Papa Francisco durante a sua visita à Bolívia
(Vatican Media)
“A Economia de
Francisco” será um grande evento em março de 2020, que se inspira no
Santo de Assis, para procurar novas propostas de organização económica.
Para ajudar à reflexão recordamos aqui as palavras do Papa Francisco na
Bolívia em 2015, num encontro com os Movimentos Populares. Uma densa e
forte intervenção do Santo Padre.
Rui Saraiva – Porto
Em março de 2020 o Papa Francisco vai juntar em Assis estudantes e
empresários de todo o mundo para procurarem em conjunto novas propostas
de organização económica.
“A Economia de Francisco”, é um evento que o Santo Padre há muito
deseja e que, como o disse numa carta aos jovens, ajudará a procurar uma
“economia diferente” que “faz viver e não mata” e “cuida a criação e
não a despreza”.
Nessa mensagem aos jovens, o Santo Padre explica que Assis é o lugar
apropriado para inspirar uma nova economia, pois foi ali que Francisco
despojou-se de toda a mundanidade para escolher a Deus como bússola da
sua vida, tornando-se pobre com os pobres e irmão de todos.
Uma das intervenções mais densas do Papa Francisco sobre a temática
económica ocorreu em julho de 2015 durante a viagem papal à Bolívia
durante o II Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Três palavras
foram o tema desse encontro: teto, terra e trabalho.
Recordamos aqui as palavras do Papa Francisco nessa ocasião, na reportagem da Rádio Vaticano.
Reconhecer para mudar
Foi através de um longo, mas claro discurso, sempre muito aplaudido,
que o Papa Francisco convocou os membros dos movimentos populares para o
reconhecimento da necessidade de mudança mas também para a ação
concreta e decidida para aquilo a que o Santo Padre chamou de “processo
de mudança”.
“Reconhecemos nós que as coisas não andam bem num mundo onde há
tantos camponeses sem terra, tantas famílias sem tecto, tantos
trabalhadores sem direitos, tantas pessoas feridas na sua dignidade?”
“Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando explodem tantas
guerras sem sentido e a violência fratricida se apodera até dos nossos
bairros? Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando o solo, a
água, o ar e todos os seres da criação estão sob ameaça constante?”
“Então digamo-lo sem medo: Precisamos e queremos uma mudança.”
Um processo de mudança
O Papa Francisco afirmou neste ponto do seu discurso que “a
globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres,
deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença.”
No seu discurso o Papa recolhe as suas profundas preocupações para
com o recolhedor de papel, o apanhador de lixo, o artesão, o vendedor
ambulante, o trabalhador irregular, a camponesa, o indígena, o pescador,
o discriminado e o marginalizado.
Afirmando que os mais humildes e explorados podem fazer muito pelos
grandes processos de mudança nacionais, regionais e mundiais, o Santo
Padre, declarou-os como protagonistas e semeadores de mudança:
“Vós sois semeadores de mudança. Aqui, na Bolívia, ouvi uma frase de
que gosto muito: «processo de mudança». A mudança concebida, não como
algo que um dia chegará porque se impôs esta ou aquela opção política ou
porque se estabeleceu esta ou aquela estrutura social. Sabemos,
amargamente, que uma mudança de estruturas, que não seja acompanhada por
uma conversão sincera das atitudes e do coração, acaba a longo ou curto
prazo por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir. Por isso gosto
tanto da imagem do processo, onde a paixão por semear, por regar
serenamente o que outros verão florescer, substitui a ansiedade de
ocupar todos os espaços de poder disponíveis e de ver resultados
imediatos. Cada um de nós é apenas uma parte de um todo complexo e
diversificado interagindo no tempo: povos que lutam por uma afirmação,
por um destino, por viver com dignidade, por «viver bem». “
Economia ao serviço dos povos
O Papa Francisco apontou algumas tarefas para a mudança: a primeira é
pôr a economia ao serviço dos povos. “A economia não deveria ser um
mecanismo de acumulação, mas a condigna administração da casa comum” –
evidenciou o Santo Padre que lembrou as necessidades de educação, de
saúde, de cultura, de desporto e recreação. Afirmou mesmo que esta
economia ao serviço dos povos não é uma utopia ou uma fantasia, mas é
desejável e necessária. “Conheci de perto várias experiências, onde os
trabalhadores, unidos em cooperativas e outras formas de organização
comunitária, conseguiram criar trabalho onde só havia sobras da economia
idólatra. As empresas recuperadas, as feiras francas e as cooperativas
de catadores de papelão são exemplos desta economia popular” – afirmou o
Papa.
Unir os povos no caminho da paz e da justiça
O Papa destacou que os povos do mundo querem ser artífices de seu
próprio destino e nenhum poder constituído tem o direito de privar os
países pobres do pleno exercício da sua soberania e quando o fazem,
"vemos novas formas de colonialismo" que afetam as possibilidades de paz
e de justiça. Em particular, o Papa referiu-se ao colonialismo
ideológico.
Perdão pelos pecados da Igreja na colonização
Neste ponto do seu discurso, o Papa Francisco referiu-se aos “muitos
graves pecados contra os povos nativos da América, cometidos em nome de
Deus”. Ao mesmo tempo, o Santo Padre recordou tantos bispos, sacerdotes e
leigos que pregaram e pregam a boa nova de Jesus e que “muitas vezes”
colocaram-se “ao lado dos povos indígenas”, mesmo até ao martírio.
Defender a Mãe Terra
A cobardia em defender a casa comum, que está sendo saqueada,
devastada e vexada impunemente é um pecado grave, disse o Papa, que
lamentou a falta de resultados nos sucessivos encontros internacionais
sobre o tema. "Não se pode permitir que certos interesses - que são
globais, mas não universais", se imponham, submetendo Estados e
organismos internacionais e continuem a destruir a criação”.
No final do seu discurso e em conclusão das ideias apresentadas, o
Papa Francisco reafirmou que o futuro da humanidade está nas mãos dos
povos:
“O futuro da humanidade não está unicamente nas mãos dos grandes
dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente
nas mãos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e também nas
suas mãos que regem, com humildade e convicção, este processo de
mudança.”
O Encontro de Assis para o qual o Papa convocou estudantes e
empresários de todo o mundo para procurarem em conjunto novas propostas
de organização económica, decorrerá nos dias 26, 27 e 28 de março de
2020. O tema será “A Economia de Francisco”. Uma primeira reunião
preparatória vai acontecer em Florença no próximo dia 24 de setembro.
Portugal conta com dois representantes neste processo que agora se
inicia de preparação do grande evento de Assis. São eles Américo Mendes,
professor associado da Católica Porto Business School e Ricardo Zózimo,
professor da Nova School of Business & Economics.
Laudetur Iesus Christus
VN
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