04 agosto, 2019

Papa aos sacerdotes: "dou graças a Deus por todos vós"


 Cerimónia de conclusão do Ano Sacerdotal, 11 de junho de 2010

O Papa Francisco enviou uma carta por ocasião dos cento e sessenta anos da morte do Cura d’Ars: apoio, proximidade e encorajamento a todos os padres que apesar das fadigas e desilusões celebram todos os dias os sacramentos e acompanham o Povo de Deus.

Sergio Centofanti – Cidade do Vaticano 

O Papa Francisco escreveu uma carta aos sacerdotes, recordando os cento e sessenta anos da morte do Cura d’Ars, padroeiro dos párocos. Uma carta que exprime encorajamento e proximidade aos “irmãos presbíteros, que sem fazer alarde”, deixam tudo para se empenharem na vida diária das suas comunidades; aos sacerdotes que trabalham na “trincheira”; também a todos aqueles que diariamente enfrentam desafios sem pensar em si mesmos, “para que o povo de Deus seja cuidado e acompanhado”.

“Dirijo-me a cada um de vós – escreve o Papa – que, em muitas ocasiões, de modo inobservado e sacrificado, no cansaço ou na fadiga, na doença ou na desolação, assumem a missão como um serviço a Deus e ao seu povo e, mesmo com todas as dificuldades do caminho, escrevem as páginas mais belas da vida sacerdotal”. 

Dor

A carta do Paptem inicia com um olhar ao escândalo dos abusos: “Nos últimos tempos pudemos ouvir mais claramente o clamor, muitas vezes silencioso e silenciado, de irmãos nossos, vítimas de abusos de poder, de consciência e sexuais por parte dos ministros ordenados”. Mas, explica Francisco, mesmo sem “negar ou ignorar o dano causado”, seria “injusto não reconhecer que tantos sacerdotes que de maneira constante e íntegra, oferecem tudo o que são e que têm pelo bem dos outros”.  Os padres “que fazem da sua vida uma obra de misericórdia em regiões ou situações muitas vezes inóspitas, remotas ou abandonadas, arriscando a sua própria vida”.

O Papa agradece a todos “pela coragem e constante exemplo” e escreve que os “tempos da purificação eclesial que estamos a viver, tornar-nos-ão mais alegres e simples e um futuro não muito distante, serão muito fecundos”.

Convida então a não desencorajar, porque “o Senhor está a purificar a sua Esposa e a todos, a converter-nos a Ele. Permite-nos experimentar a prova para que comprendamos que, sem Ele, somos pó”. 

Gratidão

A segunda palavra chave é a “gratidão”. Francisco recorda que a “vocação, mais do que uma escolha nossa, é a resposta de um chamamento gratuito do Senhor”. O Papa exorta a “retornarmos aos momentos luminosos” em que experimentamos o chamamento do Senhor para consagrar toda a nossa vida ao seu serviço, voltar “ao sim” crescido no seio de uma “comunidade cristã”.

Em momentos de dificuldade, de fragilidade, de fraqueza, “quando a pior de todas as tentações é a de ficar a ruminar a desolação”, é crucial – explica o Pontífice – “não perder a memória cheia de gratidão da passagem do Senhor na nossa vida” que “nos convidou a apostar n’Ele e pelo seu povo”.

A gratidão “é sempre uma arma poderosa”. Só se formos capazes de contemplar e agradecer por todos os gestos de amor, generosidade, solidariedade e confiança, bem como de perdão, paciência, suportação e compaixão com que fomos tratados, é que deixaremos o Espírito obsequiar-nos com aquele ar puro capaz de renovar (e não remendar) a nossa vida e missão”.

Francisco agradece aos irmãos sacerdotes “pela fidelidade aos compromissos assumidos”. É “muito significativo” - observa – que numa sociedade e numa cultura que transformou o “gasoso” em valor, a existência de pessoas que apostem na felicidade de doar a vida.

Agradece pela celebração diária da Eucaristia e pelo ministério do sacramento da Reconciliação, vivido “sem rigorismos, nem laxismos”, ocupando-se das pessoas e “acompanhando-as no caminho da conversão”.

Agradece pelo anúncio do Evangelho “feito a todos com ardor”: “Obrigado por todas as vezes que, ao deixarem-se comover por dentro, acolheram os que caíram, curaram as suas feridas… Nada é mais urgente do que isto: proximidade, vizinhança, ficar próximo da carne do irmão que sofre”.

O coração do pastor – afirma Francisco – é aquele que “aprendeu o gosto espiritual de se sentir um só com o seu povo, que não esquece que saiu dele… com estilo de vida austero e simples, sem aceitar privilégios que não têm sabor de Evangelho”. Mas o Papa agradece e convida a agradecer também “pela santidade do Povo fiel de Deus”, manifestada “nos pais que criam seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham para levar o pão para casa, nos doentes, nas religiosas idosas que continuam a sorrir”.

Coragem 

A terceira palavra é “coragem”. O Papa quer encorajar os sacerdotes: “A missão à qual fomos chamados não significa que devemos ser imunes ao sofrimento, à dor e até mesmo à incompreensão, ao contrário, pede-nos para os enfrentar e assumir a fim de deixar que o Senhor os transforme e nos configure mais a Ele”.

Um bom teste para saber como se encontra o coração do pastor – escreve Francisco – “é interrogar-se sobre, como como enfrenta a dor”. De facto, às vezes pode acontecer, comporta-se como o levita ou o sacerdote da parábola do Bom Samaritano, que ignora o homem caído no chão, outras vezes aproxima-se da dor intelectualizando, e refugiando-se em frases comuns (“a vida é assim, não se pode fazer nada”) terminando por dar espaço ao fatalismo. “Ou então aproxima-se com um olhar de preferência seletiva gerando apenas isolamento e exclusão”.

O Papa adverte também o que Bernanos definiu como o “elixir mais precioso do demónio”, isto é, “a tristeza adocicada que os padres do Oriente chamavam acédia. A tristeza que paralisa a coragem de continuar no trabalho, na oração”, que “torna estéril todas as tentativas de transformação e conversão, propagando ressentimento e aversão”.

Francisco convida a pedir “ao Espírito Santo que venha despertar-nos”, para “dar uma sacudide na nossa sonolência”, para desafiar a habitualidade e “deixarmo-nos mover pelo que acontece ao nosso redor e pelo clamor da Palavra viva do Ressuscitado”.

“Ao longo da nossa vida, pudemos contemplar que com Jesus Cristo renasce sem cessar a alegria”. Uma alegria, afirma o Pontífice, que “não nasce de esforços voluntariosos ou intelectualistas, mas da confiança de saber que continuam eficazes as palavras de Jesus a Pedro”.

Na oração – explica o Papa – “experimentamos aquela nossa bendita precariedade que nos lembra que somos discípulos carecidos do auxilio do Senhor e liberta-nos da tendência prometeuca dos que confiam unicamente nas suas próprias forças”.

A oração do pastor “nutre-se e encarna-se no coração do Povo de Deus. Traz as marcas da alegria e das feridas do seu povo”. Uma confiança que preserva-nos a todos de procurar ou querer respostas fáceis, rápidas ou pré-fabricadas, permitindo ao Senhor ser Ele (e não as nossas receitas e prioridades) a mostrar-nos um caminho de esperança”. Portanto “reconheçamos a nossa fragilidade, sim, mas deixemos que Jesus a transforme e projeteja-nos sempre de novo, para a missão”.

Para manter o coração animado, o Papa observa que não devem ser negligenciadas duas ligações constitutivas da nossa identidade. A primeira com Jesus. É o convite a não esquecer “o acompanhamento espiritual, tendo um irmão com quem falar, confrontar-se, debater e discernir o próprio caminho”.

A segunda ligação é com o povo. “Não se isolem do seu povo e dos presbíteros ou das comunidades. E muito menos não em grupos fechados ou elitistas… um ministro corajoso é um ministro sempre em saída”. O Papa pede aos sacerdotes para “estarem perto dos que sofrem, de estarem sem vergonha perto das misérias humanas e, porque não, vivê-las como próprias para as tornar Eucaristia”. Para serem “artesãos de relação e comunhão, abertos e confiantes e esperançosos da novidade que o Reino de Deus quer suscitar hoje”.

Louvor

A última palavra proposta na carta é “louvor”. É impossível falar de gratidão e encorajamento sem contemplar Maria que “nos ensina o louvor capaz de abrir o olhar para o futuro e devolver a esperança ao presente”. Porque “olhar para Maria é voltar a crer na força revolucionária da ternura e do afeto”.

Por isto – conclui o Papa – “se alguma vez nos sentirmos tentados a isolarmos e fechar-mo-nos em nós mesmos e nos nossos projetos, protegendo-nos dos caminhos sempre poeirentos da história, ou se o lamento, a queixa, a crítica ou a ironias tomam conta das nossas ações sem vontade de lutar, esperar e amar … olhemos a Maria para que purifique os nossos olhos de todos os “ciscos” que nos possa impedir de estarmos atentos e dispertos para contemplar e celebrar Cristo que vive no meio do seu Povo”.

“Irmãos – são as palavras no final da carta – digo mais uma vez, não cesso de dar graças a Deus por todos vós… deixemos que seja a gratidão a suscitar o louvor e que nos encoraje mais uma vez na missão de ungir os nossos irmãos na esperança. A ser homens que testemunhem com a sua vida a compaixão e a misericórdia que só Jesus nos pode dar”.

VN

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