Pedindo a Deus muita saúde e paz para todos, dirijo-vos deste modo
algo do que pensava dizer-vos na Festa da Família, que mais uma vez se
realizaria no próximo Domingo da Santíssima Trindade, a 7 de junho.
A
pandemia com que ainda nos confrontamos impede que nos reunamos
presencialmente desta vez. Mas não que vos manifeste assim a muita
estima e oração com que sempre vos acompanho, sabendo como o próprio
Deus vos quer, como primeira comunidade humana e escola de comunhão
verdadeira.
Pais e filhos, avós e parentes, constituem o núcleo
básico de entreajuda e carinho onde a comunidade ganha o seu primeiro
rosto e exercício. Por isso a promoção e proteção das famílias deve ser o
primeiro objetivo de qualquer sociedade organizada. Temos muito a fazer
neste sentido, especialmente agora, quando a crise sanitária e
económica atinge fortemente a muitos e dificulta a sobrevivência de
tantos, no que respeita ao trabalho e a tudo o mais que garanta a vida
das pessoas e suas famílias.
Durante o confinamento com que
procurámos impedir o alastramento da pandemia, as famílias viveram um
tempo inédito de concentração em casa e proximidade constante entre os
seus membros. Muitos testemunhos me chegaram de como proporcionou também
a redescoberta da dimensão doméstica da Igreja. Muitas seguiram
mediaticamente as celebrações eucarísticas e os tempos de oração que os
seus párocos e outros sacerdotes realizaram. A impossibilidade de
receção dos sacramentos incrementou a antiga prática da comunhão
espiritual, que acrescenta o desejo de nos alimentarmos do Pão da Vida,
que é Cristo omnipresente, mesmo quando não é possível recebê-lo
sacramentalmente. Também a recitação familiar do rosário, a leitura da
Palavra de Deus e outros momentos de meditação e oração se
multiplicaram.
Será bom que muitos destes hábitos continuem,
complementando a indispensável prática sacramental e comunitária que se
irá retomando, com a cautela necessária para que a pandemia não retorne.
Assim mesmo, unindo as duas dimensões da vida eclesial, doméstica e
comunitária, acompanharmos o percurso existencial que o próprio Jesus
seguiu nos seus trinta anos em Nazaré da Galileia, da casa de família ao
culto comunitário semanal, a que não faltava (cf. Lc 4, 16).
Agradeço
muito às famílias da diocese de Lisboa tudo o que conseguiram fazer
neste tempo difícil para se manterem unidas na entreajuda e na oração,
bem como na atenção às necessidades dos seus vizinhos e outras pessoas
mais fragilizadas. Nos Atos dos Apóstolos, conta-se que o
primeiro núcleo eclesial do nosso continente, no que respeita à missão
de S. Paulo, foi a família de Lídia, em Filipos (cf. Act 16, 15). Sabemos como o apóstolo contou com o casal Áquila e Priscila para a missão em Corinto e em Éfeso (cf. Act
18); e como destaca o papel da família na transmissão da fé, escrevendo
assim a Timóteo: «Trago à memória a tua fé sem fingimento, que se
encontrava já na tua avó Loide e na tua mãe Eunice…» (2 Tm 1, 5).
Rezo para que tudo continue ou se recupere desta forma, para que a Igreja se defina realmente como “família de famílias” (Amoris Laetitia,
87), tal como começou. Os nossos sacerdotes seguem o percurso de Jesus
que, permanecendo celibatário, alargou a todos os sentimentos familiares
com que crescera na família de Nazaré. São duas dimensões
complementares da mesma vida em Cristo, para que a Igreja se manifeste
inteiramente como “família de Deus” (Ef 3, 19).
Saúdo-vos
do coração, especialmente aos casais que neste ano celebram bodas
marcantes do seu matrimónio. Confio muito no que o Espírito de Deus faz
nas famílias e através delas, rumo a uma sociedade que se torne mais
familiar também!
Lisboa, Domingo de Pentecostes, 31 de maio de 2020
+ Manuel, Cardeal-Patriarca
Patriarcado de Lisboa
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