Naquele
dia saiu de casa de cabeça baixa. Parecia que o mundo estava todo contra ele!
Parecia
que tudo se tinha assanhado para o desprezar, para não permitir que uma simples
boa notícia, uma simples alegria, tocasse a sua vida!
O
emprego já era! Por causa disso mesmo a discussão em casa tinha sido violenta,
e assim, até aquele refúgio que era sempre para si a sua mulher, os seus
filhos, a sua simples casa, parecia-lhe agora também um lugar de martírio, de
caras fechadas, de falta de ternura e entendimento!
Olhou
para o passeio, para a rua, para as pessoas que passavam por ele, e pensou: Mas
para onde raio é que eu vou? Não tenho sítio para onde ir!
Deixou-se
andar por ali, perdido entre os homens, vagueando sem motivo, sem sentido, sem
rumo. Uma tenaz de fogo apertava o seu peito, um peso enorme abatia-se nas suas
costas, uma tristeza profunda tomava conta de si e o desânimo transformava-se
rapidamente em desespero.
“O
que ando eu aqui a fazer? Que sentido tem esta minha vida?”
As
perguntas martelavam-lhe a consciência entorpecida por uma terrível frustração.
E quanto mais se questionava, mais lhe voltava aquela ideia, que ao princípio
lhe gelara o coração, mas que parecia agora ir fazendo sentido. Se não estava
cá a fazer nada, mais valia morrer!
Os
barulhos da rua, os carros a passar, as pessoas a falarem, o ruído da cidade,
incomodavam-no! Precisava sair da rua para pensar um pouco.
Deu
por si a passar em frente de uma igreja. Ele não era homem de Igreja, aliás,
nem sequer era homem de Deus, embora tivesse sido educado catolicamente e
percorrido todos os passos da catequese.
Lembrou-se,
no entanto, que àquela hora ninguém estaria na igreja e por isso seria um bom
sítio para se sentar e pensar um pouco, sem nada nem ninguém para o incomodar.
Entrou
e nem sequer se deteve a olhar para o interior da igreja, mas apenas se sentou
no primeiro banco e, debruçando-se para a frente, ali ficou a pensar.
Quanto
mais analisava a sua vida e pensava no presente e no futuro, mais se tornava
claro que a ideia de pôr fim à vida era o mais acertado e fazia todo o sentido.
Deixou-se
ficar mais um pouco, enquanto a ideia ia ganhando força em si, de tal modo que
deixou de ser ideia para se tornar decisão a cumprir.
Tomada
a decisão, veio então ao seu pensamento uma frase: «Tudo está consumado!»
Um
espanto atravessou-o! Já tinha ouvido aquela frase num qualquer sítio, num
qualquer momento importante!
Levantou
os olhos e o seu olhar fixou-se no enorme crucifixo que dominava toda a parte
detrás do altar-mor da igreja. Lembrava-se agora onde tinha ouvido aquela
frase!
Do
pouco que ainda recordava da catequese, essa tinha sido a última frase de Jesus
Cristo antes de morrer na Cruz.
Que
coincidência! No momento em que ele decidia a sua morte, a frase que lhe vinha
ao pensamento era a frase de Jesus Cristo ao morrer!
Ficou
sem reacção e a cabeça voltou a recolher-se entre as suas mãos, sobre os
joelhos.
Foi
então que ouviu distintamente, (juraria em qualquer lugar que assim tinha
ouvido), uma voz que lhe dizia: «Meu filho, morrer antes do tempo de cada um,
só tem sentido se for para morrer pelos amigos!»
Levantou
a cabeça, olhou para todos os lados, mas não viu ninguém.
Em
voz baixa, com um sentimento de que estava a cometer uma loucura, perguntou: O
que é isso de morrer pelos amigos?
Desta
vez pareceu-lhe ouvir a voz no seu coração, o que ainda lhe causou mais
admiração:
«Morrer
pelos amigos é muitas coisas, mas no teu caso é deixares de pensar em ti
próprio, nas tuas “desgraças”, nos teus desânimos, e perceberes que aqueles que
estão à tua volta te amam e que não é por um momento mau, por uma discussão,
que não deixam de te querer e de sentir profundamente a tua falta.»
Deu
por si a responder à voz: Não me parece! Aliás se eu desaparecer tudo se torna
mais fácil!
Mas
a voz insistia: «Pensa um pouco. Com a tua morte constróis alguma coisa? Com a
tua morte o amor vence a amargura e a tristeza? Com a tua morte fica alguém
mais feliz? Sabes bem que não.»
Então
ele respondeu: Sei quem Tu és! Esta voz só pode ser a voz de Jesus Cristo que
ouço no meu coração. Por isso Te pergunto se não morreste Tu também? Não Te
deste à morte também?
A
voz enterneceu-se ainda mais: «Mas meu filho, não fui Eu que causei a minha
própria morte! Mataram-me! Eu dei a vida pelos amigos, dos quais tu fazes
parte. Repara quantos se unem à volta da minha morte e da minha ressurreição?
Não trouxe Eu um bem maior quando morri e ressuscitei?»
Sim,
é certo. Isso é verdade, Mas eu não tenho ninguém!, respondeu.
«Tens-me
a Mim, que dei a vida por ti. Não dês a tua vida à morte! Se queres dar a vida,
dá-a àqueles que te amam e precisam de ti e que em casa te esperam para te
abraçar.»
Duas
grossas lágrimas caíram-lhe pela face.
Levantou-se
decidido a lutar pela vida e dirigiu-se à saída da Igreja.
Mas
antes de sair, voltou-se, fixou a Cruz e disse a meia voz:
Nunca pensei
falar
assim contigo, nem sentir o que sinto. Fico admirado comigo mesmo, e por
isso Te digo que se estás comigo, então já não tenho medo e a vida tem
outro
sentido. Obrigado, Senhor Jesus!
Marinha
Grande, 13 de Março de 2014
Joaquim Mexia Alves
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