Aqui, onde ressoa o “sim” dos Pastorinhos
Caríssimos participantes no Encontro Internacional das Equipas de Nossa Senhora e todos vós aqui reunidos em celebração eucarística:
Ouvimos a Palavra de Deus e retemos a indicação de Cristo, tão direta como talvez surpreendente ainda: «Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu». Respondia deste modo aos discípulos que lhe tinham perguntado: «Quem é o maior no Reino do Céu?»
À luz deste diálogo devemos reencontrar-nos também a nós. Mais precisamente a vida familiar e os sentimentos de humildade e disponibilidade em que ela tem de assentar, como tudo o que respeita ao Reino do Céu.
«- Quem é o maior?», perguntaram eles. O Senhor respondeu-lhes com o contrário do que esperariam, indicando a infância espiritual, retomando no espírito o que já fomos em idade. Significa simplicidade e confiança; significa filiação, transparência e prontidão.
Com sentimentos assim, damos espaço a Deus para reinar em nós e nas nossas vidas. Acedemos até ao modo divino de ser, pois o próprio Deus é descentração de si na relação com o outro: o Pai no Filho e o Filho no Pai, em Espírito de mútua doação. O Espírito que une também os casais e as famílias pelo vínculo matrimonial.
No Reino do Céu, que é o mundo de Deus, só poderemos estar como crianças, como filhos, como o próprio Jesus diante do Pai. Do Pai, a quem podemos chamar “Abbá” (Rm 8, 15), termo que exprime intimidade e inteira confiança entre um filho e o seu pai. É a nossa condição batismal, de filhos no Filho e só assim plenamente filhos de Deus e no seu Reino. Também é esta a condição da fraternidade, pois um só é o nosso Pai comum, Aquele que está no Céu (cf. Mt 23, 9). Na parábola do Filho pródigo, que nos inspirou nestes dias, o irmão mais velho não aprendera a ser filho daquele pai, pois não lhe herdara a compaixão. Por isso não se alegrou com o regresso do irmão. Melhor aprendera este, que continuara a confiar no coração do pai. E assim pôde haver reencontro e festa, sinal do Reino a que Jesus nos chama. Jesus, o nosso verdadeiro “irmão mais velho”, que, ao contrário do da parábola, nos vem buscar e reconduzir à casa paterna.
Com Cristo e em Cristo aprendemos a ser filhos de Deus, como crianças entregues ao seu amor. E a transbordá-lo aos outros, na espontaneidade do bem, que só na partilha se usufrui. De Cristo aprendemos o “Pai nosso”, simples de recitar mas sempre para cumprir. Porque o “Venha a nós o vosso Reino” só acontece na partilha do pão e da vida, na reconciliação plena e constante.
Olhemos os Pastorinhos de Fátima. Reparemos como foram sensíveis e imediatos diante dos sinais do Reino. A Mãe de Cristo envolveu-os num clarão do Céu, que os deslumbrou. Fê-los entrever por instantes o seu contrário. Atraiu-os por fim ao seu Coração Imaculado – aí mesmo, onde a vontade de Deus se cumpre, tudo se reencontra e o mundo se salva. Para que os Pastorinhos o sentissem assim e também por eles o Reino acontecesse.
Sabemos o que sucedeu depois: O decidido “sim” dos Pastorinhos, no seguimento do próprio “faça-se em mim” com que Maria respondeu ao Anjo da Anunciação (cf. Lc 1, 38). É este “sim” que as Equipas de Nossa Senhora querem reproduzir no dia-a-dia de cada casal, de cada família. E por isso pedem aos Pastorinhos a candura e a firmeza do mesmo sentimento e entrega.
Disse Jesus aos primeiros discípulos, como agora a nós: «Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não» (Mt 5, 37). Assim há de ser connosco, diante de Deus e dos homens, da família de cada um à sociedade de todos. Reparemos que as crianças raramente dizem “talvez”. Também nisto as devermos imitar, e especialmente aos Pastorinhos de Fátima cujo sim foi imediato e definitivo ao que a Mãe do Céu lhes pediu.
Também no vosso caso é disto mesmo que se trata, na vivência matrimonial cristã que felizmente testemunhais. O “sim” que dissestes diante de Deus e da Igreja, o “sim” que vos sustenta como casal e família, participa do “sim” do próprio Cristo ao Pai e do “sim” de Maria à vontade de Deus.
Em crianças, também fostes naturalmente assim, confiantes e aderentes a quem vos protegeu os primeiros passos. Assim haveis de continuar sobrenaturalmente agora, no Espírito que vos sustenta a união conjugal e familiar. Espírito que vos precede, acompanha e até excede, numa vida cada vez mais divina. Como garante a Segunda Carta de Pedro, referindo como Deus vos concede tudo o que necessitais para que «vos torneis participantes da natureza divina» (2 Pe 1, 4).
É neste Espírito filial e unitivo, persistente e triunfante por graça de Deus, que reside a espiritualidade matrimonial propriamente dita, como a define o Papa Francisco na Amoris Laetitia, em frases como estas: «Tanto a pastoral pré-matrimonial como a matrimonial devem ser, antes de mais nada, uma pastoral do vínculo, na qual se ofereçam elementos que ajudem quer a amadurecer o amor quer a superar os momentos duros» (nº 211). E também: «Em suma, a espiritualidade matrimonial é uma espiritualidade do vínculo habitado pelo amor divino» (nº 315).
É ainda o Papa Francisco que vos dá indicações concretas e de boa prática cristã para que tal aconteça sempre e mais. Recomendo-vos muito especialmente o quarto capítulo da Amoris Laetitia, quando aplica à vida conjugal e familiar o magnífico hino que São Paulo entoa à caridade, na Primeira Carta aos Coríntios. Cito este passo, de particular importância nas relações conjugais e familiares: «Fomos envolvidos por um amor prévio a qualquer obra nossa, que sempre dá uma nova oportunidade, promove e incentiva. Se aceitamos que o amor de Deus é incondicional, que o carinho do Pai não se deve comprar nem pagar, então poderemos amar sem limites, perdoar aos outros, ainda que tenham sido injustos para connosco» (nº 108). Liga-se muito bem à reflexão destes dias sobre a parábola do filho pródigo e a alegria do reencontro com o pai. Liga-se agora e sempre ao dia-a-dia da família de cada um, como escola da família de Deus, que é a Igreja (cf. Ef 2, 19): da Igreja doméstica à Igreja de nós todos, como “família de famílias” (nº 202).
Mais recentemente, na exortação apostólica Gaudete et Exsultate, o Papa recorda-nos que a vocação à santidade é comum a todos os cristãos e aos vários estados de vida. Assim na vida das famílias, em que a atenção aos outros há de ser prioritária e constante. Tecendo considerações como estas, tão justas como belas: «Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa […]. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade “ao pé da porta”, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus…» (nº 7).
Caríssimos casais das Equipas de Nossa Senhora: É esta a vossa vocação e missão. Serdes uns para os outros e também na sociedade e na Igreja testemunhas fiéis e felizes da santidade matrimonial. Da sua possibilidade efetiva, com a graça divina, que vos é concedida. - Dou graças a Deus por vos fazer quem sois, dou graças a Deus por tudo o que fazeis entre nós!
E assim sereis, sempre e cada vez mais, na confiança inteira que tendes em Deus, retomando a infância espiritual que vos define como seus filhos. Neste lugar repleto da presença de Maria, Mãe da Igreja e Rainha da Família. Aqui, onde ressoa o “sim” dos Pastorinhos.
Fátima, 21 de julho de 2018
+ Manuel Clemente
Patriarcado de Lisboa
Sem comentários:
Enviar um comentário