanso do arcebispo Giorgio Zur, núncio apostólico emérito na Áustria, que viveu ali naquela casa e faleceu “ontem à meia-noite”, disse o Papa. O pontífice inspirou-se na liturgia de hoje, desde a exortação ao amor, da Primeira Carta de São João Apóstolo, ao Evangelho de Marcos, sobre a multiplicação dos pães. 

Deus deu o primeiro passo e amou-nos primeiro

“Amemo-nos uns aos outros, porque o amor” vem de Deus, recordou o Papa, citando as palavras de São João na Primeira Leitura. O apóstolo explica “como o amor de Deus se manifestou em nós”: “Deus enviou o seu Filho unigénito ao mundo, para que tenhamos a vida através dele”.

“Este é o mistério do amor”, esclareceu Francisco, “Deus inicialmente amou-nos. Ele deu o primeiro passo”. Um passo “em direção à humanidade que não sabe amar”, que “precisa do carinho de Deus para amar”, do testemunho de Deus. “Este primeiro passo que Deus fez é o seu Filho: ele o enviou para nos salvar e dar sentido à vida, para nos renovar, para nos recriar”. 

Jesus teve compaixão da multidão

A seguir, o Pontífice falou da passagem do Evangelho de Marcos sobre a multiplicação dos pães e dos peixes. “Por que fez Deus isto?”, perguntou. Por “compaixão”. A compaixão da grande multidão de pessoas que vê a descer do barco, nas margens do Lago de Tiberíades, porque estavam sozinhas, sublinhou o Papa Francisco: “Eram como ovelhas que não têm pastor”.

O coração de Deus, o coração de Jesus comove-se, e vê, vê aquelas pessoas, e não pode ficar indiferente. O amor é inquieto. O amor não tolera a indiferença. O amor tem compaixão. Mas compaixão significa colocar o coração em risco; significa misericórdia. Jogar o próprio coração para os outros: isto é amor. O amor é colocar o coração em risco para os outros. 

Os discípulos: que se arranjem para encontrar comida

Depois, o Papa descreveu a cena de Jesus que ensina “muitas coisas” ao povo e os discípulos acabam ficando entediados, “porque Jesus dizia sempre as mesmas coisas”. E enquanto Jesus ensinava com amor e compaixão”, talvez começaram a “falar entre eles”. No final, eles olharam para o relógio: “Mas é tarde ...”.

Francisco ainda citou o evangelista Marcos: “Mas Mestre, o lugar é deserto e agora é tarde. Mandem-lhes embora, de modo que, indo para os povoados vizinhos, possam comprar comida”. Praticamente dizem “para eles partirem” para comprarem pão para se alimentarem. “Mas temos a certeza”, comentou o Pontífice, “de que sabiam que havia pão para eles próprios, mas queriam protegê-lo. É a indiferença”:

Aos discípulos não interessavam as pessoas: interessava Jesus, porque o queriam bem. Não eram maus: eram indiferentes. Eles não sabiam o que era amar. Eles não sabiam o que era compaixão. Eles não sabiam o que era indiferença. Eles tiveram que pecar, trair o Mestre, abandonar o Mestre, para entender o cerne da compaixão e da misericórdia. E Jesus, deu-lhes a resposta é pungente: "Dai-lhes vós mesmos de comer". Tomem conta deles. Esta é a luta entre a compaixão de Jesus e a indiferença, a indiferença que se repete sempre na história, sempre ... Há tantas pessoas que são boas, mas não compreendem as necessidades dos outros, não são capazes de compaixão. São boas pessoas, talvez porque não entrou o amor de Deus nos seus corações ou não o deixaram entrar. 

A fotografia das pessoas que desviam o olhar dos sem teto

E aqui o Papa Francisco descreve uma fotografia que está nas paredes da Esmolaria Apostólica: "um clique espontâneo que fez um bravo jovem romano que a ofereceu à Esmolaria". O fez Daniele Garofani, hoje fotógrafo do "L'Osservatore Romano", retornando de um serviço de distribuição de refeições para os sem teto junto com o cardeal Krajewski.
 
É uma noite de inverno, “se percebia pela maneira de vestir das pessoas" - explica o Papa - que saíam "de um restaurante". "Pessoas bem cobertas" e satisfeitas: "tinham comido, estavam entre amigos".

E lá – prossegue Francisco na descrição da foto - "havia um homem sem-teto no chão, que fez assim ..." (e imita o gesto da mão estendida para pedir esmola). O fotógrafo, acrescenta ainda o Papa, "foi capaz de tirar a fotografia no momento em que as pessoas desviam o olhar, para que os olhos não se cruzem". Isto, comentou Francisco, "é a cultura da indiferença. Isto é o que os apóstolos fizeram". "Deixe-os, que vão para o campo, no escuro, com fome. Que eles se arranjem: é problema deles". "Temos comida: cinco pães e dois peixes para nós". 

O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença

"O amor de Deus surge sempre em primeiro - explica o Papa - é o amor de compaixão, da misericórdia". É verdade que o oposto do amor é o ódio, mas em tantas pessoas não existe um "ódio consciente":

O oposto mais cotidiano ao amor de Deus, à compaixão de Deus, é a indiferença: a indiferença. "Eu estou satisfeito, não me falta nada. Tenho tudo, assegurei esta vida, e também a eterna, porque vou à Missa todos os domingos, sou um bom cristão". "Mas, saindo do restaurante, eu olho para outra parte". Pensemos: este Deus que dá o primeiro passo, que tem compaixão, que tem misericórdia, e tantas vezes em nós, o nosso comportamento é a indiferença. Rezemos ao Senhor para que cure a humanidade, começando por nós: que o meu coração seja curado dessa doença que é a cultura da indiferença. 

Felicitação a Kiko Argüello pelo zelo apostólico

No final da celebração, Francisco envia uma cordial saudação a Kiko Argüello, iniciador do Caminho Neo-catecumenal, pelo seu octogésimo aniversário, e agradece-lhe" pelo zelo apostólico com que trabalha na Igreja".



VN

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