Encontro sobre a "Proteção dos menores na Igreja" em andamento no Vaticano
(Vatican Media)
Cinco vítimas de
abusos sexuais por parte de membros do clero, testemunharam histórias
tristes que marcaram profundamente as suas vidas.
Mariangela Jaguraba - Cidade do Vaticano
Os bispos das Conferências Episcopais, reunidos na Sala Nova do
Sínodo, no Vaticano, no encontro sobre a “Proteção dos menores na
Igreja”, ouviram cinco testemunhos de vítimas de abusos, gravados
previamente, na manhã desta quinta-feira (21/02).
O primeiro testemunho é de um homem da América do Sul
Em primeiro lugar, quero agradecer à Comissão por me permitir falar-vos
hoje e ao Santo Padre, pelo apoio e ajuda que nos deu nos
últimos tempos. Pediram-me para falar sobre a dor que vem do abuso
sexual. Todos sabem que o abuso sexual deixa enormes sequelas a todos.
Portanto, acredito que não vale a pena continuar a falar sobre isto,
pois as consequências são evidentes, em todos os aspetos, e permanecem
por toda a vida.
Gostaria, ao invés, de falar de mim, como católico, do que me
aconteceu e do que eu gostaria de dizer aos bispos. Para um católico, a
coisa mais difícil é conseguir falar de abuso sexual, mas uma vez que toma coragem e começa a contar, falo de mim, a primeira coisa que
eu pensei foi: vou contar tudo para a Santa Mãe Igreja, onde me ouvirão e
me respeitarão. A primeira coisa que fizeram foi tratar-me como um
mentiroso, virar as costas para mim e dizer que eu e outros, éramos
inimigos da Igreja. Este é um esquema que não existe somente no Chile:
existe no mundo inteiro e isso deve acabar. Sei que estão a falar de
como acabar com este fenómeno, como impedir que se verifiquem novamente e
como reparar todo esse mal.
Primeiramente, o perdão falso, o perdão forçado não funciona. As
vítimas precisam de ser acreditadas, respeitadas, cuidadas e curadas. É
preciso curar as vítimas, estar próximo delas e acompanhá-las. Vocês
são os médicos da alma e todavia, com raras exceções,
se transformaram, em alguns casos, em assassinos da alma, em assassinos da
fé. Que contradição terrível! Interrogo-me: o que pensam Jesus e Maria
quando vêem que os seus pastores traem as suas ovelhas? Peço-vos, por
favor, para colaborar com a justiça, que cuidem de modo particular das
vítimas, que o que está a acontecer no Chile, ou seja, o que o Papa está
a fazer no Chile, se repita como modelo noutros países do mundo.
Vemos todos os dias a ponta do iceberg. Não obstante a Igreja afirme
que tudo terminou, continuam emergindo casos: porquê? Porque se você procede
como quando se encontra diante de um cancro: você deve tratar de todo
o cancro, não apenas removê-lo. Portanto, são necessárias a
quimioterapia, a radioterapia. São necessários tratamentos. Não basta
erradicar o cancro e acabou. Peço-lvos para ouvirem o que Santo Padre quer
fazer, não se limitem a consentir com um aceno de cabeça para depois
fazer outra coisa. A única coisa que vos peço, e peço ao Espírito
Santo, é que ajude a restabelecer a confiança na Igreja.
Que aqueles que não querem ouvir o Espírito Santo e que querem
continuar encobrir, que se vão embora da Igreja para deixar espaço aos que
querem criar uma Igreja nova, uma Igreja renovada e uma Igreja
absolutamente livre de abusos sexuais. Confio tudo isto à Virgem e ao
Senhor para que tudo isto se torne uma realidade. Porém, não podemos
continuar com o crime de encobrir o flagelo dos abusos sexuais na Igreja.
Espero que o Senhor e Maria os ilumine e que, de uma vez por todas,
colaboremos com a justiça para erradicar este cancro da Igreja, porque a está a destruir. É itso que o demónio quer. Obrigado.
O segundo testemunho é de uma mulher africana
P. O que mais a feriu na vida?
R. A partir dos 15 anos, tive relações sexuais com um padre.
Isto durou 13 anos. Fiquei grávida três vezes e ele fez-me abortar três
vezes, simplesmente porque não queria usar preservativos ou métodos
contracetivos. No início, eu confiei tanto nele que não pensei que
pudesse abusar de mim. Eu tinha medo dele e todas as vezes que eu me recusava a
ter relações sexuais com ele, batia-me. Como eu era completamente
dependente dele economicamente, sofri todas as humilhações que me
infligia. Tínhamos as relações tanto em casa como no povoado e
também no centro de acolhimento diocesano. Nessa relação eu não tinha o
direito de ter namorado. Todas as vezes que conseguia um, ele, ao a saber, batia-me. Era a condição para que me ajudasse economicamente... Ele dava-me tudo o que eu queria, quando eu aceitava ter relações sexuais, caso
contrário, batia-me.
P. Como enfrentou todas essas feridas e como se sente agora?
R. Sinto que a minha vida foi destruída. Sofri tantas
humilhações nessa relação que não sei o que o futuro reserva para mim.
Isto tornou-me uma pessoa muito prudente agora, nos meus relacionamentos.
P. Que mensagem quer dar aos bispos?
R. É preciso dizer que amar é essencialmente amar
gratuitamente: quando se ama alguém, pensa-se no seu futuro, no seu bem.
Não se pode abusar de uma pessoa desta maneira. É preciso dizer que os
sacerdotes e religiosos têm maneiras de ajudar e ao mesmo tempo também
de destruir. Eles devem comportar-se como responsáveis, como pessoas
prudentes.
P. Muito obrigado. A sua contribuição será muito significativa para o encontro dos bispos. Mais uma vez obrigado.
O terceiro testemunho é de um homem do Leste Europeu
Tenho 53 anos, sou sacerdote religioso. Este ano completo 25 anos de
ordenação. Sou grato a Deus. O que me feriu? Feriu-me o encontro com um
padre. Quando adolescente, depois da conversão, ia ao sacerdote para que
me ensinasse como ler as Escrituras durante a missa, e ele tocava as
minhas partes íntimas. Passei uma noite na sua cama. Isto feriu-me
profundamente. Outra coisa que me feriu foi o bispo ao qual falei,
depois de muitos anos, já adulto, sobre o ocorrido. Fui até ele junto com o
meu provincial.
Primeiro, escrevi uma carta ao bispo, seis meses depois de uma
conversa com um padre. O bispo não me respondeu e depois de seis meses
eu escrevi para o núncio. O núncio reagiu mostrando compreensão. Depois encontrei o bispo e ele atacou-me sem tentar entender-me, e isto feriu-me. De um lado o padre e do outro o bispo que ... O que sinto?
Sinto-me mal, porque nem aquele padre , nem o bispo responderam à minha carta, e já se passaram 8 anos.
O que eu gostaria de dizer aos bispos? Que escutem essas
pessoas, que aprendam a ouvir as pessoas que falam. Eu queria que alguém
me escutasse, que se soubesse quem é aquele homem, aquele padre e o que
faz. Perdoo de coração aquele padre e o bispo. Agradeço a Deus pela
Igreja, sou grato por estar na Igreja. Tenho muitos amigos sacerdotes
que me ajudaram.
O quarto testemunho é de um homem dos Estados Unidos
Agradeço por esta solidariedade para com as vítimas de abusos sexuais
cometidos pelo clero e estou feliz por participar neste projeto.
O que mais me feriu? Quando reflito sobre esta pergunta, penso
novamente na plena tomada de consciência da perda total da inocência da
minha infância e como tenha influído em mim hoje. Ainda há dor nos meus
relacionamentos familiares, ainda há dor nos meus irmãos e irmãs. Ainda
sinto dor pelos meus pais, ainda sinto dor pela disfunção, pela traição,
pela manipulação que esse homem malvado, que na época era o nosso padre
católico, infligiu à minha família e a mim. Isto é o que mais me feriu e
que hoje carrego comigo. Agora eu estou bem, porque encontrei esperança
e cura contando a minha história, partilhando-a com a minha família,
a minha esposa, os meus filhos, a minha família num sentido mais amplo, e os meus
amigos. E visto que como consigo fazê-lo sinto-me melhor comigo mesmo e
consigo ser eu mesmo.
O que eu gostaria de dizer aos bispos? Acho uma ótima pergunta.
Gostaria de pedir aos bispos uma liderança, uma liderança de visão e
coragem. Esta é a minha resposta e isso é o que eu gostaria de ver. Tive
uma experiência pessoal de liderança intensa nesse sentido, e isso me
tocou pessoalmente. Uma das minhas lembranças mais bonitas do cardeal
Francis George foi quando ele falou das dificuldades dos irmãos
sacerdotes que tinham cometido abusos: penso que aquelas palavras ditas
por um homem na sua posição, embora tenha sido muito difícil para ele
pronunciá-las, foram palavras justas e oportunas. Naquele momento,
acreditei que havia uma liderança e acredito que exista também agora.
Pensei: se ele pôde expor-se e tornar-se um exemplo, então eu poderia
fazê-lo também, e outros sobreviventes e outros católicos e fiéis
podem expor-se, a fim de trabalharem por uma solução, trabalhar por uma
cura, por uma Igreja melhor. Precisamos de uma liderança. Peço aos
nossos bispos para que mostrem a sua liderança.
O quinto testemunho é de um homem asiático
Fui molestado sexualmente por muito tempo, e mais de cem vezes, e
essas moléstias sexuais causaram-me traumas e flashbacks para toda a
vida. É difícil viver a vida, é difícil estar com as pessoas, relacionar-se com as pessoas. Eu tive esse comportamento também em relação à
minha família, meus amigos e até mesmo com Deus.
Todas as vezes que falei com os Provinciais e com os Superiores maiores,
eles encobriam regularmente o problema, encobriam os abusadores e isto à
vezes mata-me. Conduzi esta batalha por muito tempo, mas a maior parte
dos Superiores não são capazes de deter os abusadores, por causa da
amizade entre eles.
Peço aos Provinciais, aos Superiores maiores e aos bispos que
participam nesse encontro para tomarem ações severas. Se queremos salvar
a Igreja, acredito que os abusadores devem ser punidos. Peço aos bispos
para tomarem iniciativas muito claras, porque esta é uma das
bombas-relógio da Igreja na Ásia.
Se vocês querem salvar a Igreja, devemos mover-nos e indicar os
autores com nome e sobrenome. Não devemos permitir que as amizades
cubram este tipo de coisas, porque isto destruirá toda uma geração de
crianças. Como Jesus dizia, devemos tornar-nos como crianças, não
molestadores de crianças.
VN
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