Papa Francisco: “ não ter medo de entrar
em jogo com os outros e com Deus e não se contentar com um empate
"medíocre". "Dar o melhor de si" para "o que dura para sempre ".
Alessandro De Carolis, José Silvonei - Cidade do Vaticano
Nos cinco capítulos e nas 50 páginas do texto “Dar o melhor de si”,
se analisa, em síntese a história do fenómeno desportivo, oferece-se uma
leitura antropológica do ponto de vista dos valores e outra sobre os
desafios e desvios do desporto – entre as quais o doping e a corrupção –
para concluir com uma descrição do papel desempenhado pela Igreja neste
setor, considerado um "moderno Pátio dos Gentios".
O que interessa no fundo é reiterar que não há um "desporto cristão",
mas certamente é legítima "uma visão cristã do desporto". Por esta razão,
reafirma-se que a Igreja - como repetidamente ensinada nas últimas
décadas, em particular por João Paulo II, - não se limita a incentivar
uma "prática desportiva qualificada", mas "quer estar" dentro do
"desporto", entendido como "desporto para a pessoa "e, portanto, como
espaço onde dar o " melhor de si ", a partir do qual, se desenvolvem
amizade, diálogo, igualdade, respeito, solidariedade.
Não apenas pela glória
O capítulo 2 detém-se na evolução do desporto. Raciocinando sobre a
etimologia da palavra, nota-se como o francês “desporter” deriva do
latim “desportare”, que é "divertimento". O aspecto "lúdico, físico,
competitivo", se observa, tem animado práticas desportivas desde "o
alvorecer da história do homem". Mas a "mudança radical" vem nos últimos
dois séculos, quando o desporto, - recorda-se -, gradualmente se torna
um fenómeno de massa e as Olimpíadas de Coubertin ampliam as suas
fronteiras, enquanto o desenvolvimento da mídia o torna global. Neste
desenvolvimento amadurece a concepção da atividade desportiva como
instrumento de "educação integral", que combina a “excelência física”
com a "excelência humana", e a competição no mesmo nível por um
resultado, promove o "reconhecimento da igualdade entre as pessoas".
Ginástica do corpo e do espírito
À pergunta "o que é o desporto?", o documento propõe uma das
definições possíveis, depois de ter passado em resenha as suas
características. E assim, diz-se, o desporto é, em geral, qualquer
"atividade física em movimento, individual ou em grupo" que tenha um
"caráter lúdico e competitivo" e seja codificado por "um sistema de
regras", com desempenhos comparáveis entre si " em condições de
igualdade e oportunidades ". Não se trata tanto de uma esquematização
teórica, porque no capítulo 3 o documento desloca a atenção para os
valores da atividade desportiva considerados de maneira "sinótica"
comparados aos da fé, em primeiro lugar a tensão "ao desenvolvimento
harmonioso e integral da pessoa, alma e corpo". É ainda o Papa Wojtyla
que sugere uma descrição eficaz quando vê o desporto como "uma forma de
ginástica corporal e espiritual" e observa que "não é mera força física e
eficiência muscular, mas também tem uma alma e deve mostrar a sua face
integral".
Jogo "limpo"
O paralelo desporto-fé continua por outros 9 pontos. Entre os
primeiros, destaca-se que o desporto recorda que a "liberdade" seja
"também uma responsabilidade" e que "vale a pena abraçar desafios de
longo prazo" com compromisso e sacrifícios. Precisamente como a vida
cristã, que requer "perseverança", o que a torna mais parecida com "uma
maratona do que com uma corrida de velocidade". Depois, há as "regras"
compartilhadas, resultado da "criatividade" daqueles que conceberam a
competição, sem as quais o sentido da competição "seria frustrado". Em
particular, o parágrafo foca no "fair play", que se origina da
necessidade de que o jogo seja "limpo" e que aos atletas ensina "a
estarem atentos e a respeitarem o adversário" muito para além do medo de
serem sancionados. Tudo isto, diz o documento, torna o desporto "uma
oportunidade de educação para toda a sociedade". Em particular, para os
jovens confusos com uma "perda cada vez maior de valores", os atletas
podem encarnar o papel de "educadores".
Bem-estar da pessoa e corpos-objeto
Também aprender o "gosto e a beleza do jogo em equipa" - onde o
atleta coloca à disposição da equipa "dons e talentos" - pode dar uma
forte resposta à difusa "mentalidade individualista". Enquanto a
"disciplina" de que um desportista deve dotar-se, treinando com
"abnegação" e "humildade", demonstra como ocorre na vida de fé, que o
"sacrifício e o sofrimento têm um poder transformador". Sem esquecer
que, ao lado das dificuldades dos "desafios mais difíceis", convive no
desporto o aspecto da "alegria" e da "harmonia", porque a atividade
desportiva é portadora de "bem-estar" e "equilíbrio". Por outro lado,
prossegue o texto, "grande dano às pessoas" pode vir do excesso de
"comercialização" que afeta alguns desportos, da sua "dependência de
modelos científicos livres" de "preocupações éticas" em que o "corpo é
reduzido a objeto". e a pessoa é considerada uma mercadoria ".
Sinal de paz possível
Que na "lógica do desporto" se reconheça a "lógica da vida" é evidente
também a partir de outras peculiaridades de quem participa numa
competição. O é pela "coragem", que brilha especialmente quando continua
a dar o melhor de si, apesar da possibilidade de vencer ter
desaparecido, ou na "igualdade e respeito" essenciais em todas as formas
de competição. E, de facto, - reconhece o documento -, "muitos desportos
populares fizeram campanhas para aumentar a consciencialização contra o
racismo e promoveram a inclusão, a paz, a solidariedade e a inclusão".
"O desporto - dissera Bento XVI - pode unir num espírito de amizade,
povos e culturas. O desporto é um sinal de que a paz é possível". Conclui-se o capitulo afirmando que, na sua "tensão entre força e
fragilidade", o desporto "é talvez o exemplo mais evocativo de unidade
entre corpo e alma".
A competição corrompida
E ainda, apesar do seu conjunto de valores, "o desporto – lê-se no
texto - pode ser usado contra a dignidade do ser humano e contra os
direitos da pessoa". A premissa abre o capítulo 4, breve, mas incisivo
ao abordar tudo o que estraga o setor. Tudo nasce quando a prática
desportiva se degrada ao redor do "vencer a todo custo". A partir dos
"riscos para a saúde" - com os atletas reduzidos, como disse o Papa
Francisco, "a mera mercadoria" - passando pelos abusos "físicos, sexuais
ou emocionais" cometidos contra menores, para os quais são necessárias
medidas especiais de segurança; até os "comportamentos antidesportivos"
dos torcedores o texto estigmatiza, situações que minam a beleza da face
"humana e justa" do desporto. Uma responsabilidade que também inclui "o
máximo respeito pela criação" e a atenção aos "animais" que porventura
devem estar envolvidos na competição.
Os quatro desafios
Para a Igreja há quatro áreas nas quais há que intervir para evitar que os
interesses de parte contaminem os setores do desporto tentados pelo
desempenho fora das regras. O primeiro diz respeito à "degradação do
corpo", levando - afirma - à "automatização dos atletas" e, muitas
vezes, no caso de muitos, a um "especialização precoce" que pode minar a
saúde do corpo, por exemplo, no caso da ginástica de elite em que o
esforço para reentrar no modelo de “físico pré-púberes" pode causar
"distúrbios de alimentação". A segunda área relaciona-se com o doping,
prática infame de degradação do corpo do atleta, bem como da fraude dos
resultados que requer “esforços internacionais concretos e coordenados”
não somente da parte de organizações desportivas, mas também dos meios de
comuni esconde-se a "corrupção" de tipo económico,
considerada pelo documento como o terceiro desafio a ser superado para
evitar fraudes e enganos orquestrados por "atores externos" ao ambiente
(se pense na "apostas esportivas") e proteger" com “regras concretas e
transparentes” a “integridade do desporto”. Quarta área de intervenção refere-se aos "fãs e espectadores": também aqui o apelo é para a
preservação da "comunidade unida" dos torcedores que, quando vive
corretamente a sua paixão, é "uma fonte fantástica de alegria e de
beleza."
"A Igreja é de casa no desporto"
O quinto e último capítulo é dedicado ao cuidado pastoral da Igreja
nos vários níveis do mundo do desporto. A presença da Igreja nesta área,
tornou-se cada vez mais estável no início do século XX com o objetivo,
não tanto de fornecer as suas próprias instalações para a atividade amadora
ou agonista, mas sim, como reafirma o texto, "para dar sentido, valor e
perspectiva à prática do desporto". Em 5 pontos, o capítulo explora os
contextos em que o cuidado pastoral é chamado a agir. Nas famílias
(reconhecendo que o desporto é "uma fonte de relação" entre pais e
filhos, " mas isso não deveria impedir a participação na missa), nas
paróquias e oratórios (desporto "firmemente ancorado num projeto
educativo e pastoral "), nas escolas e universidades (desporto "orientado para o desenvolvimento integral dos estudantes"), em centros de fitness,
bem como no setor da ciência e da medicina e desportos, no setor "ponte"
da mídia tradicional e das redes sociais e, finalmente, entre os clubes
de desporto amador e, especialmente, no âmbito profissional, onde é
relançada a necessidade de uma formação adequada dos "capelães
desportivos". Em particular, a Igreja é convidada a acompanhar os
profissionais do desporto estimulando aqueles que estão em atividade, a conservação
de um espírito de "amador" - que tem em si os "valores da gratuicdade,
da amizade, da beleza" - e naqueles que tendo completad oa sua carreira, o
saber "colocar em jogo os talentos" longe da "depressão e vazio" que às
vezes podem atingir um atleta em repouso.
Um "bem pastoral"
Para todos os protagonistas desses setores, o documento insiste na
necessidade de uma "estratégia educacional" que apoie educadores
desportivos, pais, voluntários, sacerdotes e pessoas consagradas. O
documento sugere "elementos fundamentais" para um projeto que entenda o
desporto como "um bem pastoral". E portanto, entre outras coisas, o
desporto como instrumento "para reconstruir o pacto educacional", visto
"ao serviço da humanidade", que recupere a centralidade do "jogo" e que
seja "para todos" e tenha "uma visão ecológica". A parte final é do Papa
Francisco, as suas palavras no Centro Desportivo Italiano em 2014: “ não
ter medo de entrar em jogo com os outros e com Deus, e não se contentar
com um empate "medíocre". "Dar o melhor de si" para "o que dura para
sempre".
VATICAN NEWS
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