(RV) O "caminho da Igreja" é ir "procurar, sem preconceitos e sem medo, os distantes". É uma das passagens mais fortes da apaixonada homilia do Papa Francisco na Missa, na Basílica de São Pedro, com os 20 novos Cardeais, um dia depois do Consistório. O Papa exortou os purpurados para seguirem Jesus, que abalou a mentalidade "fechada no medo e autolimitadas pelos preconceitos", empenhando-se no serviço aos marginalizados do nosso tempo. E ainda, o Papa advertiu os novos Cardeais da tentação de isolar-se numa casta que, disse, não tem nada de eclesial.
O Santo Padre dedicou a sua longa e articulada homilia à compaixão de
Jesus diante da marginalização e a sua vontade de integração. Inspirado
na Liturgia do dia, o Papa explicou que Jesus se deixa “envolver na dor
e nas necessidades das pessoas”, Jesus tem um coração que “não se
envergonha de ter compaixão”, uma compaixão, voltada a reintegrar o
marginalizado.
Para ilustrar esta marginalização, o Papa Francisco toma como exemplo
o leproso, que pela antiga lei, era “afastado e marginalizado pela
comunidade”, considerado impuro. E o objetivo era “salvar os sãos e
proteger os justos”, marginalizando assim o “perigo” e tratando sem
piedade o contagiado:
“Imaginai quanto sofrimento e quanta vergonha devia sentir, física,
social, psicológica e espiritualmente, um leproso! Não é apenas vítima
da doença, mas sente que é também o culpado, punido pelos seus pecados. É
um morto-vivo, como «se o pai lhe tivesse cuspido na cara». Além disso,
o leproso suscita medo, desprezo, nojo e, por isso, é abandonado pelos
seus familiares, evitado pelas outras pessoas, marginalizado pela
sociedade; mais, a própria sociedade o expulsa e constringe a viver em
lugares afastados dos sãos, exclui-o. E o modo como o faz é tal que, se
um indivíduo são se aproximasse de um leproso seria severamente punido e
com frequência tratado, por sua vez, como leproso”.
Em contraposição à antiga lei, Jesus revoluciona e sacode com força
aquela “mentalidade fechada no medo e autolimitada pelos preconceitos”,
declara a ineficácia da lei do talião, diz que não agrada a Deus a
observância do sábado que despreza o homem e o condena, e não condena a
mulher pecadora, pronta a ser apedrejada. “Jesus revoluciona as
consciências no Sermão da Montanha, abrindo novos horizontes para a
humanidade e revelando plenamente a lógica de Deus, a lógica do amor
baseada na liberdade, na caridade, no zelo saudável e no desejo
salvífico de Deus”:
“Jesus, novo Moisés, quis curar o leproso, quis tocá-lo, quis
reintegrá-lo na comunidade, sem Se «autolimitar» nos preconceitos; sem
Se adequar à mentalidade dominante do povo; sem Se preocupar de modo
algum com o contágio. Jesus responde à súplica do leproso sem demora e
sem os habituais adiamentos para estudar a situação e todas as eventuais
consequências. Para Jesus, o que importa acima de tudo é alcançar e
salvar os afastados, curar as feridas dos doentes, reintegrar a todos na
família de Deus. E isto deixou alguém escandalizado!”
Jesus não tem medo do “escândalo” que suas atitudes possam causar nas
pessoas com esquemas mentais e espirituais fechados. Francisco diz
serem estas duas lógicas de pensamento e de fé: o medo de perder os
salvos e o desejo de salvar os perdidos:
“Hoje, às vezes, também acontece encontrarmo-nos na encruzilhada
destas duas lógicas: a dos doutores da lei, ou seja marginalizar o
perigo afastando a pessoa contagiada, e a lógica de Deus que, com a sua
misericórdia, abraça e acolhe reintegrando e transformando o mal em bem,
a condenação em salvação e a exclusão em anúncio”.
O Santo Padre recorda que as lógicas “marginalizar e reintegrar”
percorrem toda a história da Igreja, e cita Paulo, cuja atividade
missionária escandalizava e encontrava grande resistência e mesmo
hostilidade por parte daqueles que exigiam uma observância incondicional
da lei. “O caminho da Igreja, desde o Concílio de Jerusalém em diante, é
sempre o de Jesus: o caminho da misericórdia e da integração”:
“Isto não significa subestimar os perigos nem fazer entrar os lobos
no rebanho, mas acolher o filho pródigo arrependido; curar com
determinação e coragem as feridas do pecado; arregaçar as mangas em vez
de ficar a olhar passivamente o sofrimento do mundo. O caminho da Igreja
é não condenar eternamente ninguém; derramar a misericórdia de Deus
sobre todas as pessoas que a pedem com coração sincero; o caminho da
Igreja é precisamente sair do próprio recinto para ir à procura dos
afastados nas «periferias» da existência; adotar integralmente a lógica
de Deus; seguir o Mestre, que disse: «Não são os que têm saúde que
precisam de médico, mas os que estão doentes. Não foram os justos que Eu
vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores»”.
Ao curar o leproso – explica o Papa – Jesus não provoca nenhum dano
em quem é são, antes, o livra do mal; não lhe cria perigo, mas lhe dá um
irmão, não despreza a Lei, mas preza o homem, para o qual Deus inspirou
a Lei. De fato, Jesus liberta os sãos da tentação do “irmão mais
velho”:
“A caridade é criativa, encontrando a linguagem certa para comunicar
com todos aqueles que são considerados incuráveis e, portanto,
intocáveis. O contacto é a verdadeira linguagem comunicativa, a mesma
linguagem afectiva que comunicou a cura ao leproso. Quantas curas
podemos realizar e comunicar, aprendendo esta linguagem! Era um leproso e
tornou-se arauto do amor de Deus”.
“Esta é a lógica de Jesus e o caminho da Igreja”, disse o Papa
Francisco dirigindo-se aos Cardeais: “Não só acolher e integrar, com
coragem evangélica, aqueles que batem à nossa porta, mas ir à procura,
sem preconceitos nem medo, dos afastados revelando-lhes gratuitamente
aquilo que gratuitamente recebemos. «Quem diz que permanece em [Cristo],
deve caminhar como Ele caminhou”. E reiterou, que “a disponibilidade
total para servir os outros, é o nosso sinal distintivo, é o nosso único
título de honra”!
Por fim, o Papa invoca a intercessão de Maria, que “sofreu em
primeira pessoa a marginalização devido às calúnias”, para que alcance a
graça de “sermos servos fiéis de Deus” e exortou os novos cardeais:
“Exorto-vos a servir a Igreja de tal maneira que os cristãos –
edificados pelo nosso testemunho – não se sintam tentados a estar com
Jesus, sem quererem estar com os marginalizados, isolando-se numa casta
que nada tem de autenticamente eclesial.
Exorto-vos a servir Jesus crucificado em toda a pessoa marginalizada, seja pelo motivo que for; a ver o Senhor em cada pessoa excluída que tem fome, que tem sede, que não tem com que se cobrir; a ver o Senhor que está presente também naqueles que perderam a fé ou se afastaram da prática da sua fé; o Senhor, que está na cadeia, que está doente, que não tem trabalho, que é perseguido; o Senhor que está no leproso, no corpo ou na alma, que é discriminado. Não descobrimos o Senhor, se não acolhemos de maneira autêntica o marginalizado”.
Exorto-vos a servir Jesus crucificado em toda a pessoa marginalizada, seja pelo motivo que for; a ver o Senhor em cada pessoa excluída que tem fome, que tem sede, que não tem com que se cobrir; a ver o Senhor que está presente também naqueles que perderam a fé ou se afastaram da prática da sua fé; o Senhor, que está na cadeia, que está doente, que não tem trabalho, que é perseguido; o Senhor que está no leproso, no corpo ou na alma, que é discriminado. Não descobrimos o Senhor, se não acolhemos de maneira autêntica o marginalizado”.
O Papa concluiu recordando a imagem de São Francisco que não teve
medo de abraçar o leproso e acolher os que sofrem qualquer tipo de
marginalização: “Verdadeiramente é no evangelho dos marginalizados que
se descobre e revela a nossa credibilidade”. (BS/JE)
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