14 fevereiro, 2018

Dar ao jejum o seu verdadeiro sentido

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No exercício da penitência e da volta ao Senhor, caminhamos para o dia da salvação que o Senhor já nos concede hoje  (ANSA)

A Quarta-feira de Cinzas marca o início da Quaresma, tempo forte de oração e penitência e que contará com um Dia de Oração e Jejum pela Paz convocado pelo Papa Francisco. Mas, qual é o verdadeiro sentido do jejum? Quem nos explica é o padre Paulo de Souza OSB.
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Jackson Erpen – Cidade do Vaticano

Nesta Quarta-feira de Cinzas tem início o Tempo da Quaresma, período de quarenta dias que precedem a Semana Santa e a Páscoa, em que os cristãos buscam uma maior conversão espiritual, por meio do jejum, da penitência e da oração, também para recordar os 40 dias passados por Jesus no deserto e os sofrimentos por Ele suportados na Cruz.

Este período também será marcado pelo Dia de Jejum e Oração pela Paz convocado pelo Papa Francisco para 23 de fevereiro, sexta-feira da Primeira Semana de Quaresma.

Mas o verdadeiro sentido do jejum, vai bem além do simples abster-se de algo material, como nos explica o padre Paulo de Souza OSB, monge beneditino do Mosteiro de São Geraldo de São Paulo, Brasil.

O Santo Padre pede-nos jejum e oração. Não é tanto pelo facto de estarmos na Quaresma, mas porque o mundo está necessitado de uma volta a Deus, doando-nos no espírito e no corpo, com tudo aquilo que somos e que temos, a esta dimensão espiritual da nossa vida, que é a nosso comunhão com Deus, nosso Pai e nosso redentor no seu Filho Jesus Cristo.

Onde está a raiz do jejum e da oração que caracterizam este Tempo de Quaresma e de certa forma - como diz o meu padroeiro São Bento - toda a nossa vida, porque eu não posso pensar no meu retorno ao Nosso Senhor apenas 40 dias por ano. Mas em toda a minha caminhada de peregrinação, como os 40 anos que os nossos irmãos israelitas passaram no deserto, no calor, à noite no frio, porque no deserto à noite faz frio.

Então naquela penitência tremenda de 40 anos, eles caminharam rumo à Terra Prometida e nós, no exercício da penitência e da volta ao Senhor, caminhamos pressurosos para o dia da salvação que o Senhor já nos concede hoje, porque está presente aqui na nossa vida, Ele está no meio de nós, dando-nos todas as garantias de que a nossa caminhada é segura, porque é feita na sua presença, de seu amor e da sua misericórdia.

Mas tenhamos cuidado, muito cuidado irmãos. Como é que a Igreja começa na Quarta-feira de Cinzas? A sua meditação e a sua reflexão a respeito do jejum? Cuidado! Será que é apenas abstermo-nos do nosso pão material? Será que é apenas deixar de comer? Será que é apenas um exercício ascético, como muitas vezes fazemos até nas nossas dietas corporais? Ou será que vai muito para além do que um simples exercício de abstinência, de comer menos, e de beber menos, como nós estamos habituados a fazer?

Pensemos um pouquinho mais e demos ao jejum o seu verdadeiro sentido. Vamo-nos abster, com certeza, porém com que espírito? Vamos jejuar, com certeza, porém com que espírito?

A Igreja, na Quarta-feira de Cinzas, e depois repetindo na Sexta-feira, de modo especial para todas as pessoas consagradas, proclama um trecho incrível do Profeta Isaías, que nós gostaríamos de dar a conhecer a todos. Prestemos atenção:

Isaías 58

"Clama em alta voz, sem constrangimento; faz soar a tua voz como a corneta. Denuncia ao meu povo as suas faltas, e à casa de Jacó os seus pecados.

Sem dúvida eles procuram-me dia após dia, desejam conhecer o comportamento que me agrada, como uma nação que tivesse praticando sempre a justiça, sem abandonar a lei de seu Deus. Informam-se junto a mim sobre as exigências da justiça, desejam a presença de Deus.

De que serve jejuar, se com isto não vos importais? E mortificar-nos, se nisso não prestais atenção? É que no dia de vosso jejum, só cuidais de vossos negócios, e oprimis todos os vossos operários.

Passais o vosso jejum em disputas e altercações, ferindo com o punho o pobre. Não é jejuando assim que fareis chegar lá acima vossa voz.

O jejum que me agrada porventura consiste no homem mortificar-se por um dia? Curvar a cabeça como um junco, deitar-se sobre o saco e a cinza? Podeis chamar a isso um jejum, um dia agradável ao Senhor?

Sabeis qual é o jejum que eu aprecio? - diz o Senhor Deus: É romper as cadeias injustas, desatar as cordas do jugo, mandar embora livres os oprimidos, e quebrar toda espécie de jugo.

É repartir o seu alimento com o esfaimado, dar abrigo aos infelizes sem asilo, vestir os maltrapilhos, em vez de desviar-se do seu semelhante.

Então a tua luz surgirá como a aurora, e as tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se; a tua justiça caminhará diante de ti, e a glória do Senhor seguirá na tua retaguarda.

Então, às tuas invocações, o Senhor responderá, e aos teus gritos dirá: Eis-me aqui! Se expulsares da tua casa, toda a opressão, os gestos malévolos e as más conversações;

se deres do teu pão ao faminto, se alimentares os pobres, a tua luz levantar-se-á na escuridão, e a tua noite resplandecerá como o dia pleno.

O Senhor te guiará constantemente, alimentar-te-á no árido deserto, renovará o teu vigor. Serás como um jardim bem irrigado, como uma fonte de águas inesgotáveis.

Reerguerás as ruínas antigas, reedificarás sobre os alicerces seculares; chamar-te-ão o reparador de brechas, o restaurador das moradias em ruínas.

Se te abstiveres de calcar aos pés o sábado, de cuidar dos teus negócios no dia que me é consagrado, se achares o sábado como um dia maravilhoso, se achares respeitável o dia consagrado ao Senhor, se tu o venerares não seguindo os teus caminhos, não te entregando às tuas ocupações e às conversações,

então encontrarás a tua felicidade no Senhor: eu te farei galgar as alturas da terra, e gozar a herança de Jacó, teu pai; porque a boca do Senhor falou."

 Amigos e irmãos, isto é Palavra do Senhor! (Isaías cap. 58).

Então repensemos. Façamos de faco o nosso jejum, façamos a nossa abstinência, façamos o nosso sacrifício, façamos tudo aquilo que é necessário para pensar muito mais no espírito do que no corpo.

E no entanto façamos na ótica do amor de Deus, na ótica de uma verdadeira conversão, ou seja, olhando para o nosso irmão necessitado.

De que serve jejuar, de que serve fazermos muitas e muitas asceses, se nós não usamos - como diz o próprio Senhor Jesus - de misericórdia, de compaixão, e de piedade para com o nosso irmão que está necessitado?

Por isso, que a nossa conversão seja de facto um movimento de retorno ao Senhor e o retorno se faz pelo amor, mas o amor é um gesto concreto, e é por isto que a Igreja faz Campanha de Fraternidade, para pensarmos no nosso irmão, muito mais que em nós mesmos.

Nós não vamos fazer dieta, nós não vamos fazer simplesmente um exercício corporal que beneficia a nós mesmos. Nós estaremos a pensar no corpo da Igreja, em todos aqueles que connosco participam neste movimento de conversão e de volta ao Senhor.

O jejum será portanto realizado naquela ótica de Jesus, que nos ama infinitamente, que dá a sua vida por nós, que dá a última gota de seu sangue, porque quer ver a nossa redenção, quer ver o nosso retorno ao Pai no Reino celeste.

Vamos irmãos, vamos jejuar, vamo-nos abster, daquilo que não é necessário para o nosso corpo, e  alimentar-nos com a oração constante, com a oração que alimenta a nossa alma, com o mistério do Sacramento da Penitência.

Mais do que isto ainda, com a Santa Eucaristia, alimento que não mata a fome do corpo, mas é alimento que nos sinaliza e  faz-nos penetrar na eternidade de Deus, porque aquele que come deste pão, viverá eternamente.

Amigos e irmãos, Deus nos abençoe, e nos faça sentir este grande desejo, de amar a Ele e de amar todos os nossos irmãos e irmãs com gestos concretos, este é o mandamento do Senhor.

E o apóstolo Paulo diz que quem vive este mandamento, cumpre toda a Lei. E Jesus Cristo, Nosso Senhor, volta a dizer: destes dois mandamentos, "Amar a Deus e ao próximo", depende toda a Lei e os Profetas.

Façamos portanto tudo, voltando-nos para Jesus com todo o amor, do nosso coração, da nossa vida, da nossa alma. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Ouça a reflexão!

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