Papa Francisco - conferência de imprensa
(ANSA)
Com os jornalista, no voo de retorno de Marrocos, o Papa Francisco falou do diálogo com os muçulmanos. A declaração sobre Jerusalém foi um passo em frente dado por irmãos. Em relação aos migrantes fez um apelo à Europa. O Papa citou Tsipras: os direitos humanos vêm antes dos acordos. Sobre a liberdade de consciência: hoje, em alguns países cristãos, arriscamo-nos a que os médicos que se opõem à eutanásia sejam privados dessa liberdade.
Siham Toufiki, agencia Map: Houve momentos muito fortes, esta visita foi um acontecimento histórico excecional para o povo marroquino. Quais são as consequências desta visita para o futuro, para a paz no mundo, para a convivência no diálogo entre culturas?"
Direi que agora há flores, os frutos virão mais tarde. Mas as flores são promissoras. Estou feliz, porque nestas duas viagens pude falar sobre o que me toca tanto no coração, tanto: a paz, a unidade, a fraternidade. Com os nossos irmãos muçulmanos e muçulmanas, selamos esta fraternidade no documento de Abu Dhabi e aqui no Marrocos todos vimos uma liberdade, uma fraternidade, uma acolhida de todos os irmãos com um respeito muito grande. Esta é uma bela flor de convivência que promete dar frutos. Não devemos desistir! É verdade que ainda haverá dificuldades, muitas dificuldades porque, infelizmente, existem grupos intransigentes. Mas gostaria de dizer isto claramente: em cada religião há sempre um grupo integralista que não quer ir em frente e vive de recordações amargas, das lutas do passado, procurando mais a guerra e também semeando o medo. Vimos que é mais bonito semear a esperança, andar de mãos dadas sempre em frente. Vimos, também no diálogo com vocês aqui no Marrocos, que são necessárias pontes e sentimos dor quando vemos pessoas que preferem construir muros. Por que sentimos dor? Porque aqueles que constroem os muros acabarão presos pelos muros que construíram. Mas aqueles que constroem pontes vão muito avante. Para mim, construir pontes é algo que vai quase além do humano, exige muito esforço. Sempre me tocou muito uma frase do romance de Ivo Andrich, "A Ponte sobre a Drina": ele diz que a ponte é feita por Deus com as asas dos anjos para que os homens se comuniquem... para que os homens possam se comunicar. A ponte é para comunicação humana. E isto é bonito e eu vi isso aqui no Marrocos. Em vez disso, os muros são contra a comunicação, são a favor do isolamento e aqueles que os constroem tornar-se-ão prisioneiros. Não se vêem os frutos, mas vêem-se muitas flores que darão frutos, por isso vamos continuar assim".
Nadia Hammouchi, TV 2M: O senhor encontrou-se com o rei de
Marrocos e com o seu desejo de diálogo. O que é preciso, na prática,
para reforçar o diálogo?
"Sempre que há um diálogo fraterno, há uma relação em vários níveis.
Permitam-me uma imagem: o diálogo não pode ser de laboratório, deve ser
humano, e se é humano é com a mente, o coração e as mãos, e assim são
assinados acordos. Por exemplo, o apelo comum sobre Jerusalém foi um
passo avante dado, não por uma autoridade do Marrocos e por uma
autoridade do Vaticano, mas por irmãos crentes que sofrem ao verem que
esta cidade da esperança ainda não é tão universal como todos nós
queremos que seja: judeus, muçulmanos e cristãos. Todos nós queremos
isto. E por isso assinamos este desejo: é um desejo, um chamado à
fraternidade religiosa que é simbolizada nesta cidade que é toda nossa.
Todos somos cidadãos de Jerusalém, todos os crentes”.
Nicolas Seneze, La Croix: Ontem, o rei de Marrocos disse que
protegerá os judeus marroquinos e os cristãos de outros países que vivem em Marrocos. Faço a seguinte pergunta sobre os muçulmanos que se
convertem ao cristianismo: o senhor está preocupado com estes homens e
mulheres que correm o risco de serem presos ou condenados à morte
noutros países muçulmanos? Outra pergunta sobre o Cardeal Barbarin: Esta
semana, os conselhos da diocese de Lyon votaram quase unanimemente a
favor de uma solução duradoura para a sua saída. É possível para o
senhor, que é muito ligado à sinodalidade da Igreja, escutar este apelo
de uma diocese em situação tão difícil?
"Posso dizer que no Marrocos há liberdade de culto, há liberdade
religiosa, há liberdade de pertença religiosa, a liberdade sempre se
desenvolve cresce, pensemos em nós, cristãos, 300 anos atrás se havia
essa liberdade que temos hoje. A fé cresce na consciência da capacidade
de compreender si mesmo. Um monge francês, Vincenzo De Lerino, do século
oitavo-nono, cunhou uma bela expressão para explicar como se pode
crescer na fé, explicar melhor as coisas, crescer na moral, mas sempre
permanecendo fiel às raízes. Ele disse três palavras, mas que marcam o
caminho: ele diz que crescer na explicação e na consciência da fé e da
moral é preciso consolidá-la ao longo dos anos, expandidos no tempo, mas
é a mesma fé que é sublimada ao longo dos anos. Assim se entende por
exemplo que hoje retiramos do Catecismo da Igreja Católica a pena de
morte - há 300 anos queimavam os hereges vivos - porque a Igreja
acentuou na consciência moral o respeito pela pessoa e a liberdade de
culto também cresce, também nós devemos continuar a crescer, há pessoas
católicas que não aceitam o que o Vaticano II disse sobre a liberdade de
culto, a liberdade de consciência, há pessoas que não aceitam
católicos, nós também temos este problema, mas também os irmãos
muçulmanos crescem na consciência e alguns países não compreendem bem ou
não crescem tão bem como outros, no Marrocos há este crescimento. Neste
quadro há o problema da conversão: alguns países ainda não a vêem, não
sei se é proibida, mas a prática é proibida. Outros países como o
Marrocos não criam problema, são mais abertos e mais respeitosos,
procuram um certo modo de proceder com discrição. Outros países com os
quais falei dizem: não temos problemas, mas preferimos que o batismo
eles façam fora do país e retornem cristãos. Preocupa-me outra coisa: a
retrocessão nossa, cristãos, quando tiramos a liberdade de consciência,
pense você, nos médicos e nas instituições hospitalares cristãs que não
têm o direito de objeção de consciência, por exemplo, à eutanásia. A
Igreja foi para a frente e vocês, países cristãos, foram para trás?
Pensem nisto porque é uma verdade. Hoje nós, cristãos, corremos o perigo
que alguns governos nos tirem a liberdade de consciência que é o
primeiro passo para a liberdade de culto. A resposta não é fácil, mas
não acusemos os muçulmanos, devemos nos acusar, a nós, nestes países
onde isto acontece. Devemos ter vergonha”.
"Então, sobre o cardeal Barbarin, ele, um homem da Igreja, pediu
demissão, mas eu não posso moralmente aceitá-la porque, juridicamente,
mas também na jurisprudência mundial clássica, há a presunção de
inocência durante o tempo em que a causa está aberta. Ele apelou e a
causa está aberta. Depois, quando o segundo tribunal dá a sentença,
vemos o que acontece. Mas tem sempre a presunção de inocência. Isto é
importante porque vai contra a superficial condenação dos meios de
comunicação social. O que diz a jurisprudência mundial? Que, se um caso
está aberto, existe a presunção de inocência. Talvez não seja inocente,
mas há a presunção. Uma vez falei de um caso na Espanha sobre como a
condenação dos meios de comunicação social arruinou a vida de sacerdotes
que foram depois reconhecidos inocentes. Antes de fazer a condenação
mediática, pensar duas vezes. E ele escolheu honestamente, mas não, eu
me retiro, peço uma licença voluntária e deixo ao Vigário Geral
administrar a arquidiocese até que o tribunal dê a sentença final".
Cristina Cabrejas, agência Efe: No discurso de ontem às
autoridades, o senhor disse que o fenômeno migratório não se resolve com
barreiras físicas, mas aqui no Marrocos a Espanha construiu duas
barreiras com lâminas para cortar aqueles que querem superá-las. O
senhor conheceu algum deles em qualquer encontro. E o Presidente Trump
nestes dias disse que quer fechar completamente as fronteiras e também
suspender a ajuda a três países da América Central. O que o senhor
gostaria de dizer para estes governantes, para estes políticos que ainda
defendem estas decisões
"Em primeiro lugar, o que eu disse há pouco: os construtores de
muros, sejam de lâminas que cortam como facas ou de tijolos,
tornar-se-ão prisioneiros dos muros que fazem. Primeiro... o que a
história dirá? Em segundo lugar, Jordi Evole quando me entrevistou,
mostrou-me um pedaço desse fio com as facas. Digo-lhe sinceramente que
fiquei comovido e depois quando ele foi embora, chorei. Chorei porque
não entra na minha cabeça e no meu coração tanta crueldade. Não entra na
minha cabeça e no meu coração ver afogar-se no Mediterrâneo… esta não é
a forma de resolver o grave problema da imigração, que eu entendo: um
governo, com este problema tem “uma batata quente” nas mãos, mas deve
resolvê-lo, de outra forma, humanamente. Quando eu vi aquele fio, com
facas, eu não podia acreditar. Uma vez que eu tive a oportunidade de ver
um filme da prisão de refugiados que retornam, que são enviados de
volta. Prisões não oficiais, prisões de traficantes. Se você quiser, eu
posso mandá-lo a você. Eles fazem sofrer, fazem sofrer. As mulheres e
crianças são vendidas, os homens ficam. E as torturas que você vê no
filme são inacreditáveis. Era um filme feito em segredo. Eu não os deixo
entrar: é verdade porque não tenho lugar, mas há outros países, há a
humanidade da União Europeia. Toda a União Europeia tem de falar. Não os
deixo entrar, ou os deixo afogar ali, ou os mando embora sabendo que
tantos deles vão cair nas mãos destes traficantes que vão vender as
mulheres e as crianças, matarão ou torturarão para fazer escravos os
homens. Isto está filmado, está à disposição de vocês. Uma vez que falei
com um governante, um homem que eu respeito e direi "o nome, Alexis
Tsipras. e falando sobre isso e dos acordos de não deixar entrar, ele me
explicou as dificuldades, mas no final ele me falou com o coração e
disse esta frase: "os direitos humanos vêm antes dos acordos". Esta
frase merece o Prêmio Nobel.
Michal Werner Schramm, Ard Roma: O senhor há muitos anos combate
para proteger e ajudar os migrantes, como fez nos últimos dias no
Marrocos. A política europeia vai exactamente na direcção oposta. A
Europa torna-se como bastão contra os migrantes. Esta política reflete a
opinião dos eleitores. A maioria desses eleitores é cristã-católica. O
senhor como se sente com esta triste situação?
"Vejo que muitas pessoas de boa vontade, não só católicos, mas
pessoas boas, de boa vontade são um pouco tomadas pelo medo que é a
pregação habitual do populismo, o medo. O medo é semeado e depois as
decisões são tomadas. O medo é o início das ditaduras. Vamos para o
século passado, para a queda da República de Weimar, repito isto muitas
vezes. A Alemanha precisava de uma saída e, com promessas e medos foi
avante Hitler, conhecemos o resultado, conhecemos o resultado.
Aprendemos com a história, isso não é novo: semear medo é fazer uma
coleta de crueldade, de fechamentos e até mesmo de esterilidade. Pensem
no inverno demográfico da Europa. Também nós que vivemos na Itália temos
abaixo de zero. Pensem na falta de memória histórica: a Europa foi
feita por migrações e esta é a sua riqueza. Pesemos na generosidade de
muitos países, que hoje batem à porta da Europa, com os migrantes
europeus a partir de 84, os dois pós-guerra, em massa, a América do
Norte, a América Central, a América do Sul. O meu pai foi lá depois da
guerra e foi acolhido. Um pouco de gratidão... É verdade, para ser
compreensivos, que o primeiro trabalho que temos de fazer é tentar
assegurar que as pessoas que migram por causa da guerra ou da fome não
tenham essa necessidade. Se uma Europa tão generosa vende armas ao Iêmen
para matar crianças, como faz a Europa a ser coerente. E digo que isto é
um exemplo, mas a Europa vende armas. Depois há o problema da fome e da
sede. Se a Europa quer ser a mãe Europa e não a avó Europa, tem de
investir, tem de tentar inteligentemente ajudar a levantar através da
educação, através dos investimentos, e isto não é meu, disse a Chanceler
Merkel. É algo que ela leva avante: impedir a emigração não com a
força, mas com a generosidade, os investimento educativos e econômico,
etc., e isto é muito importante. Segundo, sobre como agir, é verdade que
um país não pode receber todos, mas há toda a Europa para distribuir os
migrantes, há toda a Europa. Porque a acolhida deve ser com o coração
aberto, depois acompanhar, promover e integrar. Se um país não pode
integrar, deve pensar imediatamente em falar com outros países: você
quantos pode integrar, para dar às pessoas uma vida digna. Outro exemplo
que vivi na minha pele no tempo das ditaduras é a Operação Condor em
Buenos Aires, na América Latina, na Argentina, Chile e Uruguai. Foi a
Suécia que recebeu com uma generosidade impressionante.Aprendiam
imediatamente a língua à custa do Estado, encontraram trabalho,
encontraram um lar. Agora você sente, a Suécia, um pouco com dificuldade
na integração, mas diz isso e pede ajuda. Quando lá estive no ano
passado, o primeiro-ministro deu-me as boas-vindas, mas na cerimônia de
despedida foi uma ministra, uma jovem ministra que penso era a da
Educação, era um pouco acastanhada porque era filha de uma sueca e de um
migrante africano: tão integrada no país que eu dou como exemplo, a
Suécia. Mas para isso é preciso generosidade, é preciso continuar, mas
com os muros ficaremos fechados nestes muros"
Cristiana Caricato, Tv2000: O senhor tem medo do risco que as
ditaduras podem gerar. Ainda hoje um ministro italiano, em referência à
conferência de Verona, disse que mais do que a família, é preciso ter
medo do Islã. Estamos em risco de ditadura? E depois uma curiosidade: o
senhor com frequência denuncia a ação do diabo, o fez no recente
encontro sobre a protecção dos menores. Que podemos nós fazer para
combate-lo, especialmente no que se refere aos escândalos da pedofilia?
“Um jornal, depois do meu discurso no final do encontro sobre a
proteção dos menores, disse: "O Papa foi inteligente, primeiro disse que
a pedofilia é um problema mundial, depois disse algo sobre a Igreja, no
final lavou as mãos e culpou o diabo. Um pouco simplista, não é? Um
filósofo francês, nos anos 70, fez uma distinção que me deu muita luz.
Ele disse: para entender uma situação é preciso dar todas as explicações
e depois procurar os significados. O que significa socialmente? O que
significa pessoalmente ou religiosamente? Eu tento dar todas e também as
medidas das explicações. Mas há um ponto que não se pode compreender
sem o mistério do mal. Pense na pornografia infantil virtual. Houve dois
encontros, pesados, em Roma e Abu Dhabi. Pergunto-me por que se tornou
algo do cotidiano? Porque - estou falando de estatísticas sérias - se
você quer ver abuso sexual de crianças ao vivo, pode se conectar à
pornografia infantil virtual, eles mostram. Eu não minto. Eu me
pergunto, os responsáveis não podem fazer nada? Nós na igreja faremos de
tudo para acabar com esta chaga, faremos de tudo. Eu naquele discurso,
dei medidas concretas. Já existiam, antes do encontro, quando os
presidentes da conferência me deram a lista que dei a todos. As pessoas
responsáveis por essas sujeiras, são inocentes? Aqueles que ganham
dinheiro com isto? Em Buenos Aires, com duas autoridades da cidade,
fizemos uma portaria, uma disposição não vinculativa para hotéis de
luxo, que dizia "coloque na recepção deste hotel, não se permitem
relações com menores". Ninguém quis colocá-la. Não, mas você sabe, não
se pode, parece que estamos sujos, você sabe que nós não fazemos isso,
mas sem o anúncio. Um governo não consegue identificar onde fazem estes
filmes com as crianças? Todos filmes ao vivo. Para dizer que o flagelo
mundial é grande, mas também que não se pode entendê-lo sem o espírito
do mal, é um problema real. Para resolver isto, há duas publicações que
recomendo: um artigo de Gianni Valente no Vaticano Insider onde ele fala
dos donatistas. O perigo que a Igreja hoje corre de se tornar donatista
ao fazer prescrições humanas, esquecendo as outras dimensões. Oração, a
penitência, que não estamos habituados a fazer. Ambos! Porque para
vencer o espírito do mal não é 'lavar-se as mãos', dizer 'o diabo faz
isso', não. Também nós temos de lutar com o diabo, com as coisas
humanas. A outra publicação foi feita pela “Civiltà Cattolica”. Eu tinha
escrito um livro, em 1987, as cartas da tribulação, eram as cartas do
Padre Geral jesuíta quando a companhia estava prestes a ser dissolvida.
Fiz um prólogo, estudaram essas cartas, e estudaram as cartas que fiz ao
episcopado chileno e ao povo chileno. Como agir com isso, as duas
partes, a parte científica contra a parte espiritual. O mesmo foi feito
com os bispos dos Estados Unidos, as propostas eram demasiadas
metodológicas, sem vontade, a dimensão espiritual foi negligenciada.
Gostaria de dizer o seguinte: a Igreja não é congregacionalista, é
católica, onde o bispo deve pegar pela mão e o Papa também deve pegar
pela mão como pastor. Mas como? Com medidas disciplinares e também com a
penitência, com a oração, com a acusação de si mesmo. Eu ficaria grato
se vocês estudassem as duas coisas: a parte humana e a espiritual.
(Transcrição não oficial realizada por Andrea Tornielli)
VN
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