14 junho, 2014

Homilia de D. José Traquina na peregrinação aniversária ao Santuário de Fátima (13 de Junho)

Luís de Oliveira. Santuário de Fátima


Irmãos e irmãs 

O Santuário de Fátima tem como tema para este mês de Junho uma frase do profeta Habacuc: “Até quando clamarei”. “Até quando, Senhor, pedirei socorro sem que me escutes” (1,2). É assim que começa o livro daquele profeta.
Esta frase aborda a questão do silêncio de Deus perante o sofrimento humano. No silêncio e na solidão de uma experiência de sofrimento, o homem interroga-se “por quê?” e “para quê?”. Muitos, pelo sofrimento, afastaram-se de Deus e outros curiosamente aproximaram-se e descobriram a graça de Deus no meio da desgraça humana.
O sofrimento e a doença, experiência universal do ser humano, contrariam o desejo de viver, ofuscam a beleza da vida e são facilmente interpretados como uma inutilidade. 
Jesus não veio dar respostas às dúvidas sobre o sofrimento, veio antes colocar-se ao lado da pessoa que sofre. Na 1ª Leitura, ouvimos o Profetas Isaías e sabemos como Jesus, na sinagoga de Nazaré, se serviu deste texto para definir a sua vocação e missão: anunciar a boa nova aos infelizes, curar os corações atribulados, proclamar a redenção aos cativos, consolar todos os aflitos.
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O Senhor Jesus considerou os doentes na primeira linha da sua dedicação. “A sua compaixão para com os doentes e as suas numerosas curas de enfermos de toda a espécie são um sinal claro de que ‘Deus visitou o seu Povo’ e de que o reino de Deus está próximo. Jesus tem poder não somente para curar, mas também para perdoar os pecados: veio curar o homem na sua totalidade, alma e corpo. A sua compaixão para com todos os que sofrem vai ao ponto de identificar-se com eles: ‘Estive doente e visitaste-Me’ (Mt 25,36). E finalmente doou a vida, fazendo a experiência do sofrimento e da morte. 
Irmãos e irmãs, a vinda Jesus ao mundo veio trazer uma nova consideração e sentido da vida e uma nova leitura acerca do sofrimento. Com Jesus, o doente deixa de ser um amaldiçoado para ser um querido de Deus. A doença deixa de ser interpretada como um castigo para ser vista como uma oportunidade de revelar a glória de Deus. O doente deixa de ser considerado como fora da comunhão dos familiares para ser considerado o mais amado entre todos. A parábola do bom samaritano revela como Jesus supera todas barreiras culturais para valorizar a atenção ao homem caído no caminho da vida, seja ele quem for. 
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Aos seus dois discípulos desiludidos a caminho de Emaús, Jesus Ressuscitado diz-lhes: “Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para acreditar em tudo o que os profetas tinham anunciado! Não tinha o Messias de sofrer estas coisas para entrar na sua glória?” (Lc 24,25-26). Apesar dos sofrimentos de Jesus terem sido causados pelas forças das trevas, Ele fala dos seus sofrimentos e da morte como necessários para entrar na sua glória. 
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Escreveu o Papa João Paulo II: “Torna-se fonte de alegria o superar o sentimento da inutilidade do sofrimento, sensação que, por vezes, está profundamente arreigada no sofrimento humano; e isto, não só desgasta o homem por dentro, mas parece fazer dele um peso para os outros. O homem sente-se condenado a receber ajuda e assistência da parte dos outros e, ao mesmo tempo, considera-se a si mesmo inútil. A descoberta do sentido salvífico do sofrimento em união com Cristo transforma esta sensação deprimente. A fé na participação nos sofrimentos de Cristo traz consigo a certeza interior de que o homem que sofre «completa o que falta aos sofrimentos do mesmo Cristo», e de que, na dimensão espiritual da obra da Redenção, serve, como Cristo, para a salvação dos seus irmãos e irmãs. Portanto, não só é útil aos outros, mas presta-lhes ainda um serviço insubstituível.” (Salvifici Doloris 27) 
Ou seja, o doente com fé, oferece-se, doa-se, entrega-se. Através do sofrimento e unido a Cristo, ele cumpre uma missão de paz e de salvação. Ainda que dependente de todos, a sua existência não é inútil.
Um dos Sacramentos da Igreja é o Sacramento da Unção dos Enfermos. E é importante a celebração deste sacramento para quando o doente está consciente da sua situação. Através deste Sacramento, o doente recebe consolo, paz e ânimo para vencer as dificuldades próprias da enfermidade. É uma graça do Espírito Santo que renova a confiança e a fé em Deus e leva o doente a sentir-se consagrado e configurado com Cristo sofredor e redentor. 
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Na experiência da celebração do Sacramento da Unção dos Enfermos, não raras vezes damo-nos conta do efeito libertador que o doente experimenta por sentir que o Senhor Jesus está com ele. E muitas vezes trazemos do doente o seu testemunho de alegria e de paz por saber que não é esquecido nem por Cristo nem pela comunidade cristã.
Um cristão no mundo não é uma pessoa com mais sorte ou protegida por qualquer escudo invisível. O cristão, que vive da Fé, isso sim, pode sentir-se um privilegiado pelo dom que tem consigo mas vive da esperança e expressa a sua Fé no amor aos irmãos. Portanto, está sujeito a tribulações e é isso que ouvimos de São Paulo na 2ª Leitura: “Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pai de Misericórdia e Deus de toda a consolação. Ele nos conforta em todas as tribulações, para podermos consolar aqueles que estão atribulados” (2 Cor 1,3)
Temos aqui definida, muito claramente, uma dimensão da nossa vida cristã: Bendizer a Deus, reconhecê-lo como Pai de bondade e misericórdia, receber d’Ele toda a consolação pela Fé em Cristo Ressuscitado e dar testemunho, confortando aqueles que estão atribulados. Ou seja, em todas as circunstâncias viver no Amor de Deus, amando-nos uns aos outros como Jesus nos amou. 
O individualismo, a autonomia pessoal, a luta pela independência, enfim, o desejo de viver sem necessitar de ninguém, é erro de vida e pecado. Na verdade, o homem não foi criado para viver sozinho. O Evangelho ensina-nos a buscarmos a felicidade na dependência de Deus e uns dos outros. “Bem- aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus” (Mt 5, 3). Quem são estes bem-aventurados? São os que não se reconhecem donos de coisa alguma. São os que reconhecem a própria vida como um dom de Deus. São os que não vivem devorados pelo desejo imoderado de possuir. 
Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Não são felizes porque choram mas porque Deus será a sua consolação e essa é a missão de Jesus conforme declara na sinagoga de Nazaré. E quais são os que choram e necessitam de consolação? São os que vivem em profunda solidão, os que não se sentem amados por ninguém, os que são vítimas de injustiças, os que vivem com uma doença incurável, entre outros. 
Nossa Senhora, que sofreu em seu coração o martírio de Cristo, tornou-se também Mãe da Igreja, porque foi constituída mãe de todos os discípulos de seu Filho. Por isso, nós a evocamos como Mãe e recebemos dela a Consolação materna para as nossas muitas situações de sofrimento, de dúvida e de fragilidade.
Conta a Irmã Lúcia nas suas Memórias que na Aparição de 13 de Junho, pediu a Nossa Senhora a cura de um doente. E a resposta foi: “Se se converter, curar-se-á durante o ano”. Ou seja: há uma “cura” e uma consolação para quem crê no Senhor. 
Que Nossa Senhora de Fátima, Mãe da Consolação, a quem confio o ministério episcopal que me é concedido, interceda por todos os doentes, os familiares, voluntários e profissionais de saúde. A dedicação junto dos doentes é muitas vezes interpretada como uma consolação de Deus. Sabemos de muitos e bons testemunhos dessa preciosa dedicação. Tratar de um doente, tem tanto de humano como de sagrado. Nossa Senhora interceda por todos. 
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Fortalecidos pela celebração da Fé, alegres porque o Amor do Senhor “foi derramado em nossos corações”, “envolvidos no amor de Deus pelo mundo”, ao deixarmos este Santuário, sintamo-nos enviados e portadores desta verdade: Deus não desistiu do homem e da mulher, seja qual for a sua debilidade, pelo contrário, conta connosco para sermos suas testemunhas e para promovermos o bem que estiver ao nosso alcance, especialmente a favor das pessoas idosas, doentes e mais frágeis. 
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Em tudo o que fizermos de bem, Deus seja glorificado!

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