Caríssimos irmãos e irmãs,
1.Entramos na Quaresma de 2014, partilhando as alegrias e as
esperanças, as tristezas e as angústias (cf. Gaudium et Spes, 1) de
quantos vivem no Patriarcado de Lisboa.
Não podia ser doutro modo, não só porque a solidariedade o exige, mas
também porque a Quaresma revive sempre o “êxodo” que, do cativeiro à
terra da promessa, libertou um povo que Deus jamais esqueceu.
As práticas deste tempo litúrgico, tradicionalmente repartidas entre
“oração, jejum e esmola”, recordam-nos em linguagem de hoje a conversão
prioritária a Deus, que não trocaremos pelo excesso do consumo e
serviremos no cuidado do próximo. Assim unidas, manifestam-se em Cristo,
na sua permanente ligação ao Pai, cuja vontade era o seu alimento, e no
serviço dos outros, por quem deu inteiramente a vida.
Deus Pai entregou-nos Cristo, que «se fez pobre, para nos enriquecer
com a sua pobreza» (cf. 2 Cor 8, 9), como lembra o Papa Francisco,
intitulando assim a mensagem quaresmal que nos dirigiu. Mensagem que nos
evidencia o “estilo de Deus”, que, em Cristo, se abeirou de todas as
pobrezas da humanidade, no modo mais simples das doações verdadeiras.
A mensagem papal quer-nos exatamente assim, como Cristo foi em
relação a todos, de pobres para pobres, em partilha autêntica. E
quer-nos a nós, os que participamos do Espírito de Cristo, «a ver as
misérias dos irmãos, a tocá-las, a ocupar-nos delas e a trabalhar
concretamente para as aliviar». Material, moral ou espiritual, a miséria
dos outros é o campo aberto da Quaresma que temos, para que, através de
nós, Cristo continue a responder a tantas necessidades que o mundo
apresenta.
2. Neste ponto e nas atuais circunstâncias, temos de ser insistentes e
claros, verdadeiramente “quaresmais”. O Papa Francisco, na exortação
apostólica Evangelii Gaudium, esclarece-o assim, numa passagem que
devemos reter em especial, tanto mais que resume afirmações suas e dos
seus dois antecessores: «Para a Igreja, a opção pelos pobres é mais uma
categoria teológica que cultural, sociológica, política ou filosófica.
Deus manifesta a sua misericórdia antes de mais a eles. Esta preferência
divina tem consequências na vida de fé de todos os cristãos, chamados a
possuírem “os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus” (Fl 2, 5).
Inspirada por tal preferência, a Igreja fez uma opção pelos pobres,
entendida como uma forma especial de primado na prática da caridade
cristã, testemunhada por toda a Tradição da Igreja. […] Por isso desejo
uma Igreja pobre para os pobres» (EG 198).
Como sabemos, o Papa Francisco apresentou-nos a sua exortação
apostólica como um “programa” geral para a Igreja nos próximos tempos,
esperando «que todas as comunidades se esforcem por atuar os meios
necessários para avançar no caminho duma conversão pastoral e
missionária, que não pode deixar as coisas como estão» (EG 25). E o que
seja esta conversão pastoral e missionária esclarece-o mais à frente: «A
reforma das estruturas, que a conversão pastoral exige, só se pode
entender neste sentido: fazer com que todas elas se tornem mais
missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja
mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude
constante de “saída” e, assim, favoreça a resposta positiva de todos
aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade» (EG, 27).
É por nós que a amizade de Cristo chegará aos outros, nos quais Ele
nos espera, aliás. Amizade concreta, que, à maneira do Bom Samaritano,
cuida realmente de cada um, sobretudo dos mais abandonados e excluídos,
em qualquer periferia que seja. E não faltam, decerto, bem perto de nós e
das nossas comunidades. Comecemos ou continuemos então, fazendo desta
Quaresma um momento forte do caminho sinodal que até 2016 mobiliza o
Patriarcado, para cumprir as indicações do Papa Francisco, «no sonho
missionário de chegar a todos» (EG 31).
3. Finalmente, e para concretizar também num gesto coletivo a nossa
exercitação quaresmal, a renúncia que fizermos este ano destina-se a
apoiar a Ajuda de Berço – Associação de Solidariedade Social, no seu
generoso propósito de construir uma Unidade de Cuidados Continuados para
crianças que têm problemas crónicos graves de saúde. Graças à Ajuda de
Berço, muitas mães têm sido ajudadas no sentido de levar por diante a
sua gravidez e também no período pós-natal. Para os casos em que as
crianças precisam de cuidados especiais, urge agora a Unidade a que a
nossa renúncia corresponderá. E é neste caso que em especial
concretizaremos a “opção pelos pobres” a que o Evangelho e o Papa
Francisco tão fortemente nos exortam.
- Convosco e rumo à Páscoa!
Quarta-feira de Cinzas, 5 de março de 2014
† Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa
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