"Uma Igreja que persevera na palavra de Jesus e no amor fraterno é agradável ao Senhor e produz fruto", disse o Pontífice na sua homilia.
Abu Dhabi
Na manhã desta terça-feira, 5, o Papa Francisco presidiu a Celebração Eucarística no Zayed Sports City, reunindo a comunidade católica local, formada em grande parte por imigrantes de várias partes do mundo, que chegaram ao país em busca de trabalho. Eis a homilia do Santo Padre na íntegra:
"Felizes: é a palavra com que Jesus começa a sua pregação no
Evangelho de Mateus. E é o refrão que Ele repete hoje, como se quisesse, antes de mais nada, fixar no nosso coração, uma mensagem basilar: se estás
com Jesus, se gostas – como os discípulos de então – de escutar a sua
palavra, se procuras vivê-la cada dia, és feliz. Não serás feliz, mas és
feliz: aqui está a primeira realidade da vida cristã. Esta não aparece
como uma lista de prescrições exteriores para se cumprir, nem como um
conjunto complexo de doutrinas para se conhecer. Primariamente, não é
isto, mas saber que somos, em Jesus, filhos amados do Pai. É viver a
alegria desta bem-aventurança, é compreender a vida como uma história de
amor: a história do amor fiel de Deus, que nunca nos abandona e quer
fazer sempre, comunhão connosco. Eis o motivo da nossa alegria, uma
alegria que nenhuma pessoa no mundo nem nenhuma circunstância da vida
pode tirar-nos. É uma alegria que dá paz mesmo na dor, que já agora nos
faz saborear a felicidade que nos espera para sempre. Amados irmãos e
irmãs, na alegria de vos encontrar, esta é a palavra que vim dizer-vos: Felizes!
Embora Jesus designe felizes os seus discípulos, todavia não deixa de
surpreender o motivo de cada uma das Bem-aventuranças. Neles, vemos uma
inversão do pensar comum, segundo o qual são felizes os ricos, os
poderosos, aqueles que têm sucesso e são aclamados pela multidão. Para
Jesus, ao contrário, felizes são os pobres, os mansos, os que permanecem
justos, mesmo à custa de fazerem má figura, os perseguidos. Quem tem
razão: Jesus ou o mundo? Para compreender, vejamos como viveu Jesus:
pobre de coisas e rico de amor, curou muitas vidas, mas não poupou a
sua. Veio para servir e não para ser servido; ensinou que não é grande
quem tem, mas quem dá. Justo e manso, não opôs resistência e deixou-Se
condenar injustamente. E, assim, Jesus trouxe o amor de Deus ao mundo.
Só assim derrotou a morte, o pecado, o medo e o próprio mundanismo:
unicamente com a força do amor divino. Peçamos hoje, aqui juntos, a
graça de voltar a descobrir o encanto de seguir Jesus, de O imitar, de
nada mais procurar senão a Ele e o seu amor humilde. Com efeito, é na
comunhão com Ele e no amor pelos outros que está o sentido da vida na
terra. Acreditais nisto?
Vim também para vos agradecer pelo modo como viveis o Evangelho que
ouvimos. Diz-se que, entre o Evangelho escrito e o Evangelho vivido há a
mesma diferença que existe entre a música escrita e a música tocada.
Vós aqui conheceis a melodia do Evangelho, e viveis o entusiasmo do seu
ritmo. Formais um coro que engloba uma variedade de nações, línguas e
ritos; uma diversidade que o Espírito Santo ama e quer harmonizar cada
vez mais para fazer uma sinfonia. Esta jubilosa polifonia da fé é um
testemunho que dais a todos e que edifica a Igreja. Impressionou-me
aquilo que uma vez me disse D. Hinder: não só ele se sente vosso Pastor,
mas também vós, com o vosso exemplo, fazeis muitas vezes de pastor para
ele.
Mas, viver como «felizes» e seguir o caminho de Jesus não significa
estar sempre alegres. Quem está aflito, quem padece de injustiças, quem se
prodigaliza como pacificador sabe o que significa sofrer. Com certeza
não é fácil, para vós, viver longe de casa e talvez sentir, além da
falta das afeições mais queridas, a incerteza do futuro. Mas o Senhor é
fiel e não abandona os seus. A propósito, pode ajudar-nos um episódio da
vida do Abade Santo Antão, o grande iniciador do monaquismo no deserto.
Deixara tudo pelo Senhor, e encontrava-se no deserto. Aqui, durante um
bom período de tempo, viveu mergulhado numa áspera luta espiritual que
não lhe dava tréguas, assaltado por dúvidas e obscuridades e ainda pela
tentação de ceder à nostalgia e suspiros pela vida passada. Quando
depois de tanto tormento o Senhor o consolou, Santo Antão perguntou-lhe:
«Onde estáveis? Porque não aparecestes antes para me libertar dos
sofrimentos?» Então ouviu distintamente a resposta de Jesus: «Eu estava
aqui, Antão» (Santo Atanásio, Vita Antonii, 10). O Senhor está
perto. Confrontados com a provação ou um período difícil, pode acontecer, pensar que estamos sozinhos, mesmo depois de termos passado muito tempo
com o Senhor; nesses momentos, porém, ainda que Ele não intervenha
imediatamente, caminha ao nosso lado e, se continuarmos a avançar, o
Senhor abrirá um caminho novo. Pois Ele é especialista em fazer coisas
novas, sabe abrir caminhos mesmo no deserto (cf. Is 43, 19).
Amados irmãos e irmãs, gostaria ainda de vos dizer que viver as
Bem-aventuranças não requer gestos fulgurantes. Olhemos para Jesus: não
deixou nada escrito, não construiu nada de imponente. E, quando nos
disse como viver, não pediu para erguermos grandes obras ou nos
salientarmos realizando feitos extraordinários. Uma única obra de arte,
possível a todos, nos pediu para realizarmos: a da nossa vida. Então as
Bem-aventuranças são um mapa de vida: não pedem ações
sobre-humanas, mas a imitação de Jesus na vida de cada dia. Convidam-nos
a manter puro o coração, a praticar a mansidão e a justiça venha o que
vier, a ser misericordiosos com todos, a viver a aflição unidos a Deus. É
a santidade da vida diária, que não precisa de milagres nem de sinais
extraordinários. As Bem-aventuranças não são para super-homens, mas para
quem enfrenta os desafios e provações de cada dia. Quem as vive à
maneira de Jesus torna puro o mundo. É como uma árvore que, mesmo em
terra árida, diariamente absorve ar poluído e restitui oxigénio. Faço
votos de que sejais assim, bem enraizados em Jesus e prontos a fazer bem
a quem está perto de vós. Que as vossas comunidades sejam oásis de paz.
Por fim, queria deter-me brevemente sobre duas Bem-aventuranças. A primeira: «Felizes os mansos» (Mt
5, 5). Não é feliz quem agride ou subjuga, mas quem mantém o
comportamento de Jesus que nos salvou: manso, mesmo diante dos seus
acusadores. Gosto de citar São Francisco, quando deu instruções aos
frades sobre o modo como se apresentarem dos sarracenos e não-cristãos.
Escreveu ele: «Que não entrassem em lutas nem disputas, mas se
mantivessem sujeitos a toda a criatura humana por amor de Deus e
confessassem que eram cristãos» (Regola non bollata, XVI). Nem lutas nem disputas:
naquele tempo em que muitos partiam revestidos de pesadas armaduras,
São Francisco lembrou que o cristão parte armado apenas com a sua fé
humilde e o seu amor concreto. É importante a mansidão: se vivermos no
mundo à maneira de Deus, tornar-nos-emos canais da sua presença; caso
contrário, não daremos fruto.
A segunda Bem-aventurança: «Felizes os pacificadores» (Mt 5,
9). O cristão promove a paz, a começar pela comunidade onde vive. No
livro do Apocalipse, entre as comunidades a que se dirige o próprio
Jesus, acho que há uma parecida com a vossa: a de Filadélfia. É uma
Igreja à qual o Senhor – ao contrário do que sucede com quase todas as
outras – não censura nada. De facto, ela guardou a palavra de Jesus, sem
renegar o seu nome, e perseverou (isto é, caminhou por diante) mesmo
nas dificuldades. E há um aspeto importante: o termo Filadélfia
significa amor entre os irmãos; o amor fraterno. Então uma Igreja
que persevera na palavra de Jesus e no amor fraterno é agradável ao
Senhor e produz fruto. Para vós, peço a graça de preservar a paz, a
unidade, de cuidarem uns dos outros numa bela fraternidade, onde não haja
cristãos de primeira classe e de segunda.
Jesus, que vos chama «felizes», vos conceda a graça de caminhardes
sempre para diante sem vos desencorajar, crescendo no amor «uns para com
os outros e para com todos» (1 Ts 3, 12)".
VN
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