Quando ia reflectindo, meditando em todas estas situações, a maior parte
das vezes tão dolorosas, surgiu-me no coração este versículo: «eram como
ovelhas sem pastor» Mt 9, 35
Realmente muitos daqueles que vivem estas situações são como «ovelhas
sem pastor».
Procuram acolhimento, ajuda, amor na Igreja e muitas vezes não encontram
nada disso, mas apenas evasivas, julgamentos, afastamento.
E no entanto o pastor quer todas as ovelhas no seu rebanho, não quer
nenhuma perdida, porque ele é o pastor de todas as ovelhas.
O pastor conduz o rebanho, une o rebanho, mas não o faz sozinho.
O pastor do rebanho tem normalmente a ajuda dos cães do rebanho.
Perdoem-me a comparação, mas os cães do rebanho, são a Igreja, são o
Papa, os bispos, os sacerdotes, os leigos.
Há ovelhas que se desviam do caminho, que começam a caminhar outros
caminhos, que não o caminho do rebanho.
Há ovelhas que ficam enredadas, presas, nos espinhos de alguma silva, de
onde não se conseguem libertar sozinhas.
Algumas dessas ovelhas, são sem dúvida os divorciados re-casados.
A missão dos cães, para além de manterem o rebanho unido para ser
conduzido pelo pastor, é ir procurar e levar as ovelhas perdidas para o caminho
certo, é ir ajudar as ovelhas presas nos espinhos a libertarem-se deles, para
poderem juntar-se ao rebanho e prosseguir o caminho guiadas pelo pastor.
Mas que fazemos nós tantas vezes, perdoem-me mais uma vez a expressão,
os cães que são Igreja?
Acenamos de longe, de dentro do rebanho, e gritamos: Estás enganado no
caminho! Vem para aqui! Vem para o rebanho!
Este acenar de longe, este gritar de chamamento, são os documentos da
Igreja que tratam destas situações dos divorciados re-casados, mas que nada
fazem, que nada concretizam, arrisco-me até a dizer, para nada servem, se não
os colocarmos em prática, se não os concretizarmos com palavras ditas, com
gestos realizados, com actos concretos, e com muita oração, muita oração.
Então precisamos, por vezes, de sair do rebanho, (ou mesmo dentro dele),
para procurar essas ovelhas, esses irmãos, mostrar-lhes o caminho, e ajudarmo-los
a libertarem-se dos espinhos que não os deixam caminhar unidos ao rebanho.
E esses caminhos desviados são tantas vezes outras igrejas, outras
espiritualidades, outras ofertas onde irão procurar o que nunca lá conseguirão
encontrar: Deus, o amor de Deus, a Verdade que é o próprio Deus.
E esses espinhos são tantas vezes a incompreensão, a indignação perante
palavras duras e mal dirigidas vindas de dentro do rebanho, são revoltas, que
apesar de serem um tanto culpa própria, não deixam também de ser culpa muitas
vezes da parte do rebanho que não soube, ou não quer, (pior ainda), acolher,
ajudar, amar.
A imagem dos espinhos é muito interessante.
Os espinhos magoam, ferem, e as ovelhas que estão presas nos espinhos
debatem-se para se libertar, mas esse debater acaba por magoar mais, acaba por
aumentar as feridas, aumentando o sofrimento.
Mesmo quando libertados dos espinhos, verificamos que nesses mesmos
espinhos ficou agarrada alguma lã, ficou agarrado algo que pertence à ovelha
que esteve presa.
As feridas abertas, acabam por sarar quando a ovelha volta ao rebanho, e
acabam por ganhar a crosta, para que a pele sare por baixo.
Mas caídas as crostas, ficam as cicatrizes, que acabam por recordar os
maus momentos.
Realmente, aqueles que vivem estas situações, estão muitas vezes feridos
por tantos espinhos.
O espinho do divórcio, o espinho da dificuldade de perdoar ou ser
perdoado, (pelo outro ou pelos filhos), o espinho de não ser bem aceite na
Igreja onde afinal quer procurar o amor que um dia Deus semeou no seu coração.
E o amor de Deus é imprescindível para que possam perdoar, pedir perdão
e serem perdoados.
Essa capacidade, se assim podemos chamar-lhe, de perdoar, pedir perdão e
ser perdoado, parte muito da vontade do homem, mas com a fraqueza do homem, se
não for iluminada pelo amor de Deus, nunca será um perdão completo, mas sim
algo que a memória sempre recordará com mágoa, tristeza e às vezes até
ressentimento.
Só amor de Deus pode trazer a paz a esse recordar traumático de um
divórcio, e trazer o amor a uma nova relação.
O amor de Deus encontra-se, ou melhor, faz-se encontrado na relação
íntima e pessoal com Jesus Cristo, na oração e entrega de cada um, mas também,
e sempre, em Igreja, na oração e celebração comunitária, primordialmente na
comunhão do Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Mas a estes nossos irmãos está vedada a admissão à Comunhão Eucarística,
alimento divino para esse encontro tão pessoal e íntimo com Jesus Cristo.
E isso dói-lhes, magoa-os, porque sentem a necessidade imperativa de
receber Jesus Cristo.
Mas não é a comunhão eucarística a única forma de comungar Cristo, ou
seja, de permanecer n’Ele, de estar em comunhão com Ele, de sentir a sua
presença viva nas nossas vidas, pois como muito bem sabemos, também nos alimentamos
do Senhor na Palavra de Deus, como nos afirma a Constituição Dogmática Dei Verbum no seu número 21, «A Igreja
venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não
deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis
o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo.»,
bem como na oração pessoal e comunitária e nas boas obras que fazemos pela
graça de Deus.
No rebanho, nem todas as ovelhas caminham da mesma forma, nem todas as
ovelhas se alimentam do mesmo modo, e no entanto o pastor ama todas as suas
ovelhas e com todas se preocupa e por todas se entrega.
Temos que ser então nós, Igreja, a mostrar, a testemunhar, a envolver,
estes re-casados no amor de Deus, para que mais do que verem a Igreja como uma
instituição, com regras e normas, vejam e sobretudo sintam a Igreja como amor
de Deus aos homens, a todos os homens, e pela sua própria participação em
Igreja acabem por perceber e viver a necessidade da obediência em amor, e parta
deles próprios a decisão de não se aproximarem da Comunhão Eucarística, mas
vivam a comunhão espiritual, como o alimento divino que o próprio Jesus Cristo
lhes dá, porque os ama com amor infinito, como ama todos os homens.
Precisamos então, tantas vezes, de amaciar o nosso coração, de colocar
as nossas certezas mundanas de lado, de colocar o amor de Deus no nosso
entendimento da Doutrina, das regras e das normas da Igreja, para assim
podermos acolher, ajudar e amar estes irmãos que procuram Deus, e se sentem
tantas vezes como «ovelhas sem pastor».
Como diz São Paulo na Carta aos Colossenses no capítulo 3 versiculos 12
e 14:
«Como eleitos de Deus, santos e amados, revesti-vos, pois, de
sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de
paciência» e ainda «acima de tudo isto, revesti-vos do amor, que é o laço da
perfeição.»
Só Deus, só o Espírito Santo nos pode conduzir a encontrar esses
caminhos de acolhimento e amor, que esses irmãos tanto procuram e querem
encontrar na Igreja.
Só o Espírito Santo nos pode ensinar a sabedoria, sabedoria de Deus,
para dizermos as palavras certas, para termos as atitudes certas, que
transmitam o amor de Deus, e assim sendo, já não serem palavras nossas, mas
palavras inspiradas pela sabedoria divina e assim tocarem os corações daqueles
que as ouvem.
Então só na oração pessoal e íntima, na oração em Igreja, na celebração
em Igreja, na comunhão eucarística e adoração ao Santíssimo Sacramento,
presença viva e real de Jesus Cristo, encontraremos caminho, discernimento,
palavras e amor, que o Espírito Santo derramará em nós, para podermos cumprir a
missão de acolher e amar essas «ovelhas sem pastor», de tal modo, que se sintam
e se vivam como Igreja que são.
Que
neste momento de adoração a Jesus Sacramentado, coloquemos nas suas santas mãos
todos aqueles que vivendo estas difíceis situações O procuram de coração
aberto, para que, abrindo Ele também os nossos corações, possamos ser Igreja
que acolhe, que conduz, que ama, Igreja testemunha do amor de Deus derramado em
todos os homens.
Joaquim Mexia Alves
Nota:
Por
convite do “meu” Bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, orientei no
dia 7 de Abril, uma recoleção para sacerdotes, no Santuário de Fátima.
As coisas que Deus faz na minha vida!
Os
textos são, obviamente, algo extensos, pelo que os publicarei aqui em diversas
partes.
Série constante na faixa lateral deste blog, em:
"Pesquisa rápida" - "OS "RE-CASADOS" SÃO
IGREJA "
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