Missa celebrada pelo Papa Francisco no dia Mundial das Missões, outubro de 2019
A mensagem de
Francisco às Pontifícias Obras Missionárias: evitar a autopromoção e a
celebração em chave publicitária das próprias iniciativas. Ser
missionário é um reflexo de gratidão pelo que foi recebido.
VATICAN NEWS
O anúncio do Evangelho é “uma coisa diferente de qualquer
proselitismo político ou cultural, psicológico ou religioso”. A missão é
um dom gratuito do Espírito e não pode ser confiada a “percursos
sofisticados e trabalhosos de formação”, nem ser confiada a “sistemas
eclesiásticos” que “parecem absorvidos pela obsessão de se promoverem a si
mesmos e às suas iniciativas”, talvez “em chave publicitária”.
Francisco volta a refletir sobre os fundamentos da missão cristã com uma
mensagem às Pontifícias Obras Missionárias (POM), divulgada nesta
quinta-feira (21/05), que deveriam ter se reunido em Roma para a
assembleia geral anual, adiada devido à pandemia de coronavírus.
Fundamentos da missão
Francisco recorda que o “delineamento mais íntimo” da missão da
Igreja é “o de ser obra do Espírito Santo, e não consequência das nossas
reflexões e intenções”. Receber a alegria do Espírito “é uma graça” e
também “a única força que podemos ter para pregar o Evangelho”. A
salvação “não é consequência das nossas iniciativas missionárias, nem
dos nossos discursos sobre a encarnação do Verbo”, mas “pode vir para
cada um mediante o olhar do encontro com Ele, que nos chama” e,
portanto, ser a consequência e o reflexo de alegria e gratidão. Anuncia o
Evangelho que testemunha a obra de Outro.
Traços distintivos
Retomando-os da Exortação Evangelii gaudium, Francisco descreve os “traços distintivos da missão”. Primeiramente, a atração:
“a Igreja cresce no mundo, não por proselitismo, mas por atração”, e
“quando uma pessoa segue feliz, Jesus, porque se sente atraída por Ele,
os outros dão conta disso; e podem maravilhar-se”.
Outros traços distintivos são a gratidão e gratuidade, porque o
“ardor missionário nunca se pode obter em consequência de um raciocínio
ou de um cálculo” ou porque há uma obrigação nesse sentido, mas a nossa possessão nem uma meta alcançada
pelos nossos méritos, o Evangelho de Cristo só pode ser anunciado com
humildade”, sem arrogância. Há também a característica do facilitar, não complicar:
o trabalho missionário autêntico não acrescenta “pesos inúteis às vidas
já afadigadas das pessoas”, e não impõe “percursos sofisticados e
trabalhosos de formação para usufruir daquilo que o Senhor concede com
facilidade”. Outros traços distintivos são a aproximação à vida real, porque a missão “alcança sempre as pessoas, onde estão e como estão nas suas vidas reais”. O “sensus fidei” do povo de Deus e a predileção pelos humildes e os pobres que “para a Igreja não é uma opção facultativa”.
Vejam também:
Mensagem integral do Papa, às Pontifícias Obras Missionárias
https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-05/integra-mensagem-papa-francisco-pontificias-obras-missionarias.html
Talentos a serem desenvolvidos
Olhando para o futuro, Francisco recorda que as Pontifícias Obras
Missionárias “nasceram espontaneamente do ardor missionário manifestado
pela fé dos batizados” e estão ligadas ao sensus fidei do Povo de
Deus. As Obras Missionárias avançaram sobre os “trilhos” da oração e da
caridade. Elas foram sempre estimadas pela Igreja de Roma e a sua vocação
nunca foi vivida e sentida como um caminho alternativo, uma pertença
«externa» relativamente às formas comuns da vida das Igrejas
particulares. Tornaram-se uma rede espalhada por todos os Continentes:
“Uma pluralidade que pode proteger contra assimilações ideológicas e
unilateralismos culturais”.
Veja também:
Ir às fontes de uma missão que não é obra nossa
https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2020-05/fontes-de-uma-missao-que-nao-obra-nossa-editorial.html
Armadilhas a evitar
O Papa enumera algumas patologias que pairam no caminho das Pontifícias Obras Missionárias. A primeira é a autorreferencialidade, com o risco de prestar atenção à sua autopromoção e celebrar as próprias iniciativas em chave publicitária. Depois, há a ânsia de comando, ou seja, a pretensão de “exercer funções de controle sobre as comunidades que deveriam servir”. Depois, a patologia do elitismo, “a ideia tácita de pertencer a uma aristocracia”. A seguir, o isolamento do povo,
“visto como uma massa inerte, que precisa incessantemente de ser
reanimada e mobilizada” (...) “como se a certeza da fé fosse
consequência de um discurso persuasivo ou de métodos de preparação”.
Outras armadilhas são representadas pela abstração e pelo funcionalismo, porque se aposta tudo na “imitação dos modelos mundanos de eficiência”.
Conselhos para o caminho
Francisco sugere às Pontifícias Obras Missionárias para salvaguardar
ou redescobrir a sua inserção “no seio do povo de Deus”, imergindo-se na
vida real das pessoas e entrelaçando-se com a rede eclesial de
dioceses, paróquias, comunidades e grupos. Ele pede às POM para
permanecerem ligadas “às práticas da oração e da coleta de recursos para
a missão”, procurando também novos caminhos, mas sem “complicar o que é
simples”. As Pontifícias Obras Missionárias “são e devem comportar-se
como um instrumento de serviço à missão nas Igrejas particulares”: não
servem “super-estrategas ou centrais dirigentes da missão (...) a quem
delegar a tarefa de despertar o espírito missionário”. Elas devem
trabalhar em “contacto com inúmeras realidades”, sem nunca esterilizaem-se
numa dimensão exclusivamente burocrática-profissional. Francisco pede
para olhar para fora, para não se olharem no espelho, aliviando as
estruturas em vez de sobrecarregá-las.
Doações
O Papa pede para não transformar as Pontifícias Obras Missionárias
numa ONG voltada para a coleta de fundos. Se em algumas áreas, a coleta
de doações falha, não precisam de serem tentadas a resolver “o problema
«encobrindo» a realidade e apostando nalgum sistema de angariação mais
eficaz, que vai à procura dos grandes doadores”. Em todo o caso, “é bom
que o pedido de ofertas para as missões continue a serem feito
prioritariamente a todos os batizados, inclusive apostando de maneira
nova na coleta para as missões que se realizam nas igrejas de todos os
países, em outubro, por ocasião do Dia Mundial das Missões.
No uso dos fundos arrecadados, é preciso tomar “em conta as reais
necessidades primárias das comunidades”, evitando “formas de
assistencialismo” que alimentam na Igreja fenómenos de “clientelismo
parasitário”. Não devemos esquecer os pobres. As POM, “com a sua rede
espalhada por todo o mundo, refletem a rica variedade do «povo de mil
rostos»” e não devem impor uma determinada forma cultural junto com a
proposta evangélica: “Pode ofuscar a universalidade da fé cristã a
pretensão de standardizar a forma do anúncio”. Francisco recorda que as
Pontifícias Obras Missionárias são uma entidade autónoma e entre as suas
especificidades está o vínculo com o Papa. Francisco encerra a sua
mensagem lembrando as palavras de Santo Inácio, pedindo às POM para
fazerem bem o seu trabalho “como se tudo dependesse delas, sabendo
que, na realidade, tudo depende de Deus”.
VN
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