14 agosto, 2018

Catequese III: O grande sonho de Deus

 
 
“Não sabeis que eu devo ocupar-me das coisas que é de meu Pai?” (Lc 2,49): Na realidade, por detrás dessas palavras um tanto enigmáticas, o mistério da Sua Filiação é obscurecida e, nela, a descendência de cada homem, porque todo o filho do homem, mesmo antes de ser tecido no ventre materno, antes mesmo de ser desejado pelos pais (e quantas vezes não desejado porque chegou fora dos programas humanos),  foi sempre cobiçado pelo coração de Deus. 
 
Cidade do Vaticano
 
A nós, portanto, que acreditamos, o Noivo parece-nos sempre Belo. Belo é Deus, Verbo de Deus; Belo no útero da Virgem, onde não perdeu a divindade e assumiu a humanidade; Belo é o Verbo nascido criança, porque enquanto era criança, enquanto sugava o leite, enquanto era carregado nos braços, os céus falaram, os anjos cantavam louvores, a estrela dirigia o caminho dos magos, Ele era adorado no presépio, comida para os mansos. É Belo, portanto, no céu, Belo na terra; Belo no seio, Belo nos braços dos pais: Belo nos milagres, Belo nos suplícios; Belo em convidar para a vida, Belo em não cuidar da morte, Belo ao abandonar a vida e Belo ao retomá-la; Belo na cruz, Belo no sepulcro, Belo no céu. Ouçam o cântico com inteligência, e a fraqueza da carne não distrai os vossos olhos do esplendor da sua beleza. Suprema e verdadeira beleza é a justiça; Não o verás Belo, se o considerares injusto; Se portanto é justo, portanto é Belo. (S. Agostinho, Esposizioni sui Salmi, 44, 3)

Não sabeis que eu devo ocupar-me das coisas que é de meu Pai?” (Lc 2,49): são as únicas palavras que os Evangelhos nos transmitem de Jesus aos 12 anos. Nenhuma outra exclamação ou afirmação ou apenas uma palavra dEle naquela idade. Certamente, estamos diante de uma expressão bastante complexa que, à primeira vista, quase perceberia uma falta de respeito de Jesus para com José e Maria, quase surpreso e indignado, quase surpreso e indignado porque os Seus deveriam saber o motivo da sua permanência no templo de Deus sem dar qualquer aviso.

Na realidade, por derás dessas palavras um tanto enigmáticas, o mistério de Sua Filiação é obscurecida e, nela, a descendência de cada homem, porque todo o filho do homem, mesmo antes de ser tecido no ventre materno, antes mesmo de ser desejado pelos pais (e quantas vezes não desejado porque chegou fora dos programas humanos), foi sempre cobiçado pelo coração de Deus.

Assim, o Papa Francisco afirma com determinação: «Cada criança, que se forma dentro da sua mãe, é um projeto eterno de Deus Pai e do seu amor eterno: “Antes de te haver formado no ventre materno, Eu já te conhecia; antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei” (Jr 1, 5). Cada criança está no coração de Deus desde sempre e, no momento em que é concebida, realiza-se o sonho eterno do Criador. Pensemos quanto vale o embrião, desde que é concebido! É preciso contemplá-lo com este olhar amoroso do Pai, que vê para além de toda a aparência.» (Al 168).

Não somente Jesus, enquanto Filho de Deus, é chamado a ocupar-se das coisas do Seu Pai, mas cada filho, nunca sendo propriedade dos seus pais, pertence ao Pai Celestial, que sempre teve um sonho muito grande e surpreendente a ultrapassar a imaginação e as expectativas dos seus pais terrenos. A questão fundamental, portanto, é esta: qual é o sonho de Deus em cada homem? O que Ele realmente sonha para que cada um dos Seus filhos, possam tornar a sua vida excelente e extraordinária?

Com extraordinário imediatismo e profundidade, São João Paulo II responde a esta pergunta: «O homem não pode viver sem amor. Ele continua a ser um ser incompreensível para si mesmo, a sua vida não tem sentido, se o amor não lhe é revelado, se ele não se encontra com o amor, se não o experimenta e não o torna, se não participa fortemente» (Redemptor hominis 10).

Se fala justamente da revelação do amor, do encontro com o amor, da experiência e também da participação do amor, para significar que mais do que um movimento interior da alma ou um ato de doar-se, o amor revelado, encontrado, experimentado e participado é uma Pessoa concreta, uma Pessoa viva, é o próprio Cristo quem «revelando o mistério do Pai e do seu amor também revela plenamente o homem a si mesmo e mostra-lhe a sua altíssima vocação» (Gaudium et spes 22).

Deus não tem um sonho de amor abstrato ou idílico sobre cada um de nós. No Filho, Naquele que, para espanto de José e Maria, responde que deve ocupar-se das coisas de Seu Pai, o verdadeiro e concreto caminho do amor é revelado. E o amor tem sua própria linguagem específica, tem sua expressão original, tem sua própria maneira de se tornar carne. Qual? A nupcial!

É por isso que o Papa Bento XVI afirma que somente «O matrimónio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e vice-versa: o modo de amar de Deus torna-se a medida do amor humano» (Deus caritas est 11).

Na verdade, existe um «vasto campo semântico da palavra «amor»: fala-se de amor da pátria, amor à profissão, amor entre amigos, amor ao trabalho, amor entre pais e filhos, entre irmãos e familiares, amor ao próximo e amor a Deus. Em toda esta gama de significados, porém, o amor entre o homem e a mulher, no qual concorrem indivisivelmente p corpo e a alma e se abre ao ser humano uma promessa de felicidade que parece irresistível, sobressai como arquétipo de amor por excelência, de tal modo que, comparados com ele, à primeira vista, todos os outros tipos de amor se ofuscam» (Deus caritas est 2).

É o amor nupcial entre homem e mulher que revela a excelência do amor de Deus realizado em Cristo. É uma linguagem que esconde um Mistério verdadeiramente Grande. Pensar apenas que Deus assumiu tal amor para revelar o Seu coração à humanidade é afirmar uma parte da verdade do mistério.

Certamente, lendo toda a Escritura, especialmente os livros proféticos, vemos a frequência com que Deus usa a linguagem nupcial para expressar e revelar a Sua relação única com o povo eleito de Israel. No entanto, antes disso, não apenas cronologicamente, mas também e acima de tudo teologicamente, no mistério divino uma verdade muito maior é obscurecida: Deus não assume o amor nupcial para revelar-se, mas o amor nupcial sempre foi a revelação original do rosto de Deus.

«O casal que ama e gera a vida é a verdadeira «escultura» viva (não a de pedra ou de ouro, que o Decálogo proíbe), capaz de manifestar Deus criador e salvador. […] Sob esta luz, a relação fecunda do casal torna-se uma imagem para descobrir e descrever o mistério de Deus, fundamental na visão cristã da Trindade que, em Deus, contempla o Pai, o Filho e o Espírito de amor. O Deus Trindade é comunhão de amor; e a família, o seu reflexo vivente. […] Este aspeto trinitário do casal encontra uma nova representação na teologia paulina» (Al 11).

Quando o apóstolo Paulo escreve na sua Carta aos Efésios: «Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne. Este mistério é grande – eu digo isto com referência a Cristo e à Igreja!» (Ef 5,31-32), ele afirma que na criação de Adão e Eva, na sua criação para formar uma só carne, Deus pensou sempre no Grande Mistério em referência a Cristo e à Igreja.

Desde a fundação do mundo, mesmo antes de moldar Adão e tirar uma costela de seu lado e cobri-la com carne para criar Eva, Deus olhou para o Seu grande sonho, para o Grande Mistério de Cristo e da Igreja, que hoje nos foi revelado no Filho. Por este motivo, o Papa Francisco afirma com convicção que «querer formar uma família é ter a coragem de fazer parte do sonho de Deus, a coragem de sonhar com Ele, a coragem de construir com Ele, a coragem de unir-se a Ele nesta história» (Al 321).

Tal Mistério Grande não é um ideal ou uma verdade, mas é um evento real com uma forma concreta, a cruz, que ninguém jamais esperou e que, de forma sempre nova e criativa, é continuamente representada na nossa história. Como? Onde? Quando?

«Os esposos são, portanto, o chamamento permanente para a Igreja do que aconteceu sobre a Cruz; são um para o outro, e para os filhos, testemunhas da salvação, do qual o sacramento os torna participantes» (Fc 13 retomou em Al 72).

Tudo isto desmonte o conhecimento generalizado e consciência do Sacramento do Matrimónio enquanto algo superficial e distorcido: isto não pode ser entendido e vivido como «uma convenção social, um rito vazio ou o mero sinal externo dum compromisso. O sacramento é um dom para a santificação e a salvação dos esposos, porque «a sua pertença recíproca é a representação real, através do sinal sacramental, da mesma relação de Cristo com a Igreja» (Al 72).

Uma vez que estamos a falar sobre o Grande Mistério de que palavras humanas nunca poderiam expressar plenamente a profundidade, a amplitude, a altura e a grandeza, o Papa Francisco com uma linguagem mais imediata escreve que «O sacramento não é uma “coisa” nem uma “força”, mas o próprio Cristo, na realidade, “vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio. Fica com eles, dá-lhes a coragem de O seguirem, tomando sobre si a sua cruz, de se levantarem depois das quedas, de se perdoarem mutuamente, de levarem o fardo um do outro”. O matrimónio cristão é um sinal que não só indica quanto Cristo amou a sua Igreja na Aliança selada na Cruz, mas torna presente esse amor na comunhão dos esposos» (Al 73).

O mesmo e idêntico amor de Cristo dado na cruz para a Igreja é o mesmo amor dos cônjuges e vice-versa. Isto cria uma equação extraordinária que faz tremer somente ao pensar nisto. Os esposos, em virtude da graça do Sacramento do Matrimónio, amam-se divinamente, eles amam-se por Deus. Onde Deus alcançou o ápice do Seu amor? «Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigénito» (Jo 13,18).

Os esposos realizam e mostram ao mundo inteiro a loucura desse amor divino. Como o Papa Francisco afirma, «toda a vida em comum dos esposos, toda a rede de relações que hão de tecer entre si, com os seus filhos e com o mundo, estará impregnada e robustecida pela graça do sacramento que brota do mistério da Encarnação e da Páscoa, onde Deus exprimiu todo o seu amor pela humanidade e Se uniu intimamente com ela. Os esposos nunca estarão sós, com as suas próprias forças, a enfrentar os desafios que surgem. São chamados a responder ao dom de Deus com o seu esforço, a sua criatividade, a sua perseverança e a sua luta diária, mas poderão sempre invocar o Espírito Santo que consagrou a sua união, para que a graça recebida se manifeste sem cessar em cada nova situação» (Al 74).

Certamente o amor deles é um «signo imperfeito de amor entre Cristo e a Igreja» (Al 72), e «a analogia entre marido e mulher […] uma analogia imperfeita» (Al 73), porque o Matrimónio, mesmo o mais bem-sucedido, o mais realizado e o mais santo, não pode e nunca deve ser a realização de uma pessoa.

A causa de tantos sofrimentos familiares é exatamente isso: o pensamento generalizado e comum de que o próprio Matrimónio seja a conquista da tão desejada meta final. Não é o amor nupcial com o próprio cônjuge que nos faz realizar a felicidade humana, e não porque não existe um cônjuge que não tenha limites, dificuldades ou fragilidade e, portanto, não seja capaz de responder às grandes expectativas de amor que uma pessoa possa ter.

O Matrimónio nunca é o fim, mas «nas alegrias do seu amor e da sua vida familiar, Ele dá-lhes, já neste mundo, um antegozo do festim das núpcias do Cordeiro» (Al 73). Os esposos são, portanto, destinados não ao matrimónio terreno, mas ao eterno: as núpcias de Cristo Esposo com a Igreja, Sua Esposa.

Ao perder essa orientação fundamental, a aliança matrimonial em si perde o seu significado e sua própria solidez. É o eterno que dá gosto e verdadeiro sabor ao humano, mas sem essa referência tudo se torna insípido e desorientador, causando crises conjugais e familiares generalizadas que hoje não poupam mais ninguém.

O Matrimónio é apenas o aperitivo da felicidade, mas não a própria felicidade. Queres felicidade? Não tentes construir a casa eterna no Matrimónio para encontrá-la. É a verdadeira porta de acesso ao sentimento que conduz a alegria plena, mas parar na porta equivale a nunca participar no eterno banquete nupcial eterno.

Urge, portanto, uma verdadeira e necessária proclamação do Evangelho de Jesus Cristo às 5 famílias, mostrando como «Na encarnação, Ele assume o amor humano, purifica-o, leva-o à plenitude e dá aos esposos, com o seu Espírito, a capacidade de o viver, impregnando toda a sua vida com a fé, a esperança e a caridade. Assim, os cônjuges são de certo modo consagrados e, por meio duma graça própria, edificam o Corpo de Cristo e constituem uma igreja doméstica» (Al 67).

Aqui não se trata de cuidar da dimensão religiosa ou espiritual das famílias, mas de fazê-las experimentar a extraordinária obra redentora que Cristo realiza na nossa humanidade: sem Ele o amor humano nunca existiria e perderia a sua originária beleza.

A comunidade eclesial, portanto, deve necessariamente utilizar o melhor das suas energias para as famílias, porque, se é verdade que «O bem da família é decisivo para o futuro do mundo e da Igreja» (Al 31), da mesma forma «a Igreja, para compreender plenamente o seu mistério, olha para a família cristã, que o manifesta de forma genuína» (Al 67).

Na família, o Grande Mistério de Cristo e da Igreja está em jogo. Noutras palavras, ao salvar a família não só a Igreja se realiza, mas Deus mostra o Seu Rosto ao mundo na carne humana das relações familiares, cumprindo assim o seu grande sonho para a humanidade.

Em Família

Para refletir

1. O Grande Sonho que Deus tem para o homem tem alguma relação com o sonho que o homem tem para si?

2. O Matrimónio não é a felicidade, mas apenas o aperitivo da felicidade. Que consequências concretas essa afirmação tem na vida conjugal e familiar?

Prática

1. «Toda a vida em comum dos cônjuges, toda a rede de relações que tecerão entre eles, com os seus filhos e com o mundo, será impregnada e fortalecida pela graça do sacramento que decorre do mistério da Encarnação e da Páscoa, em que Deus expressou todo o seu amor pela humanidade e intimamente unido a ela. Eles nunca estarão sozinhos com a força deles para enfrentar os desafios que surgem. Eles são chamados a responder ao dom de Deus com o seu compromisso, criatividade, resistência e luta diária, mas podem sempre invocar o Espírito Santo que consagrou a sua união, para que a graça recebida se manifesta novamente em cada nova situação» (Al 72). De que forma o Espírito Santo opera na vossa vida conjugal e familiar?

2. Amar-se de Deus. Amar-se ao divino. Amar-se como Cristo amou a Igreja dando a Sua vida na Cruz. Como tudo isto pode ser realizado?

Na Igreja

Para Refletir  

1. Por que a proclamação do Evangelho do matrimónio e da família tem dificuldade de entrar na pastoral da Igreja?

2. Na família está em jogo o Grande Mistério de Cristo e da Igreja. O que isso significa?

Prática

1. «A Igreja, para entender completamente o seu mistério, olha para a família cristã, que a manifesta de forma genuína» (Al 67). Como é possível realizar tudo isto?

2. Se verdadeiramente «o bem da família é decisivo para o futuro do mundo e da Igreja» (Al 31), como deveria trabalhar a pastoral da Igreja?)

VATICAN NEWS

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