Caríssimos diocesanos
1. Antes de mais, desejo que estejais bem, com as vossas famílias e comunidades.
Bem fisicamente e também espiritualmente, em especial os que tenham
sofrido em si e nos seus com a presente pandemia ou qualquer
enfermidade. Uma lembrança forte e permanente vai para todas as
instituições de solidariedade, eclesiais ou outras, onde a pandemia
entrou, causando tanta perturbação e desgaste nos residentes e
cuidadores.
Como salientei na apresentação do programa-calendário para 2020-2021,
a crise sanitária impediu-nos de realizar muitas das atividades
previstas. Por isso continuaremos agora na mesma linha de receção da Constituição Sinodal de Lisboa
e com os mesmos temas, tão atuais como urgentes: “Sair com Cristo ao
encontro de todas as periferias” – onde Ele sempre nos espera (cf. CSL
53) e “Fazer da Igreja uma rede de relações fraternas” - reforçando as
instâncias de corresponsabilidade comunitária e missionária (cf. CSL 60).
A
pandemia afetou-nos muito, como sociedade e como Igreja. Nas suas
várias incidências, da saúde à economia, do trabalho à escolaridade e ao
convívio, exigiu-nos e continua a exigir solidariedade e solicitude
reforçadas. Tudo se restringiu nos espaços e limitou nos encontros
presenciais, condicionalismo que só paulatinamente se ultrapassará.
Tivemos celebrações comunitárias interrompidas e agora retomamo-las sob
estritas regras sanitárias. Dou graças a Deus por tanta generosidade
manifestada nas comunidades, bem como nos vários serviços públicos e
particulares, estando certo de que nos reencontraremos mais próximos,
justos e solidários, como necessariamente tem de ser.
2. No que a atividades diocesanas se refere e além de tudo o que é próprio dos vários departamentos, setores e serviços (cf. Programa- Calendário) saliento as mais específicas do Departamento da Pastoral Sociocaritativa,
com relevância para o respetivo Congresso, a 14-15 de maio de 2021. Aí
confluirão a experiência entretanto feita com as Semanas Vicariais da
Caridade, que poderão repetir-se, e também muitas outras ações
realizadas - e aumentadas em resposta às necessidades que a pandemia
trouxe.
Quer no campo sociocaritativo, quer em todos os
outros da nossa vida pastoral, importa crescer em corresponsabilidade.
Não se trata de algo acessório e meramente funcional. Trata-se de viver e
trabalhar comunitariamente, como aprendizagem da própria vida
unitrinária de Deus, finalidade maior da Igreja que somos. Solidários
com todos e corresponsáveis entre nós, da vida comunitária à diocesana,
do mais local ou particular ao mais universal e geral.
Daqui a
importância de incentivar e desenvolver todos os órgãos de
corresponsabilidade comunitária, com os vários conselhos canonicamente
previstos. Tudo o que fizermos nesse sentido é louvável e inadiável. A
qualidade cristã do que realizarmos, além do benefício imediato que
origine, mede-se pelo modo comunitário como o fizermos. Cristo não
trabalhou sozinho, mas sempre com o Pai, no Espírito que os une (cf. Jo
5, 17). E associou outros, que com Ele aprenderam a trabalhar unidos e
fez companheiros de missão. Assim então e assim agora, necessariamente.
Aliás,
a grande receção do Concílio Vaticano II, em que convictamente
prosseguimos, reforça-nos a experiência e a consciência de sermos Povo
de Deus, Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo, sempre integrados
num todo básico e comum. Por isso desenvolvemos catequeses que se querem
verdadeiras inserções na vida eclesial e não meras aulas entre tantas
outras; celebramos como comunidade participativa e não como assistentes à
atuação demasiado destacada de algum ministro do culto; e incrementamos
todas as instâncias de colaboração comunitária, pastorais ou
administrativas que sejam, com intenção missionária sempre.
3. Nesse sentido, a recente Instrução da Congregação para o Clero A conversão pastoral da comunidade paroquial ao serviço da missão evangelizadora da Igreja,
dá-nos esta motivadora definição: «A paróquia é uma comunidade
convocada pelo Espírito Santo para anunciar a Palavra de Deus e fazer
renascer novos filhos na fonte batismal; reunida pelo seu pastor,
celebra o memorial da paixão, morte e ressurreição do Senhor e
testemunha a fé na caridade, vivendo em permanente estado de missão,
para que a ninguém falte a mensagem salvífica, que doa a vida» (nº 29).
Será
boa catequese para todos, retomar esta definição comunitária no começo
do novo ano pastoral, revendo à sua luz o que se faz e o que se há de
fazer, ponto por ponto. Também no que a Instrução diz mais à frente,
sobre o Conselho Pastoral Paroquial: «Longe de ser um simples organismo
burocrático, então, o Conselho Pastoral coloca em destaque e realiza a
centralidade do Povo de Deus como sujeito e protagonista ativo da missão
evangelizadora, em virtude do facto de que cada fiel recebeu os dons do
Espírito através do Batismo e da Confirmação» (nº 110).
Proponho
que em todas as paróquias se leia atentamente esta Instrução da
Congregação do Clero, que sobre elas diretamente incide. Ao longo dos
seus números, tanto se reflete sobre as atuais circunstâncias
socioculturais, que exigem mais interligação com o conjunto pastoral da
diocese, dada a menor fixação territorial das populações, como se
indicam possibilidades de trabalho intercomunitário, ou a natureza e os
fins próprios das várias instâncias de corresponsabilidade.
4.
O Papa Francisco propõe-nos para este tempo uma atenção ecológica
redobrada, ainda mais oportuna por causa dos danos da pandemia. Durante o
presente ano pastoral devemos retomar tudo quanto nos escreveu em 2015,
na sua preciosa encíclica Laudato si´, sobre o cuidado da casa comum. Sugiro-vos que, pessoal e comunitariamente, se assimile a encíclica nas suas múltiplas incidências, espirituais também.
Por
todo o texto papal perpassa uma vinculação global e a solidariedade
com a criação inteira. Requer-nos uma autêntica “conversão ecológica”,
comportando três atitudes: 1ª) Gratidão pela obra criadora de Deus,
correspondida com generosidade e gratuidade no modo de viver e conviver;
2ª) consciência de não estarmos separados das outras criaturas, com as
quais formamos uma comunhão universal; 3ª) desenvolvimento das
capacidades que Deus nos deu, para ajudar a resolver os dramas deste
mundo (cf. LS, 219-220).
Três atitudes complementares,
que o Papa nos propõe, em torno duma figura (S. Francisco de Assis) e de
um conceito (ecologia integral): «Acho que Francisco é o exemplo por
excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral,
vivida com alegria e autenticidade. […] Nele se nota até que ponto são
inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o
empenhamento na sociedade e a paz interior» (LS, 10).
É
nesta integralidade ecológica que o Papa insiste do princípio ao fim. Na
verdade, se faltar um destes pontos, logo se desequilibra o conjunto.
Dar aos animais ou às plantas a atenção devida, requer outra igual ou
maior aos seres humanos injustiçados; ninguém se pacifica intimamente
quando se alheia das causas da justiça e da paz para todos.
Neste
sentido, incluo outra citação da encíclica, tão clara como inevitável.
Merece-nos uma atenção muito particular, por razões de coerência
ecológica. Coerência que, por ser total, nunca pode ser “fraturante”.
Importa salvaguardar a criação, começando pela vida humana e tudo o que
esta requer, da conceção à morte natural: «Quando, na própria realidade,
não se reconhece a importância de um pobre, de um embrião humano, de
uma pessoa com deficiência – só para dar alguns exemplos -, dificilmente
se saberá escutar os gritos da própria natureza. Tudo está interligado»
(LS, 117).
5. Por causa da pandemia, o Papa
Francisco adiou para 2023 a Jornada Mundial da Juventude, a realizar em
Lisboa. Temos assim mais um ano para a preparar, como já acontece no
conjunto das dioceses portuguesas. Assim se vão desenvolvendo catequeses
que têm como base a reflexão e a experiência dos vários subtemas, ano a
ano, sempre em torno da atitude da Virgem Maria na Visitação, quando
apressadamente se dirigiu ao encontro de Isabel (cf. Lc 1, 39).
Esta
“urgência” em levar a todos o Jesus que recebemos, há de preencher a
nossa vida pessoal e comunitária, de jovens e menos jovens,
relançando-nos ainda mais na evangelização que o mundo pede. A JMJ 2023
será essencialmente o fruto do que connosco acontecer para tal.
Caríssimos
diocesanos, deixo-vos estes tópicos para o ano pastoral que agora
começa, convicto da sua oportunidade eclesial e sociocultural. Com os
irmãos Bispos que comigo trabalham no Patriarcado de Lisboa, desejo-vos a
maior felicidade em todos os campos da vossa vida e atividade.
Felicidade que, como Cristo nos ensina, sempre «está mais em dar do que
em receber» (Act 20, 35).
Irmão e amigo,
Lisboa, 1 de setembro de 2020
† Manuel, Cardeal-Patriarca
(foto: Arlindo Homem)
Patriarcado de Lisboa
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