02 setembro, 2020

Papa: a solidariedade é o caminho para sairmos melhores da crise

 
 
"Uma solidariedade guiada pela fé nos permite traduzir o amor de Deus na nossa cultura globalizada, não construindo torres ou muros que dividem e depois desabam, mas tecendo comunidades e apoiando processos de crescimento verdadeiramente humanos e sólidos."
 
Jackson Erpen - Vatican News
 
Ou seguimos em frente pelo caminho da solidariedade ou as coisas irão piorar. Quero repetir: de uma crise não se sai como antes. A pandemia é uma crise. De uma crise, sai-se melhor ou pior. Temos que escolher. E a solidariedade é precisamente o caminho para sairmos melhores da crise”.
 
Não na Biblioteca do Palácio Apostólico como vinha sendo realizada desde março devido à pandemia, mas no Pátio São Dâmaso, que costuma testemunhar o juramento dos novos recrutas da Guarda Suíça e a chegada de presidentes acompanhados das suas delegações.
 
A alegria do reencontro
 
Na primeira Audiência pública desde o início da pandemia (a última com presença de público foi em 27 de fevereiro), Francisco demonstrava alegria pelo reencontro com os fiéis, que tiveram a oportunidade de acessar o local entrando pela Porta de Bronze. Algo inédito até então.  Logo ao descer do automóvel sob aplausos, o Santo Padre, mantendo o distanciamento social, conversou com vários fiéis que se aglomeravam junto às divisórias, usando máscaras. Um dos momentos tocantes deste reencontro, foi quando um sacerdote libanês lhe apresentou uma bandeira do País dos Cedros. Ele segurou-a, beijou-a, fazendo uma oração pelo país abalado pela explosão no porto de Beirute e por uma grave crise político-económica.
 
“Depois de tantos meses retomamos o nosso encontro face a face, e não ‘tela a tela’, mas face a face”, disse o Papa com alegria ao iniciar a sua catequese, sendo aplaudido pelos presentes.
 
E foi a eles – e a quem o acompanhava pelos meios de comunicação - que o Pontífice dedicou a quinta catequese da série “Curar o mundo”, intitulada “A solidariedade e a virtude da fé”.
 
Sair da crise, juntos
 
“A atual pandemia – começou Francisco  - pôs em evidência a nossa interdependência: estamos todos ligados uns aos outros, tanto no mal como no bem. Por conseguinte, para sairmos melhores desta crise, devemos fazê-lo juntos, juntos, não sozinhos. Sozinhos porque não se consegue. Ou se faz juntos ou não se faz. Devemos fazê-lo juntos, todos nós, em solidariedade. Gostaria de sublinhar esta palavra, solidariedade”.
“[ Por conseguinte, para sairmos melhores desta crise, devemos fazê-lo juntos, juntos, não sozinhos. Sozinhos porque não se consegue. Ou se faz juntos ou não se faz. Devemos fazê-lo juntos, todos nós, em solidariedade. Gostaria de sublinhar esta palavra, solidariedade.]”
 
Como família humana - explicou - temos uma origem comum em Deus; vivemos numa casa comum, o planeta-jardim no qual Deus nos colocou; e temos um destino comum em Cristo. Mas quando esquecemos tudo isto – chamou a atenção - a nossa interdependência torna-se a dependência de uns em relação aos outros”, aumentando a desigualdade e a marginalização; o tecido social enfraquece-se e o meio ambiente deteriora-se.
 
Neste sentido, como ensinado por São João Paulo II na Encíclica Sollicitudo rei socialiso princípio de solidariedade torna-se mais do que nunca necessário, pois mesmo vivendo numa mesma “aldeia global”, onde tudo está interligado, nem sempre transformamos em solidariedade esta interdependência. “Há um longo caminho entre a interdependência e a solidariedade: os egoísmos – sejam individuais, nacionais e dos grupos de poder – e as rigidezes ideológicas, alimentam «estruturas do pecado»”.
 
Solidariedade é bem mais do que simples generosidade
 
A palavra “solidariedade” – sublinhou Francisco – “significa muito mais do que alguns atos esporádicos de generosidade, é muito mais, supõe a criação de uma nova mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. Isto significa solidariedade. Não é só questão de ajudar os outros, isto é muito bom fazer, mas é mais. Trata-se de justiça”. E para ser solidária, dar frutos, a interdependência “tem necessidade de fortes raízes no humano e na natureza criada por Deus, tem necessidade de respeito pelos rostos e pela terra”.
 
O Pontífice recorda então as advertências da Bíblia desde o início, citando para tal a Torre de Babel, narrada no Livro do Gênesis, que descreve o que acontece quando procuramos alcançar o céu – a nossa meta – ignorando a ligação com o humano, com a criação e com o Criador. Isto acontece cada vez que alguém quer subir, subir, subir, sem levar em consideração os outros:
“Construímos torres e arranha-céus, mas destruímos a comunidade. Unificamos edifícios e línguas, mas mortificamos a riqueza cultural. Queremos ser senhores da Terra, mas arruinamos a biodiversidade e o equilíbrio ecológico.”
 
Para ilustrar esta “síndrome de Babel”, fala de um conto medieval em que, durante da construção de uma torre”, ninguém se lamentava se caía e morria um homem, mas sim se caía um tijolo, pois custava e demandava tempo e trabalho para fazê-lo:
“Um tijolo valia mais do que uma vida humana. Cada um de nós pense no que acontece hoje. Infelizmente, algo semelhante pode acontecer também. Alguma queda no mercado financeiro – vimos isso nos jornais nestes dias - é notícia em todas as agências. Milhares de pessoas caem por causa da fome, da miséria, e ninguém fala nisso.”
 
Neste sentido, para não repetirmos o drama da Torre de Babel, que só gerou rutura e destruição a todos os níveis, o Senhor convida-nos a criar raízes no evento de Pentecostes, que descendo do alto como vento e fogo sobre a comunidade reunida no cenáculo, “infunde sobre eles a força de Deus, impele-os a sair e a anunciar a todos, Jesus Senhor”:
 
O Espírito cria unidade na diversidade, cria harmonia. O outro não é um mero instrumento, mera “força de trabalho”, mas participa com tudo de si na construção da comunidade. São Francisco de Assis bem o sabia e animado pelo Espírito deu a todas as pessoas, ou melhor, a todas as criaturas, o nome de irmão ou irmã.
 
Solidariedade tem "anticorpos" para a doença do individualismo
 
No Espírito Santo – enfatiza o Papa -  Deus faz-de presente com a força do seu Espírito Santo, que inspira a fé da comunidade unida na diversidade e na solidariedade:
“Uma diversidade solidária possui os “anticorpos” para que a singularidade de cada um – que é um dom, único e irrepetível – não adoeça com o individualismo, com o egoísmo. A diversidade solidária também possui os anticorpos para curar estruturas e processos sociais que se degeneraram em sistemas de injustiça, em sistemas de opressão. Portanto, a solidariedade hoje é o caminho a percorrer em direção a um mundo pós-pandemia, para a cura das nossas doenças interpessoais e sociais. Não há outro. Ou seguimos em frente pelo caminho da solidariedade ou as coisas irão piorar. Quero repetir: de uma crise não sai como antes. A pandemia é uma crise. De uma crise, sai-se melhor ou pior. Temos que escolher. E a solidariedade é precisamente o caminho para sairmos melhores da crise, não com mudanças superficiais, com uma pintura por cima e tudo está bem. Não. Melhores!”
 
“No meio a crises, uma solidariedade guiada pela fé permite-nos traduzir o amor de Deus na nossa cultura globalizada, não construindo torres ou muros – e quantos muros estão a ser construídos hoje - que dividem, mas depois desabam, mas tecendo comunidades e apoiando processos de crescimento verdadeiramente humanos e sólidos. E para isso ajuda a solidariedade.”
“Eu faço uma pergunta: eu penso nas necessidades dos outros? Cada um responda no seu coração.”
 
Em seio de crises e tempestades – disse o Papa ao concluir -  o Senhor nos interpele e  convida a despertar e ativar essa solidariedade capaz de dar solidez, sustentação e um sentido a essas horas em que tudo parece naufragar. Que a criatividade do Espírito Santo nos encoraje a gerar novas formas de familiar hospitalidade, de fecunda fraternidade e de universal solidariedade.
 
VM

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