01 julho, 2019

Santa Sé reitera inviolabilidade do segredo da Confissão

 
 A Penitenciaria Apostólica considera "urgente" recordar a "absoluta
inviolabilidade do sigilo sacramental", fundado no
"direito divino" sem exceções.   (AFP or licensors)
 
Entrevistado pelo Vatican News, o cardeal Mauro Piacenza explica a Nota da Penitenciaria Apostólica sobre a importância do foro interno e a inviolabilidade do sigilo sacramental: "o sacerdote - diz ele - não é o dono da Confissão, mas age em nome de Deus". Que nenhuma "ação política ou iniciativa legislativa" – é enfatizado no texto publicado - force a inviolabilidade do sigilo sacramental.
 
Giada Aquilino - Cidade do Vaticano

Após o Curso sobre o foro interno, o trigésimo, realizado em março passado no Palácio da Chancelaria em Roma, e a audiência do Papa concedida no final do encontro aos mais de 700 participantes, a Penitenciaria Apostólica publicou uma nota sobre a importância do foro interno e a inviolabilidade do sigilo sacramental, aprovada pelo Papa Francisco e assinada pelo Penitenciário-Mor, cardeal Mauro Piacenza, e pelo regente Mons. Krzysztof Nykiel. 

A apresentação do cardeal Piacenza

Na apresentação do documento, o cardeal Piacenza explica como precisamente o Pontífice tenha recordado a natureza sagrada do foro interno, "a esfera íntima da relação entre Deus e os fiéis", nem sempre corretamente entendida e custodiada, até mesmo dentro da própria comunidade eclesial: o Papa – ressalta o purpurado - de facto recomendava o quanto o conceito de foro interno deveria ser “seriamente” levado em consideração, sem ecos "externos", e reafirmando a absoluta inviolabilidade do sigilo sacramental, garantia "indispensável" do Sacramento da Reconciliação. 

Confidencialidade inviolável

A Penitenciaria Apostólica - explica o cardeal – bem conhece o "inestimável valor do segredo sacramental, da confidencialidade, da inviolabilidade da consciência", conceitos que "atualmente parecem ser em grande parte mal interpretados ou até mesmo, em alguns casos, confrontados".

A nota – acrescenta - "toma como ponto de partida" a constatação de que, na sociedade moderna “fortemente midiatizada’”, ao desenvolvimento tecnológico e à implementação dos meios de comunicação não corresponde um "análogo compromisso pela busca da verdade", mas sim o "desejo mórbido de fazer circular as notícias, verdadeiras ou falsas que sejam, ampliadas ou diminuídas de acordo com os interesses". 

Penitente fala com Deus

Neste contexto, há quem gostaria que o ordenamento jurídico da Igreja "se adequasse àquele dos Estados em que ela vive, em nome de uma suposta justiça e transparência".

A Penitenciaria Apostólica considera, portanto, "urgente" - afirma o cardeal - recordar a "absoluta inviolabilidade do sigilo sacramental", fundado no "direito divino", sem exceções.

Por esta razão, é "essencial" insistir na "incomparabilidade entre sigilo confessional e sigilo profissional" observado por médicos, farmacêuticos, advogados. O penitente, de facto – observa o purpurado -  fala "a Deus".

Qualquer "ação política ou iniciativa legislativa" voltada a "forçar" a inviolabilidade do sigilo sacramental constituiria - lê-se na Nota - uma “inaceitável ofensa contra a libertas Ecclesiae", que não recebe a própria legitimidade de Estados individuais, mas precisamente de Deus.   

Proteção das crianças

A nota também trata - destaca a Penitenciária Maior - do âmbito jurídico-moral daqueles "atos de foro interno que ocorrem fora do sacramento da Penitência", aos quais o Direito Canónico garante um "sigilo especial".

E trata ainda das outras "espécies" de segredo, que ultrapassam o âmbito do foro interno, reafirmando "o princípio do direito natural em custodiar o segredo".

O cardeal Piacenza precisa, ademais,  que o texto da nota "não pode e não quer de forma alguma ser uma justificação ou uma forma de tolerância em relação aos execráveis ​​casos de abusos perpetrados por membros do clero": "nenhum acordo é aceitável no que tange à promoção da proteção de menores e das pessoas vulneráveis ​​e no prevenir e combater toda forma de abuso", como repetidamente reiterado pelo Papa Francisco.

A nota especifica como "a defesa do sigilo sacramental e a santidade da confissão nunca poderão constituir formas de conivência com o mal", sublinhando o como pertence "à estrutura do próprio Sacramento da Reconciliação, como condição para a sua validade, o arrependimento sincero, juntamente com o firme propósito de emendar-se e de não reiterar o mal cometido". 

A entrevista com o cardeal Piacenza

Entrevistado pelo Vatican News, o cardeal Piacenza explica as razões da nota publicada nesta segunda-feira:

R. - Há algum tempo circulam discursos, feitos em determinados ambientes, se o confessor não pode ou até mesmo não teria o dever - eventualmente ouvindo certos pecados do penitente - de denunciar ou obrigar, para poder dar a absolvição, o próprio penitente a auto-acusar-se. Ora, aqui estamos num foro sacramental e num foro sacramental não pode haver nenhuma concessão, porque o sacerdote não é o patrão da Confissão, mas age em nome de Deus: jamais ninguém poderia absolver os pecados, mas é somente Deus quem absolve. Portanto, é uma graça que é dada e que vem diretamente do valor do Preciosíssimo Sangue do Crucificado, na sua imensa misericórdia para com todos os pecadores. No entanto, isto não diminui em nada a gravidade de certos factos. Além disso, na Confissão também há sérios deveres por parte do penitente, porque o penitente deve realmente estar arrependido na matéria da qual ele se confessa, deve ter o firme propósito de não voltar a cometer o crime ou pecado que cometeu. E depois, naturalmente, existe sempre, no colóquio entre o confessor e o penitente, todo um discurso de acompanhamento.

O contexto ao qual o senhor faz referência também está ligado aos casos de abusos sexuais de menores e pessoas vulneráveis ​​por membros do clero?

R. – Também, claro. Aqui, porém, falamos da Confissão - não de outras censuras ou de outras coisas - de foro interno, isto é, a confissão de determinados pecados que também são crimes graves: se existe a confissão, eles enquadram-se num sigilo sacramental que é absolutamente inviolável por parte de todos.

O senhor fazia menção a um certo preconceito negativo em relação à Igreja Católica. Existiria, neste sentido, o desejo de que a Igreja se conformasse às leis civis dos Estados em certos temas?

R. - Às vezes sim, sente-se um pouco uma injustificável intenção de que a Igreja, em alguma matéria, venha a homologar o seu próprio ordenamento jurídico às leis civis dos Estados em que atua, vive, como se essa fosse a única garantia de correção e retidão. Mas a Igreja tem em si a possibilidade de ter toda a seriedade e a retidão possíveis e imagináveis. Isto não incide, obviamente, no facto de que o Estado proceda do seu próprio modo: isto é lógico. E deve-se  colaborar, mas em tudo que não é um foro sacramental.

A nota se atém na absoluta inviolabilidade do sigilo sacramental, sobre o qual também se tem pronunciado o Papa Francisco, como na audiência que concedeu aos participantes do curso de Foro interno. Em particular, do que se trata?

R. – De não assumir uma mentalidade relativista sobre o sigilo sacramental, fazendo de novo referência à base teológica e, portanto, ao próprio facto de que a pessoa que absolve é o próprio Deus. Assim, o sigilo sacramental e a confidencialidade inerente ao foro interno, também essa sacramental, são elementos a serem recordados e aos quais, sobretudo os confessores, devem referir-se continuamente.

Também são mencionados "Foro interno não-sacramental" e "direção espiritual". Do que se trata?

R. - Por exemplo, a direção espiritual, ou a orientação das almas para o discernimento, para saber o que Deus quer de uma alma: esta é uma conversa, e portanto, não faz parte, não é um sacramento evidentemente. Procura-se um sacerdote, pede-se um conselho e, nesse sentido, não é dito que deva ser necessariamente apenas um sacerdote, pode ser uma pessoa pela qual se tem profunda estima pela sua vida de santidade, pela correção de comportamento, a caridade. Portanto, este é um âmbito que é secreto, mas é extra-sacramental, portanto não está sujeito à mesma disciplina de sigilo, porém requer uma particular confidencialidade.

Então, qual é o objetivo que esta nota quer alcançar?

R. - Repassar a clareza de ideias a todos aqueles que são ministros do Sacramento da Confissão e alertar aqueles que abriram algumas brechas em relação a este ponto. E dar sempre maior confiança, também neste tempo, aos penitentes que vêm para confessar e às pessoas que vêm abrir suas almas para receber conselhos. E portanto, numa última análise, ajudar a causa do sacrifício de Cristo, que veio tirar os pecados do mundo.

VN

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