23 setembro, 2018

Pe. Spadaro: Acordo Santa Sé-China, sinal de esperança e de paz

 
 
"Para nós, Jesuítas, este Acordo significa muito, porque dizemos que a China está presente no coração de cada Jesuíta. Matteo Ricci é um homem que se formou na cultura renascentista e, absorvendo a cultura europeia, decidiu ir para a China", é uma das passagens da entrevista.
 
Cidado do Vaticano

O diretor da revista dos desuítas "Civiltà Cattolica", Padre António Spadaro - que faz parte da comitiva Papal nos Países Bálticos - concedeu uma entrevista ao nosso correspondente Alessandro De Carolis, sobre a assinatura em Pequim, no sábado, do Acordo Provisório entre a Santa Sé e a China, sobre a nomeação de Bispos.

Padre António Spadaro, o que muda para a Igreja na China com a assinatura do Acordo entre a Santa Sé e o governo de Pequim?

«Com este Acordo, não há mais aquelas dificuldades que mantiveram a Igreja dividida entre duas comunidades. Assim, não há mais obstáculos para a comunhão da Igreja na China, na sua globalidade, e no relacionamento com o Santo Padre. Este é o objetivo alcançado com este Acordo provisório. Ao mesmo tempo, conclui-se um processo, que durou longos anos, iniciado por João Paulo II, sobre a legalização, - ou a readmissão da comunhão com o Papa, - dos Bispos, que haviam sido ilegalmente ou ilicitamente, ou seja, uma ordenação feita pelo governo sem a autorização pontifícia. Desde o ano 2000, cerca de 40 Bispos foram legitimados e Francisco completou esta obra. Sem dúvida, este será um passo importante também para a missão do Evangelho. A Igreja, não mais dividida, poderá ser mais livre, vivendo neste um processo de reconciliação, de anunciar o Evangelho, que é mais importante».

Este Acordo provisório tem alguma relação com a Carta que Bento XVI escreveu aos católicos chineses em 2007?

«Bento XVI tinha uma ideia muito clara: era preciso encontrar um modo para estabelecer uma relação de confiança entre o governo chinês e as autoridades chinesas com a Santa Sé. Tal confiança abriria alas para o diálogo; assim sendo, aos poucos, chegaríamos a um ponto, no qual chegamos hoje. Logo, diria que Francisco realizou os profundos desejos, expressos por Bento XVI naquele documento tão importante».

Quais consequências poderia suscitar a assinatura deste Acordo provisório entre as Igrejas asiáticas, onde os católicos são quase sempre uma minoria?

«A Ásia é o continente do futuro. Há muitos católicos na Ásia, que, às vezes, constituem pequenas comunidades, mas, em alguns países, são extremamente dinâmicos. São comunidades que poderíamos definir como "vírgula zero": pequenas, mas extremamente fortes; sementes para o futuro. A China tem uma enorme necessidade espiritual e a está  a expressar: as conversões ao cristianismo estão a alcançar percentagens muito altas. Trata-se, geralmente, de conversões ao protestantismo, porque as comunidades protestantes não têm vínculos particulares ou dificuldades com o governo e, portanto, são mais avantajadas na missão. A Igreja Católica, hoje, é chamada a responder a este grande desejo de Evangelho».

Falamos sobre um passado longo, sofrido. Agora, estamos a falar de um presente novo, que começa sob os melhores auspícios. Tentando imaginar o futuro, o que se poderia dizer?

«O futuro consiste na pregação do Evangelho. Não há outros objetivos neste Acordo. Há uma dimensão pastoral que, obviamente, comporta sementes para o futuro. Contudo, devemos entender também o que isso significa para a Igreja Católica. Por exemplo, Bento XVI, na sua introdução do livro "A Luz do Mundo", publicado na edição chinesa, auspiciava um cristianismo chinês, plenamente cristão e também chinês. O que isso poderia significar, em termos de teologia e reflexão, levando em conta a grande cultura deste país, sobre a qual o Papa Francisco se referiu várias vezes, dizendo-se "admirado" por tanta sabedoria? Repito, os desafios fundamentais são desafios de natureza pastoral; é preciso, hoje, anunciar o Evangelho e, provavelmente, - se quisermos - este Acordo pode ser também um sinal: um sinal de esperança, um sinal de paz, num mundo, onde se continua a construir muros, especialmente entre o Ocidente e o Oriente».

A assinatura deste Acordo provisório coincidiu com a primeira etapa da visita do Papa Francisco aos países Bálticos, na Lituânia. Conversando com as autoridades e com os jovens, o Papa falou sobre a importância de manter a alma e redescobrir as raízes de um povo. Podemos dizer que esta mensagem também pode ser aplicada aos católicos na China?

«A mensagem de Francisco, aqui, na Lituania, pode ser aplicada, certamente, a todos os católicos, também para os católicos chineses. Quando o Papa, aqui em Vilnius, falou de raízes, falou também de acolhimento e abertura. Quer dizer, no fundo, precisamos de recuperar as raízes, não tanto para permanecermos apegados às raízes, sem que produzam frutos: essas raízes são raízes de árvores que produzem frutos. Por isso, o Papa disse muito claramente, já na sua chegada a Vilnius, que este país, de fortes raízes, soube acolher pessoas de nacionalidades, línguas e religiões diferentes. Eis o futuro!».

A história da Companhia de Jesus na China é longa e teve início há vários séculos - 500 anos atrás - com o Padre Matteo Ricci. O que a assinatura deste Acordo significa também para os Jesuítas?

«Para nós, Jesuítas, este Acordo significa muito, porque dizemos que a China está presente no coração de cada Jesuíta. Matteo Ricci é um homem que se formou na cultura renascentista e, absorvendo a cultura europeia, decidiu ir para a China. Precisamente esta sua formação permitiu-lhe dialogar com a cultura deste grande país: ele apaixonou -se por ela e a absorveu. Depois dele, os Jesuítas absorveram esta cultura, mesmo o Confucionismo, e a transmitiram à Europa. Então, em que modo influenciaram a Europa? É impressionante como a evangelização, para esses primeiros Jesuítas, passa pelo profundo amor à cultura de um povo. Logo, não há nenhum desejo de evangelização fundamentalista, quase como missão cultural, mas o desejo de encontrar um povo com as suas ideias e costumes. Fiquei muito impressionado pelo facto de que o “Global Times”, um jornal oficial chinês, no dia do Acordo assinado entre a China e a Santa Sé, tenha definido o Papa Francisco como "o primeiro Papa jesuíta"; fazendo um confronto direto com Matteo Ricci, disse que “este homem, como seu Predecessor, tinha e tem uma relação muito flexível e dinâmica quanto à evangelização, capaz de amar o seu povo”. Isto impressionou-me muito, porque este é exatamente o significado do Acordo: construir a confiança, amar um povo!»

VATICAN NEWS

Sem comentários:

Enviar um comentário