(RV) Cidade
do Vaticano- Francisco tornou-se, na tarde deste domingo (17/01), o
terceiro Pontífice a visitar a Sinagoga de Roma. Durante a visita a
Sinagoga (Templo Maior), o Papa recordou a expressão cunhada por São
João Paulo II que, em 1986, disse que os judeus são os "irmãos mais
velhos" dos cristãos. Francisco incentivou todos a seguirem com
perseverança nos empenhos da construção do diálogo judaico-cristão e
recordou os judeus romanos perseguidos deportados durante a invasão
nazista.
Eis, o discurso do Santo Padre:
"Caros irmãos e irmãs,
Sinto-me feliz por estar aqui, entre vós, nesta Sinagoga. Agradeço
pelas palavras cordiais do Dr. Di Segni, a senhora Durighello e o Dr.
Gattegna. Agradeço a todos vós pela calorosa recepção. Tada rabbá!
Obrigado!
Na minha primeira visita a esta Sinagoga, como Bispo de Roma, desejo
expressa-lhes, como também a todas as Comunidades judaicas, a saudação
fraterna de paz desta e de toda a Igreja católica.
As nossas relações me interessam muito. Em Buenos Aires, eu já estava
acostumado a frequentar as sinagogas para encontrar as comunidades lá
reunidas; seguir de perto as festividades e comemorações judaicas; dar
graças ao Senhor, que nos dá a vida e nos acompanha no caminho da
história.
Ao longo do tempo, criou-se uma união espiritual que favoreceu o
nascimento de autênticas relações de amizade, que inspirou um empenho
comum. No diálogo inter-religioso é fundamental encontrar-nos, como
irmãos e irmãs, diante do nosso Criador e a Ele prestar louvor;
respeitar-nos e apreciar-nos mutuamente e colaborar.
No diálogo judeu-cristão há uma ligação única e peculiar em virtude
das raízes judaicas do cristianismo: judeus e cristãos devem, portanto,
sentir-se irmãos, unidos pelo próprio Deus e por um rico patrimônio
espiritual comum (cf. Declaração Nostra aetate, 4) no qual basear-nos e
continuar a construir o futuro.
Ao visitar esta Sinagoga, prossigo nas sendas dos meus Predecessores.
O Papa João Paulo II esteve aqui há trinta anos, em 13 de abril de 198;
Papa Bento XVI esteve entre vós há seis anos atrás, agora estou eu
aqui.
Na sua primeira visita, João Paulo II cunhou a bela expressão “irmãos
mais velhos”! De fato, vocês são os nossos irmãos e as nossas irmãs
mais velhos na fé. Todos nós pertencemos a uma única família, a família
de Deus; juntos, Ele nos acompanha e nos protege como seu Povo; juntos,
como judeus e como católicos, somos chamados a assumir as nossas
responsabilidades por esta cidade, dando a nossa contribuição, também
espiritual, e favorecendo a resolução dos diversos problemas atuais.
Espero que aumentem, sempre mais, a proximidade espiritual, o
conhecimento e a estima recíprocos entre as nossas duas comunidades de
fé. Por isso, é significativa a minha vinda entre no vosso seio,
precisamente hoje, 17 de janeiro, o dia em que a Conferência Episcopal
italiana celebra o “Dia do diálogo entre Católicos e Judeus”.
Comemoramos, há pouco, o 50° aniversário da Declaração Nostra Aetate
do Concílio Vaticano II, que tornou possível o diálogo sistemático entre
a Igreja católica e o Judaísmo.
No passado dia 28 de outubro, na Praça São Pedro, pude saudar também
um grande número de representantes judaicos, aos quais dirigi as
seguintes palavras: “A verdadeira e própria transformação da relação
entre Cristãos e Judeus, durante estes 50 anos, merece uma gratidão
especial a Deus. A indiferença e a oposição se converteram em
colaboração e em benevolência. De inimigos e estranhos, tornamo-nos
amigos e irmãos”.
O Concílio, com a Declaração Nostra Aetate, traçou o caminho: “sim” à
descoberta das raízes judaicas do cristianismo; “não” a toda forma de
antissemitismo e condenação de toda injúria, discriminação e
perseguição, que disso derivam”.
Nostra Aetate definiu, teologicamente, pela primeira vez e de maneira
explícita, as relações da Igreja católica com o Judaísmo. Ela,
naturalmente, não resolveu todas as questões teológicas que nos dizem
respeito, mas fez uma referência encorajador, fornecendo um estímulo
importantíssimo para ulteriores e necessárias reflexões.
A propósito, em 10 de dezembro de 2015, a Comissão para as Relações
religiosas com o Judaísmo publicou um novo documento que aborda as
questões teológicas, emergidas nos últimos decênios, após a Declaração
Nostra Aetate (n. 4).
Com efeito, a dimensão teológica do diálogo judaico-católico merece
ser sempre mais aprofundada. Por isso, encorajo todos aqueles que estão
comprometidos com este diálogo a continuar neste caminho, com
discernimento e perseverança.
Do ponto de vista teológico, aparece sempre claramente a indivisível
ligação que une Cristãos e Judeus. Para se compreenderem, os cristãos
não podem não fazer referência às raízes judaicas; a própria Igreja,
professando a salvação, mediante a fé em Cristo, reconhece a
irrevocabilidade da Antiga Aliança e o amor constante e fiél de Deus por
Israel.
Por mais importante que sejam as questões teológicas, não devemos
perder de vista as situações difíceis, com as quais o mundo de hoje se
defronta. Os conflitos, as guerras, as violências e as injustiças causam
ferimentos profundos na humanidade e nos impelem a comprometer-nos pela
paz e pela justiça. A violência do homem contra o homem está em
absoluta contradição com qualquer religião, digna deste nome e, em
particular, com as três grandes Religiões monoteístas.
A vida é sagrada, como dom de Deus. O quinto mandamento do Decálogo,
diz: “Não matar” (Ex 20,13). Deus, que é Deus da vida, quer sempre
promovê-la e salvaguardá-la. E nós, criados à sua imagem e semelhança,
devemos fazer o mesmo. Todo o ser humano, como criatura de Deus, é
irmão, independentemente da sua origem ou da sua pertença religiosa.
Toda pessoa deve ser vista com benevolência, como faz Deus, que
estende a sua mão misericordiosa a todos, independentemente da sua fé e
da sua proveniência; Ele dispensa atenção particular aos que mais
precisam dele: os pobres, os enfermos, os marginalizados, os indefesos.
Lá, onde a vida corre perigo, somos chamados, por isso, a promovê-la e
a salvaguardá-la. Quanto mais nos sentirmos ameaçados, tanto mais
deveríamos confiar em Deus, que é a nossa defesa e o nosso refúgio (cf.
Sal 3,4; 32,7), procurando fazer resplandecer em nós o seu rosto de paz e
de esperança, sem jamais ceder ao ódio e à vingança. A violência e a
morte jamais terão a última palavra diante de Deus, que é Deus do amor e
da vida!
Devemos invocá-Lo com insistência, para que nos ajude a praticar - na
Europa, na Terra Santa, no Oriente Médio, na África e em qualquer outra
parte do mundo, - não a lógica da guerra, da violência, da morte, mas a
da paz, da reconciliação, do perdão, da vida.
O povo judaico, na sua história, teve que padecer violências e
perseguições, até ao extermínio dos judeus europeus, durante o periodo
da Shoah. Seis milhões de pessoas, apenas por pertencerem ao povo
judaico, foram vítimas da barbárie mais desumana perpetrada em nome de
uma ideologia, que queria substituir Deus com o homem. Em 16 de outubro
de 1943, mais de mil homens, mulheres e crianças da comunidade judaica
de Roma, foram deportados para Auschwitz.
Hoje, quero recordar-lhes de modo particular: os seus sofrimentos,
as suas angústias, as suas lágrimas nunca devem ser esquecidas. O
passado deve servir de lição par o presente e o futuro. A Shoah
ensina-nos que é preciso sempre máxima vigilância, para poder intervir,
tempestivamente, em defesa da dignidade humana e da paz. Queria
expressar a minha solidariedade a cada testemunha da Shoah que ainda
vive; saúdo, de modo particular, aqueles que hoje estão presentes aqui.
Queridos irmãos mais velhos, devemos realmente ser gratos por tudo o
que foi possível realizar nos últimos cinquenta anos, porque aumentaram e
aprofundaram a compreensão recíproca e a mútua confiança e amizade.
Peçamos juntos ao Senhor, a fim de que conduza o nosso caminho rumo a
um futuro bom e melhor. Deus tem para nós projetos de salvação, como
diz o profeta Jeremias: “Conheço os meus projetos sobre vós – oráculo do
Senhor -: são projetos de felicidade e não de sofrimento, para dar-lhes
um futuro e uma esperança” (Jer 29,11).
Que o Senhor nos abençoe e nos guarde. Faça resplandecer sobre nós a
sua face e nos dê a sua graça. Que o Senhor dirija o seu olhar para nós e
nos dê a paz (Num 6,24-26).
Shalom alechem!"
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