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DOMINGO DE PÁSCOA 2014
A vivência perfeita da única Páscoa garantida
Caríssimos irmãos, na Páscoa do Senhor
Saúdo-vos vivamente nesta manhã pascal. E com aquela vida que venceu a
morte, em Cristo e em nós. Ouvimo-lo a Paulo, clamando aos colossenses,
com o sentido transfigurado que as palavras ganham no batismo dos
crentes: «Vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em
Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida se manifestar, também vós vos
haveis de manifestar com ele na glória».
Sim, caríssimos, estamos aqui com o que trazemos em mente e
porventura nos pesa na alma, e não podemos nem queremos esquecer. Uns
com saúde e outros enfermos, ou com doentes a seu cargo; uns com
trabalho e outros sem o ter, numa sociedade que tarda a reconhecê-lo
como condição indispensável de realização humana; uns acompanhados e
outros sós, ou com dificuldade em constituir e manter a vida familiar,
base irrecusável da convivência autêntica…
Sim, estamos como estamos, e nem todos como queríamos ou devíamos
estar. Mas o apóstolo dizia-nos outra coisa e muito mais do que isso: «A
vossa vida está escondida com Cristo em Deus». Traduzamos assim: Nas
vicissitudes duma existência frágil ou fragilizada, mas sempre mortal, o
segredo dos batizados é o destino de Cristo, que lhes é oferecido.
Venha o que vier, já veio o que devia - a Páscoa de Cristo, o Filho
de Deus, que se fez um de nós, passou pelo que passamos e venceu a
morte, não lhe fugindo, mas repassando-a da vida ressuscitada e
ressuscitadora que o Pai lhe ofereceu. Tendo a vida escondida com Cristo
em Deus, temo-la bem segura e não nos recusaremos a dá-la também, pois
quanto mais a dermos pelos outros mais a receberemos de Deus. Por isso, a
Páscoa de Cristo é a permanente raiz da nossa liberdade altruísta – a
única realmente livre.
Mas recuperemos brevemente o caminho feito e indispensável sempre: Em
Domingo de Ramos, entrámos com Jesus em Jerusalém. Quinta-Feira Santa,
estivemos com Ele na Ceia e depois no Horto das Oliveiras. Sexta-Feira,
no seu julgamento, condenação e morte. Fomos agora com a Madalena ao
sepulcro, vimos a pedra retirada, fomos ter com Simão Pedro e o
discípulo predileto. Com eles corremos ao sepulcro, vimos as ligaduras
no chão, sinal certamente de que o corpo não fora roubado… Por fim, e é o
ponto em que estamos, vimos e acreditámos. Vimos o que eles viram e
acreditámos no que o discípulo predileto acreditou.
Uma semana plena de circunstâncias e ensinamentos, que decerto
seguimos com humildade de espírito e coração contrito, como só pode ser
em momentos únicos e vitais. – Que alvoroço aquele, de ramos e hossanas,
quando Jesus entrou na Jerusalém das nossas vidas, também representadas
em incontáveis celebrações que se fizeram nas comunidades cristãs, há
uma semana atrás! Percebendo, sobretudo, que é assim que Ele continua a
entrar, com a régia humildade em que aconteceu, num pequeno jumento. –
Quanta ação de graças, quanta “Eucaristia”, quando em Quinta-Feira se
deu em corpo e sangue! E depois, no Horto, quanta advertência para não
dormirmos, antes o acompanharmos, indo até ao fim…
A seguir, no pretório de Pilatos, certamente o vimos a Ele, igual a
si mesmo, quando a multidão já era tão diferente do que fora nos Ramos,
aclamando-o um dia para o rejeitar no outro... E para o seguirmos, como
cada um o fez e continua a fazer, sob a cruz dos homens, sob a cruz do
mundo… Depois a morte, a sepultura e finalmente o mais, o tudo que nos
traz aqui, num dia sem ocaso.
Mais um ponto ainda, e muito de reter. Ouvimos no Evangelho: «Entrou
também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: viu e
acreditou». Tratava-se do “discípulo predileto”, que, exatamente porque o
era, chegou mais depressa e acreditou primeiro.
Caríssimos irmãos, é do que se trata agora e há de ser connosco.
Olhando para onde olharmos, correndo para onde corrermos, não nos faltam
sepulcros de esperanças e vazios de vida. De perto ou de longe, dramas
pessoais, tragédias de povos, riscos de mais guerras, cristãos
perseguidos, horizontes curtos, bloqueados… Mesmo com férias e passeios
nesta feliz quadra, nada nos evita as notícias tristes, nem nos dispensa
de habituais cuidados.
Todavia, se a predileção de Jesus e por Jesus nos prende deveras, nem
deixaremos de acorrer onde O sabemos, nem deixaremos de lhe divisar a
presença onde Ele preferentemente está e nos espera.
Não faltaremos à reunião fraterna de cada “Domingo”, aprendendo com o
apóstolo Tomé que, só estando “com os outros”, O veremos também, para
lhe dizermos de coração rendido: «Meu Senhor e meu Deus!» (cf. Jo 20,
26-28).
Não olvidaremos as suas palavras, pois guardá-las na memória e no
coração é o modo perfeito de O sabermos connosco e bem connosco, como
prometeu: «Se alguém me tem amor, há de guardar a minha palavra; e o meu
Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada» (Jo 14, 23).
Mantendo-nos com Ele, em devoção e lembrança, cada vez mais
captaremos o fulgor da sua glória e presença, que a tudo confere a
verdadeira luz e o sentido autêntico. Ele próprio o pediu ao Pai, assim
mesmo o garantindo: «Pai, quero que onde Eu estiver estejam também
comigo aqueles que me confiaste, para que contemplem a minha glória, a
glória que me deste, por me teres amado antes da criação do mundo» (Jo
17. 24).
Vendo bem, procuramo-lo porque Ele nos procurou primeiro e sempre
procura agora. Batemos à porta do céu, que nem sempre parece tão
escancarada como a pedra removida do sepulcro. Mas, na verdade, é Ele
que bate à porta do nosso coração, em constante vontade de conviver
connosco: «Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz
e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo»
(Ap 3, 20).
A alusão à ceia, eucarística sobretudo, traduz a proximidade do
Ressuscitado, como a quer manter connosco. E, sendo Ele próprio o
alimento, a convivência passa a ser comunhão, em sentido cabal e
preciso. Como no seu discurso do Pão da Vida: «Quem come realmente a
minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele. Assim
como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, também quem de verdade
me come viverá por mim» (Jo 6, 56-57).
Sem esquecermos nunca a sua presença nos outros, igualmente real e à
nossa espera, agora e sempre, como lembra outro trecho evangélico:
«Vinde, benditos de meu Pai! […] Porque tive fome e destes-me de comer,
tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava
nu e destes-me de vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e
fostes ter comigo. […] Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos
mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 34 ss).
Recolhendo estas preciosas indicações do Novo Testamento que deixou,
nada nos há de tolher a corrida ao lugar donde ressuscita, para
entrarmos de vez e lhe divisarmos a presença. Assim mesmo O veremos,
onde quer ser visto; aí mesmo O serviremos, nos pobres em quem nos
espera; aí mesmo nos garantirá para sempre, pois a caridade nunca
acabará; aí mesmo nos servirá, ele próprio, conforme prometeu; «Felizes
aqueles servos a quem o senhor, quando vier, encontrar vigilantes! Em
verdade vos digo: Vai cingir-se, mandará que se ponham à mesa e há de
servi-los» (Lc 12, 37).
A esta luz definitiva, caríssimos irmãos, façamos da nossa presença
reforçada, na Igreja e no mundo, a vivência perfeita da única Páscoa
garantida.
+ Manuel Clemente
Lisboa, 20 de abril de 2014
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