07 abril, 2014

V Catequese Quaresmal - Cónego Carlos Paes, Deão do Cabido



«Para a igreja, a opção pelos pobres é mais uma categoria teológica, que cultural, sociológica, política ou filosófica» (EG, 198)

1. Uma categoria teológica:
Afirmar que a opção pelos pobres é acima de tudo uma categoria teológica quer dizer que enraíza no próprio mistério de Deus:
. O nosso Deus é único, é um só; mas não é sozinho…
. Deus é comunidade de amor e de vida. Amor porque é relação interpessoal e vida porque a relação desperta a vida e qualifica-a.
. Ser pessoa, em Deus é ser pelo outro, para o outro e com o outro. Pelo outro porque é na originalidade da relação entre a primeira e a segunda pessoa, que o Pai gera o Filho e o Filho se reconhece como dado e recebido. O vínculo que os liga de forma irrevogável é tão definitivo porque é no interior dessa relação que cada uma dessas pessoas divinas vive a sua singularidade e se afirma como pessoa, ou seja, como um “eu” individual e comunitário. Na verdade a relação gera comunhão e a comunhão gera fraternidade.
. a terceira pessoa divina é o sopro criador do Pai, a correspondência amorosa do Filho, testemunhada por essa Pessoa que é o Espírito da Trindade.
. incorporados eclesialmente nesta fé trinitária encontramos nela o modelo e a inspiração que nos faz sair do individualismo fragmentário e estéril, para criarmos células vivas de humanização e integração comunitária.
1.1. Deus manifesta a sua misericórdia antes de mais aos pobres.
. ao manifestar esta preferência pelos mais pobres, Deus confere-lhes uma dignidade especial, porque eles entram no seu plano salvífico como imagem da vocação que nos define: destinatários preferenciais do dom de Deus que nos criou como alvo do seu desejo de encontrar interlocutores e testemunhas do seu estilo que é vontade de depender para acolher e comunicar seguindo a lógica divina do dom que pela via da reciprocidade, permite que os pobres sejam não só destinatários, mas também sujeito activo e passivo da misericórdia que neles encontra um ponto de aplicação e objecto de verificação da própria misericórdia que neles se concretiza, para que a primeira pessoa neles cumpra a sua paternidade, a segunda neles encontre a autenticidade da sua “kenose” e a terceira neles veja manifesta a sua energia identitária unitiva e comunional. 
1.2. Esta preferência divina tem consequências na vida de fé de todos os cristãos, chamados a possuírem «os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus» (Fil 2,5)
.Na verdade, ao falar de pobreza, ultrapassamos os preconceitos duma realidade que fica habitualmente confinada aos clichés duma cultura eivada de filosofia política, de dialética marxista, militância revanchista.
. os Pobres também nos evangelizam, porque, não tendo nem o poder nem a riqueza do mundo, (cf. Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2014) porque delas foram privados e porque descobriram outras prioridade e outro estilo, ensinam-nos:
.a gratuidade do dom,
. a libertação  das dependências e adições,
.  a utopia ilusória de projectos meramente revolucionários,
. a quimera duma regeneração que esquece a conversão evangélica que nos ajudará a valorizar a espiritualidade da pobreza evangélica.
Ensina-nos também a fecundidade dos que começaram por escutar e acolher o clamor dos pobres, e sabem articular o seu desejo de intervir eficazmente, com a humildade daqueles que só contam com a força duma fé energética, que congrega, liberta, purifica e desenha projectos de cooperação fraterna, desencadeiam sinergias de perfil assistencialistas ou paternalistas, observatórios teóricos, projectos megalómanos onde os pobres não têm lugar nem intervenção, alternância de gestão de poderes em lugar de reconhecimento das competências e complementaridade dos contributos que todos são chamados a prestar.

2. Inspirada por tal preferência, a Igreja fez uma opção pelos pobres, entendida como uma forma especial de primado na prática da caridade cristã, testemunhada por toda a Tradição da Igreja »
Como ensinava Bento XVI, esta opção «está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com a sua pobreza». Retomando este pensamento o Papa Francisco afirma na sua mensagem quaresmal que este é “o estilo de Deus” e a sua “lógica”. Assim, “Cristo, o Filho eterno de Deus, igual ao Pai em poder e glória, fez-se pobre, desceu ao nosso meio, aproximou-se de cada um de nós¸ despojou-se, «esvaziou-se», para se tornar em tudo semelhante a nós (cf. Fil 2,7; Heb 4,15). A encarnação de Deus é um grande mistério. Mas a razão de tudo isso é o amor divino: um amor que é graça, generosidade, desejo de proximidade, não hesitando em doar-Se e sacrificar-Se pelas suas amadas criaturas. A caridade – continua ainda o Papa Francisco-  é partilhar em tudo a sorte do amado. O amor torna semelhante, cria igualdade, abate os muros e as distâncias. Foi o que Deus fez connosco. Na realidade Jesus trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano”.

3. Por isso, desejo uma Igreja pobre para os pobres.
Estes têm muito para nos ensinar.
Além de participar do sensus fidei, nas suas próprias dores conhecem Cristo sofredor.

4. É necessário que todos nos deixemos evangelizar por eles. (EG 198)
A nova evangelização é um convite:
4.1.a reconhecer a força salvífica das suas vidas
4.2.e a colocá-los no centro do caminho da Igreja.
Para que tal aconteça e corresponda a uma verdadeira conversão teologal, deverá operar-se uma mudança de mentalidade e uma conversão do coração que motive, oriente, anime e dê sentido ao exercício da caridade. “nenhuma motivação será suficiente se não arder nos corações o fogo do Espírito”  (EG 261)

5.Somos chamados a descobrir Cristo neles:
5.1.não só a emprestar-lhes a nossa voz nas suas causas, e no seu clamor.
5.2.mas também a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los,
5.3.e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles.

Síntese e comentários do P. Carlos Paes, Deão do Cabido da Sé Patriarcal de Lisboa
6 de Abril de 2014

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