16 fevereiro, 2019

Editorial: Fome no mundo, superar injustiça que brada aos céus


Cristo, pão da vida

Mesmo diante dos avanços do saber e das conquistas da técnica e da tecnologia, este modelo de desenvolvimento – cuja injustiça brada aos céus – resiste em seu paradigma deixando milhões de seres humanos à margem de tais conquistas e alheios às suas benesses.

Raimundo de Lima - Cidade do Vaticano 

Foi aguardado com grande expectativa e seguido com particular atenção o discurso que o Papa Francisco dirigiu na quinta-feira (14/02) em Roma na sede do Fundo das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) ao Conselho de Governadores do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), agência da Onu.

Uma ocasião de grande interesse para os participantes da 42ª sessão do referido Conselho e não só, igualmente importante para o próprio Pontífice que, como se sabe, tem muito a peito a questão do combate à fome e às desigualdades sociais.  Francisco quis levar àquela sede internacional os anseios e as necessidades da multidão dos nossos irmãos que sofrem no mundo, o clamor e as preocupações dos últimos da terra.

Descrevendo a situação precária em que se encontram, destacou: "Eles vivem em situações precárias: o ar está viciado, os recursos naturais dizimados, os rios poluídos, os solos acidificados; eles não têm água suficiente para si ou para as suas colheitas; as suas infraestruturas de saúde são precárias, as suas casas escassas e defeituosas”.

Francisco acrescentou que estas realidades prolongam-se no tempo, quando, por outro lado, a nossa sociedade alcançou grandes conquistas nas áreas do saber.

“Isto quer dizer – observou – que estamos diante de uma sociedade que é capaz de progredir nos seus propósitos de bem, e vencerá também a batalha contra a fome e a miséria se a propor seriamente.”

Disse ainda que para superar esta situação é preciso a ajuda da comunidade internacional, da sociedade civil e daqueles que possuem recursos.

Sem entrar mais detalhadamente no referido discurso, acrescento apenas que o Santo Padre disse ainda, ser paradoxal que uma boa parte dos mais de 820 milhões dos que sofrem de fome e desnutrição no mundo vive nas áreas rurais e dedica-se à produção de alimentos e essa boa parte é de camponesas.

A este propósito, vale aqui lembrar  que no ano 2000, quando a cifra dos que padeciam da fome no mundo andava em torno de 800 milhões de pessoas, foram estabelecidas as chamadas metas do milénio.

Governos de 191 países do mundo inteiro assumiram na ONU, trabalhar com afinco para reduzir a pobreza a metade da atikngida até 2015. O objetivo, como se constata, não foi alcançado, sendo posteriormente incluído na Agenda de 2030, e mesmo assim, permanece ser um objetivo distante.

A economia global continua a crescer, mas as desigualdades sociais e económicas ainda persistem entre os países e dentro deles, a distância entre ricos e pobres continuando a aumentar, e a desigualdade de rendimentos permanece um desafio socioeconómico dos nossos dias.

Para se ter uma ideia, um estudo da organização não-governamental britânica Oxfam dá-nos conta de que os 8 homens mais ricos do mundo possuem tanta riqueza quanto os 3,6 biliões de pessoas que compõem a metade mais pobre do planeta. Ou seja, 8 bilionários que  juntos têm mais dinheiro do que a metade mais pobre do mundo.

Voltando à visita do Papa à FAO na quinta-feira, sucessivamente ao referido discurso, Francisco dirigiu uma saudação aos funcionários do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola. Após agradecer pelo seu  trabalho ao serviço de uma causa tão nobre do combate à fome e a miséria no mundo, disse que hoje se vê uma desaceleração na redução da pobreza extrema e um aumento da concentração da riqueza nas mãos de poucos. “Poucos têm muito e muitos têm pouco”. “Poucos têm muito e muitos têm pouco – repetiu –, esta é a lógica de hoje”, enfatizou. “Muitos não têm alimento e encontram-se à deriva, enquanto outros se afogam no supérfluo”, arrematou.

Efetivamente, mesmo diante dos avanços do saber e das conquistas da técnica e da tecnologia, este modelo de desenvolvimento – cuja injustiça brada aos céus – resiste no seu paradigma deixando milhões de seres humanos à margem de tais conquistas e alheios às suas benesses.

A título de conclusão, foi apresentado esta semana num evento em Adis-Abeba, capital etíope, um relatório das Nações Unidas com dados estatísticos segundo o qual 257 milhões de pessoas passam fome em África. Proporcionalmente, é mais do que um Brasil e Argentina juntos de mulheres e homens, crianças e idosos a viverem uma situação de fome, necessidade e miséria total.

Quando a Igreja, através dos seus pastores em todos os cantos do mundo, através do alto magistério do Sucessor de Pedro eleva a sua voz em defesa do pobre e do oprimido – que nos dias atuais significa também o migrante, o indígena, o negro, as vítimas do tráfico de pessoas e os excluídos da terra de modo geral –, nada mais faz do que responder ao mandato de Cristo, que veio ao mundo “para que todos tenham vida, e a tenham em abundância”, procurando um mundo mais fraterno, de solidariedade, justiça e paz, em que não falte o pão na mesa de nenhum dos filhos de Deus.

E esta é missão de todos nós, batizados, “discípulos missionários de Jesus Cristo”, para que n’Ele, os povos – em todos as latitudes do mundo – tenham vida.

VN

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