(RV) A
segunda etapa da visita do Papa a Milão foi o encontro com os sacerdotes
e os consagrados na Catedral de Milão, encontro em estilo de pergunta e
resposta. Três perguntas foram dirigidas ao Papa:
A primeira, feita pelo P. Gabriele Gioia, incidia
sobre a purificação e as escolhas prioritárias para os presbíteros numa
metrópole como Milão, multiétnica, multirreligiosa, multicultural, a fim
de não perder a alegria da evangelização ao homem de hoje.
O Papa respondeu dizendo que cada época histórica apresenta os seus
desafios tanto no seio da Igreja como em relação com a sociedade. Por
isso, não há que temer os desafios. São sinais da fé viva de uma
comunidade que procura o Senhor e fazem com que a nossa fé não se torne
ideologia. O que devemos temer é uma fé sem desafios. Os desafios nos
salvam do pensamento fechado e definido e nos abrem a uma compreensão
mais ampla da Revelação – disse o Papa citando a Constituição dogmática
“Dei Verbum”.
E continuou recordando que a Igreja é Una numa experiencia
multiforme. Basta ver a diversidade de carismas, de dioceses, de
comunidades, de presbíteros, de congregações religiosas… A tradição
eclesial tem grande experiencia na gestão da multiplicidade no seu seio.
Temos visto e vemos muita riqueza e muito horrores/erros – disse. Há
que reconhecer os aspectos luminosos e os obscuros, e discernir sobre os
excessos de uniformidade e de relativismo. Por vezes confundimos
unidade com uniformidade, pluralidade com pluralismo e adoptamos como
solução a eliminação de um dos dois polos. Mas tudo o que não assume o
drama humano não é coerente com a Revelação divina e, por conseguinte, é
ideológica – frisou Francisco. A fé, para ser cristã e não ideológica
deve configurar-se no seio dos processos humanos sem, todavia, se
reduzir a eles. É a bela e exigente tarefa que Deus nos deixou; o “já e
não ainda” da Salvação.
Um outro aspecto sublinhado pelo Papa na sua resposta é a formação ao
discernimento. Os jovens de hoje estão expostos ao mundo de várias
formas e há que ensiná-los a discernir para que não se extinga neles o
Espírito Santo. É crucial que também os adultos façam discernimento
sobre o que conduz à Ressurreição, à Vida e não à cultura da morte. E
sobre isto Francisco recomendou a leitura da parte da Exortação
“Evangeli Gaudium” intitulada “A missão que se encarna nos limites
humanos”.
A segunda pergunta foi dirigida ao Papa por um diácono permanente,
Roberto Crespi. Ele quis saber que contributo os diáconos, com a sua
experiencia de vida familiar e profissional, são chamados a dar para
delinear o rosto da Igreja beata, desinteressada e humilde de que
Francisco fala muitas vezes.
O Papa respondeu que os diáconos têm muito a dar antes de mais com o
discernimento, como uma voz capaz de mostrar as tensões entre o dever e o
querer, as tensões da vida familiar e as suas bênçãos. Mas há que
evitar ver no diácono permanente um meio padre e meio leigo que não está
nem de um lado nem do outro, e nem tão pouco uma espécie de
intermediário entre os fieis e os pastores, porque isto tira força ao
diaconado na Igreja.
O diaconado é uma vocação específica, uma vocação familiar que apela
ao serviço como um dos dons característicos do povo de Deus. O diácono
é, por assim dizer, o custódio do serviço na Igreja. Serviço à Palavra,
serviço no Altar, serviço aos Pobres. E a sua missão, a sua força e o
seu contributo consiste em recordar a todos nós que a fé nas suas
diversas expressões – laical, clerical, familiar – possui uma dimensão
essencial ao serviço: o serviço a Deus e aos irmãos. E quanto caminho
resta ainda a percorrer neste sentido!? – exclamou o Papa. E sublinhou
ainda que ver no diácono permanente um meio padre e meio leigo seria
“funcionalizar” o diaconado.
Depois foi a vez de uma religiosa se dirigir ao Papa em nome dos
consagrados. Madre Paula Paganoni perguntou a Francisco como se pode ser
sinal de profecia e “conservar a maravilha” na sociedade líquida para
testemunhar uma vida pobre, virgem, obediente e fraterna ao homem de
hoje? Que periferias existências e que âmbito escolher com as poucas
forças que os consagrados representam e conscientes de ser nestes tempos
uma minoria?
Dizer minoria, frisou o Papa, é como que dizer resignação. Há que
evitar a resignação, conscientes de que “onde abunda o pecado, abunda
também a graça”. A nossa fé desafia-nos a ver a água que pode ser
transformada em vinho e a descobrir o grão de trigo que cresce no meio
do joio. É preciso, como os fundadores das comunidades, sentir-se
movidos pelo Espírito Santo e ser fermento na massa, sal e luz do mundo.
O drama é que as famílias religiosas – disse o papa – pensaram durante
muito tempo que eram destinadas a ocupar espaços, mais do que a dar
início a processos. Hoje a realidade convida de novo a ser fermento na
massa, a lutar pela unidade mais do que a permanecer ancorados em
conflitos do passado; a auscultar a realidade; a abrir-se às massas, ao
Santo Povo fiel de Deus, ao todo eclesial.
E sem dizer-lhes a quais periferias existências endereçar as suas
actividades, o Papa disse aos consagrados para irem, poucos como são, às
periferias, aos confins, encontrar-se com o Senhor, renovar a missão
das origens, ir à Galileia do primeiro encontro…
“Escolhei a periferia, acordai processos, acendei a esperança apagada
e enfraquecida de uma sociedade que se tornou insensível à dor do
outro. Na nossa fragilidade como congregações podemos tornar-nos mais
atentos a tantas fragilidades que nos circundam e transformá-las em
espaços de bênção. Ide e levai a unção de Cristo, ide”.
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