01 junho, 2018

Dar o melhor de si: documento do Vaticano sobre o desporto

 
 
Papa Francisco: “ não ter medo de entrar em jogo com os outros e com Deus e não se contentar com um empate "medíocre". "Dar o melhor de si" para "o que dura para sempre ".
 
Alessandro De Carolis, José Silvonei - Cidade do Vaticano

Nos cinco capítulos e nas 50 páginas do texto “Dar o melhor de si”, se analisa, em síntese a história do fenómeno desportivo, oferece-se uma leitura antropológica do ponto de vista dos valores e outra sobre os desafios e desvios do desporto – entre as quais o doping e a corrupção – para concluir com uma descrição do papel desempenhado pela Igreja neste setor, considerado um "moderno Pátio dos Gentios".

O que interessa no fundo é reiterar que não há um "desporto cristão", mas certamente é legítima "uma visão cristã do desporto". Por esta razão, reafirma-se que a Igreja - como repetidamente ensinada nas últimas décadas, em particular por João Paulo II, - não se limita a incentivar uma "prática desportiva qualificada", mas "quer estar" dentro do "desporto", entendido como "desporto para a pessoa "e, portanto, como espaço onde dar o " melhor de si ", a partir do qual, se desenvolvem amizade, diálogo, igualdade, respeito, solidariedade. 

Não apenas pela glória
O capítulo 2 detém-se na evolução do desporto. Raciocinando sobre a etimologia da palavra, nota-se como o francês “desporter” deriva do latim “desportare”, que é "divertimento". O aspecto "lúdico, físico, competitivo", se observa, tem animado práticas desportivas desde "o alvorecer da história do homem". Mas a "mudança radical" vem nos últimos dois séculos, quando o desporto, - recorda-se -, gradualmente se torna um fenómeno de massa e as Olimpíadas de Coubertin ampliam as suas fronteiras, enquanto o desenvolvimento da mídia o torna global. Neste desenvolvimento amadurece a concepção da atividade desportiva como instrumento de "educação integral", que combina a “excelência física” com a "excelência humana", e a competição no mesmo nível por um resultado, promove o "reconhecimento da igualdade entre as pessoas".

Ginástica do corpo e do espírito
À pergunta "o que é o desporto?", o documento propõe uma das definições possíveis, depois de ter passado em resenha as suas características. E assim, diz-se, o desporto é, em geral, qualquer "atividade física em movimento, individual ou em grupo" que tenha um "caráter lúdico e competitivo" e seja codificado por "um sistema de regras", com desempenhos comparáveis ​​entre si " em condições de igualdade e oportunidades ". Não se trata tanto de uma esquematização teórica, porque no capítulo 3 o documento desloca a atenção para os valores da atividade desportiva considerados de maneira "sinótica" comparados aos da fé, em primeiro lugar a tensão "ao desenvolvimento harmonioso e integral da pessoa, alma e corpo". É ainda o Papa Wojtyla que sugere uma descrição eficaz quando vê o desporto como "uma forma de ginástica corporal e espiritual" e observa que "não é mera força física e eficiência muscular, mas também tem uma alma e deve mostrar a sua face integral".

Jogo "limpo"
O paralelo desporto-fé continua por outros 9 pontos. Entre os primeiros, destaca-se que o desporto recorda que a "liberdade" seja "também uma responsabilidade" e que "vale a pena abraçar desafios de longo prazo" com compromisso e sacrifícios. Precisamente como a vida cristã, que requer "perseverança", o que a torna mais parecida com "uma maratona do que com uma corrida de velocidade". Depois, há as "regras" compartilhadas, resultado da "criatividade" daqueles que conceberam a competição, sem as quais o sentido da competição "seria frustrado". Em particular, o parágrafo foca no "fair play", que se origina da necessidade de que o jogo seja "limpo" e que aos atletas ensina "a estarem atentos e a respeitarem o adversário" muito para além do medo de serem sancionados. Tudo isto, diz o documento, torna o desporto "uma oportunidade de educação para toda a sociedade". Em particular, para os jovens confusos com uma "perda cada vez maior de valores", os atletas podem encarnar o papel de "educadores". 

Bem-estar da pessoa e corpos-objeto
Também aprender o "gosto e a beleza do jogo em equipa" - onde o atleta coloca à disposição da equipa "dons e talentos" - pode dar uma forte resposta à difusa "mentalidade individualista". Enquanto a "disciplina" de que um desportista deve dotar-se, treinando com "abnegação" e "humildade", demonstra como ocorre na vida de fé, que o "sacrifício e o sofrimento têm um poder transformador". Sem esquecer que, ao lado das dificuldades dos "desafios mais difíceis", convive no desporto o aspecto da "alegria" e da "harmonia", porque a atividade desportiva é portadora de "bem-estar" e "equilíbrio". Por outro lado, prossegue o texto, "grande dano às pessoas" pode vir do excesso de "comercialização" que afeta alguns desportos, da sua "dependência de modelos científicos livres" de "preocupações éticas" em que o "corpo é reduzido a objeto". e a pessoa é considerada uma mercadoria ". 

Sinal de paz possível
Que na "lógica do desporto" se reconheça a "lógica da vida" é evidente também a partir de outras peculiaridades de quem participa numa competição. O é pela "coragem", que brilha especialmente quando continua a dar o melhor de si, apesar da possibilidade de vencer ter desaparecido, ou na "igualdade e respeito" essenciais em todas as formas de competição. E, de facto, - reconhece o documento -, "muitos desportos populares fizeram campanhas para aumentar a consciencialização contra o racismo e promoveram a inclusão, a paz, a solidariedade e a inclusão". "O desporto - dissera Bento XVI - pode unir num espírito de amizade, povos e culturas. O desporto é um sinal de que a paz é possível". Conclui-se o capitulo afirmando que, na sua "tensão entre força e fragilidade", o desporto "é talvez o exemplo mais evocativo de unidade entre corpo e alma". 

A competição corrompida
E ainda, apesar do seu conjunto de valores, "o desporto – lê-se no texto - pode ser usado contra a dignidade do ser humano e contra os direitos da pessoa". A premissa abre o capítulo 4, breve, mas incisivo ao abordar tudo o que estraga o setor. Tudo nasce quando a prática desportiva se degrada ao redor do "vencer a todo custo". A partir dos "riscos para a saúde" - com os atletas reduzidos, como disse o Papa Francisco, "a mera mercadoria" - passando pelos abusos "físicos, sexuais ou emocionais" cometidos contra menores, para os quais são necessárias medidas especiais de segurança; até os "comportamentos antidesportivos" dos torcedores o texto estigmatiza, situações que minam a beleza da face "humana e justa" do desporto. Uma responsabilidade que também inclui "o máximo respeito pela criação" e a atenção aos "animais" que porventura devem estar envolvidos na competição. 

Os quatro desafios
Para a Igreja há quatro áreas nas quais há que intervir para evitar que os interesses de parte contaminem os setores do desporto tentados pelo desempenho fora das regras. O primeiro diz respeito à "degradação do corpo", levando - afirma - à "automatização dos atletas" e, muitas vezes, no caso de muitos, a um "especialização precoce" que pode minar a saúde do corpo, por exemplo, no caso da ginástica de elite em que o esforço para reentrar no modelo de “físico pré-púberes" pode causar "distúrbios de alimentação". A segunda área relaciona-se com o doping, prática infame de degradação do corpo do atleta, bem como da fraude dos resultados que requer “esforços internacionais concretos e coordenados” não somente da parte de organizações desportivas, mas também dos meios de comuni esconde-se a "corrupção" de tipo económico, considerada pelo documento como o terceiro desafio a ser superado para evitar fraudes e enganos orquestrados por "atores externos" ao ambiente (se pense na "apostas esportivas") e proteger" com “regras concretas e transparentes” a “integridade do desporto”. Quarta área de intervenção refere-se aos "fãs e espectadores": também aqui o apelo é para a preservação da "comunidade unida" dos torcedores que, quando vive corretamente a sua paixão, é "uma fonte fantástica de alegria e de beleza." 

"A Igreja é de casa no desporto"
O quinto e último capítulo é dedicado ao cuidado pastoral da Igreja nos vários níveis do mundo do desporto. A presença da Igreja nesta área, tornou-se cada vez mais estável no início do século XX com o objetivo, não tanto de fornecer as suas próprias instalações para a atividade amadora ou agonista, mas sim, como reafirma o texto, "para dar sentido, valor e perspectiva à prática do desporto". Em 5 pontos, o capítulo explora os contextos em que o cuidado pastoral é chamado a agir. Nas famílias (reconhecendo que o desporto é "uma fonte de relação" entre pais e filhos, " mas isso não deveria impedir a participação na missa), nas paróquias e oratórios (desporto "firmemente ancorado num projeto educativo e pastoral "), nas escolas e universidades (desporto "orientado para o desenvolvimento integral dos estudantes"), em centros de fitness, bem como no setor da ciência e da medicina e desportos, no setor "ponte" da mídia tradicional e das redes sociais e, finalmente, entre os clubes de desporto amador e, especialmente, no âmbito profissional, onde é relançada a necessidade de uma formação adequada dos "capelães desportivos". Em particular, a Igreja é convidada a acompanhar os profissionais do desporto estimulando aqueles que estão em atividade, a conservação de um espírito de "amador" - que tem em si os "valores da gratuicdade, da amizade, da beleza" - e naqueles que tendo completad oa sua carreira, o saber "colocar em jogo os talentos" longe da "depressão e vazio" que às vezes podem atingir um atleta em repouso.

Um "bem pastoral"
Para todos os protagonistas desses setores, o documento insiste na necessidade de uma "estratégia educacional" que apoie educadores desportivos, pais, voluntários, sacerdotes e pessoas consagradas. O documento sugere "elementos fundamentais" para um projeto que entenda o desporto como "um bem pastoral". E portanto, entre outras coisas, o desporto como instrumento "para reconstruir o pacto educacional", visto "ao serviço da humanidade", que recupere a centralidade do "jogo" e que seja "para todos" e tenha "uma visão ecológica". A parte final é do Papa Francisco, as suas palavras no Centro Desportivo Italiano em 2014: “ não ter  medo de entrar em jogo com os outros e com Deus, e não se contentar com um empate "medíocre". "Dar o melhor de si" para "o que dura para sempre".
 
VATICAN NEWS

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