25 maio, 2020

Os 25 anos da “Ut unum sint”, entre profecias e resistências



Jubileu do Ano 2000

Um apelo apaixonado aos cristãos para que respondam à oração de Jesus pela unidade de todos. A Encíclica do Papa João Paulo II ajuda-nos a olhar para a realidade das comunidades cristãs de hoje com um renovado compromisso ecuménico. 

Sergio Centofanti 

A Encíclica "Ut unum sint" de São João Paulo II sobre o ecumenismo traz a data de 25 de maio de 1995: vinte e cinco anos depois, preservando intacto o seu frescor e sua carga profética. Com um olhar para frente, indica uma meta que parece distante, a unidade dos cristãos: o próprio Jesus a quer e, antes de enfrentar a Paixão, ora ao Pai para que os seus fiéis sejam uma só união. 

O Papa da unidade
 
O Papa Wojtyla sente fortemente este ardente desejo do Senhor, ele fá-lo seu, e o ecumenismo torna-se uma das prioridades do Pontificado, porque a divisão dos cristãos é um escândalo que afeta a própria obra de Jesus: "Crer em Cristo - escreve ele - significa querer a unidade". É um ato de obediência que amplia os horizontes do coração e da mente. Mas é justamente o Papa da unidade que deve sofrer a grande dor do cismo: alguns irmãos que não entendem este impulso para o futuro. O documento chega sete anos após a ilegítima ordenação episcopal conferida pelo Arcebispo Marcel Lefebvre, que em 1988 sancionou a separação de Roma. 

João Paulo II acusado de relativismo pelos tradicionalistas

O prelado tradicionalista francês acusa o Papa polaco e o Concílio Vaticano II de "falso ecumenismo", que destrói a verdadeira fé e leva "a Igreja à ruína e os católicos à apostasia": diz que a Providência lhe confiou a missão de se opor "à Roma moderna, infestada de modernismo", para que "possa voltar a ser a Roma católica e reencontre a sua Tradição de dois mil anos". A seu ver, foi introduzida uma "concepção protestante" da Missa e dos Sacramentos. Lefebvre morreu em 1991. Os seus sucessores atacaram a Encíclica de João Paulo II porque - dizem - ela não só leva ao "relativismo dogmático", mas "na verdade" já o contém. Uma posição que se baseia "numa noção incompleta e contraditória da Tradição", já tinha afirmado o Papa Wojtyla na Carta Apostólica "Ecclesia Dei": incompleta, pois não considera que a Tradição esteja viva e em crescimento pois é transmitida de geração em geração, sem se fixar numa data histórica predeterminada. Contraditória, porque a Tradição jamais pode ser separada da comunhão com o Papa e com os pastores de todo o mundo. 

O diálogo é uma prioridade que permite descobertas inesperadas
 
O documento pontifício olha para o futuro com coragem; indica o diálogo como prioridade e um passo necessário para descobrir a riqueza dos outros. Vê todos os passos dados para a unidade com as diversas Igrejas e Comunidades cristãs, a começar pela abolição mútua das excomunhões entre Roma e Constantinopla e as Declarações Cristológicas comuns com as antigas Igrejas do Oriente. É um caminho que permite "descobertas inesperadas", na consciência de que "a diversidade legítima não se opõe de forma alguma à unidade". "Polemicas e controvérsias intolerantes - lê-se no texto - transformaram em afirmações incompatíveis o que foi, na verdade, o resultado de dois pontos de vista que visavam escrutinar a mesma realidade, mas de dois ângulos diferentes". É um caminho que ajuda "a descobrir a insondável riqueza da verdade" e a presença de elementos de santificação "para além das fronteiras visíveis da Igreja Católica". 

A expressão da verdade pode ser multiforme
 
Não se trata de "modificar o depósito da fé" e "mudar o sentido dos dogmas" - explica o Papa Wojtyla - mas "a expressão da verdade pode ser multiforme". Isto porque "a doutrina deve ser apresentada de modo que se torne compreensível àqueles para quem o próprio Deus a destina", qualquer cultura a que pertençam, evitando qualquer forma de "particularismo exclusivismo étnico ou preconceito racial", como "qualquer sobranceria nacionalista". 

Do diálogo da doutrina ao diálogo do amor

A Encíclica indica a necessidade de que "o modo e o método de enunciar a fé católica não seja um obstáculo ao diálogo com os irmãos", sabendo que existe "uma hierarquia nas verdades da doutrina católica". A Igreja - afirma João Paulo II - "é chamada por Cristo a esta reforma contínua", que "pode exigir revisões de declarações e atitudes". O "diálogo", lembra, "não se articula exclusivamente em torno da doutrina, mas envolve a pessoa toda", porque "é também um diálogo de amor". É do amor que "nasce o desejo de unidade". É um caminho que exige "trabalho paciente e coragem". Ao fazê-lo, é necessário não impor outras obrigações para além das indispensáveis". 

A primazia da oração: convergindo para o essencial
 
No ecumenismo - observa o Papa polaco - a primazia, pertence à oração comum. Os cristãos, orando juntos, descobrem que o que os une é muito mais forte do que o que os divide. A renovação litúrgica realizada pela Igreja Católica e outras Comunidades eclesiais permitiu convergências sobre o essencial e, juntos, cada vez mais se voltam para o Pai com um só coração: "Às vezes - observa João Paulo II - parece estar mais perto a possibilidade de finalmente selar esta comunhão real, embora ainda não plena. Quem teria podido sequer imaginá-lo, há um século? 

Compromisso comum pela liberdade, a justiça, a paz
 
Entre os passos adiante no caminho do ecumenismo, a Encíclica aponta a crescente colaboração dos cristãos pertencentes a várias confissões no seu compromisso com "a liberdade, a justiça, a paz, o futuro do mundo": "a voz comum dos cristãos tem mais impacto do que uma voz isolada" para "fazer triunfar o respeito pelos direitos e necessidades de todos, especialmente dos pobres, dos humilhados e dos indefesos". Para os cristãos - sublinha o Papa Wojtyla - não se trata de uma mera ação humanitária, mas de responder à palavra de Jesus, como lemos no capítulo 25 do Evangelho de Mateus: "Tive fome e deste-me de comer...". 

Mudar a linguagem: da condenação ao perdão recíproco
 
João Paulo II apela para uma mudança de linguagem e de atitudes: é preciso evitar o estilo agressivo e antagónico de oposição, o "derrotismo que tende a ver tudo negativo", "o fechamento não evangélico na condenação dos outros" e o "desprezo que deriva de uma presunção insalubre". É preciso, ao contrário, "fazer todo o possível, com a ajuda de Deus, para derrubar muros de divisão e desconfiança, para superar obstáculos e preconceitos", eliminando palavras e vocábulos que ferem, escolhendo o caminho da humildade, da mansidão e da generosidade fraterna. Assim, com o tempo, não mais falamos de hereges ou inimigos da fé, mas de "outros cristãos", "outros batizados". " Tal ampliação do léxico – aponta Wojtyla - traduz uma notável evolução das mentalidades”. É um caminho de conversão que passa por um caminho obrigatório: o arrependimento mútuo pelos erros cometidos. E João Paulo II pede perdão pelas faltas cometidas pelos membros da Igreja. 

A primazia do Papa: um serviço de amor 
 
A unidade plena tem em Pedro o ponto visível de referência e João Paulo II lança um apelo às Comunidades cristãs para que encontrem uma forma de exercício do primado petrino que, "sem renunciar de forma alguma ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova ", como "um serviço de amor reconhecido por uns e por outros". 

Uma Igreja a caminho da unidade
 
Ut unum sint é uma esplêndida síntese da caminhada da Igreja ao longo de seus 2000 anos de história. É uma luz que aponta o caminho a seguir, continuando na mesma direção daqueles que nos precederam. Mostra o caráter vivo da Tradição, que - como diz a "Dei Verbum" - tem origem nos Apóstolos e progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo. E é graças ao Espírito que cresce a inteligência da fé. Neste caminho - afirma João Paulo II citando São Cipriano - os irmãos devem aprender a reconciliar-se com o altar, porque "Deus não aceita o sacrifício daqueles que estão em desacordo". Em vez disso, "o maior sacrifício a oferecer a Deus é a nossa paz e harmonia fraterna, é o povo reunido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo". Este é o convite final do Papa Wojtyla: pedir ao Senhor a graça de preparar todos nós para o sacrifício da unidade. 

VN

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