«De
coração vos dou as boas-vindas a este encontro anual, em que tenho
oportunidade de vos apresentar os meus votos para o novo ano e reflectir
convosco sobre a situação deste nosso mundo, abençoado e amado por Deus
e todavia atribulado e aflito por tantos males. Agradeço ao novo Decano
do Corpo Diplomático, senhor Armindo Fernandes do Espírito Santo
Vieira, Embaixador de Angola, as amáveis palavras que me dirigiu em nome
de todo o Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé».
Com estas palavras, o Papa Francisco iniciou esta manhã, às 10,30
horas de Roma, na Sala Regia, do Vaticano, o tradcional encontro com o
Corpo Diplomático acreditado na Santa Sé, para dirigir à todos, os votos
de bom anno 2016.
Eis na íntegra, o discurso do Santo Padre:
Aproveito a ocasião também para dirigir uma saudação particular a
quantos participam pela primeira vez neste encontro, notando com
satisfação que, no decurso do ano passado, aumentou ainda mais o número
de Embaixadores residentes em Roma. Trata-se de um sinal importante da
atenção com que a comunidade internacional segue a actividade
diplomática da Santa Sé. E outra prova disso mesmo são os Acordos
internacionais assinados ou ratificados durante o ano findo. Em
particular, desejo mencionar aqui as convenções específicas em matéria
de tributação assinadas com a Itália e os Estados Unidos da América, que
demonstram o crescente empenho da Santa Sé em prol duma maior
transparência nas questões económicas. Não menos importantes, porém, são
os acordos de carácter geral, visando regular aspectos essenciais da
vida e da actividade da Igreja nos diferentes países, como o Acordo
assinado em Díli com a República Democrática de Timor-Leste.
De igual modo, desejo recordar a troca dos Instrumentos de
Ratificação do Acordo com o Chade sobre o estatuto jurídico da Igreja
Católica no país, bem como o Acordo assinado e ratificado com a
Palestina. Trata-se de dois acordos que, juntamente com o Memorando de
Entendimento entre a Secretaria de Estado e o Ministério dos Negócios
Estrangeiros do Kuwait, demonstram, para além do mais, que a convivência
pacífica entre membros de religiões diferentes é possível quando se
reconhece a liberdade religiosa e se assegura uma real possibilidade de
colaborar para a edificação do bem comum, no respeito mútuo da
identidade cultural de cada um.
Aliás toda a experiência religiosa, vivida autenticamente, só pode
promover a paz. Assim no-lo recorda o Natal que há pouco celebrámos,
contemplando o nascimento dum menino indefeso, cujo «nome é: Conselheiro
admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz» (cf. Is 9, 5). O
mistério da Encarnação mostra-nos o verdadeiro rosto de Deus, para quem o
poder não significa força e destruição, mas amor; a justiça não
significa vingança, mas misericórdia. Precisamente nesta perspectiva,
quis proclamar o Jubileu extraordinário da Misericórdia, inaugurado
excepcionalmente em Bangui durante a minha viagem apostólica ao Quénia,
Uganda e República Centro-Africana. Num país longamente atribulado pela
fome, a pobreza e os conflitos, onde a violência fratricida dos últimos
anos deixou feridas profundas nos espíritos, dilacerando a comunidade
nacional e gerando miséria material e moral, a abertura da Porta Santa
da Catedral de Bangui pretendeu ser um sinal de encorajamento para
erguerem o olhar, retomarem o caminho e reencontrarem as razões do
diálogo. Lá onde se abusou do nome de Deus para cometer injustiça, quis
reiterar, juntamente com a comunidade muçulmana da República
Centro-Africana, que «quem afirma crer em Deus deve ser também um homem
ou uma mulher de paz»[1] e, consequentemente, de misericórdia, porque
nunca se pode matar em nome de Deus. Só uma forma ideologizada e
extraviada de religião pode pensar fazer justiça em nome do Omnipotente,
massacrando deliberadamente pessoas indefesas, como aconteceu nos
sanguinários ataques terroristas dos meses passados na África, Europa e
Médio Oriente.
A misericórdia foi, de certo modo, o «fio condutor» que guiou as
minhas viagens apostólicas já no ano passado. Refiro-me, antes de mais
nada, à visita a Sarajevo, cidade profundamente ferida pela guerra nos
Balcãs e capital dum país, a Bósnia-Herzegovina, que se reveste dum
significado especial para a Europa e o mundo inteiro. Como encruzilhada
de culturas, nações e religiões, tem-se esforçado, com resultados
positivos, por construir sem cessar novas pontes, valorizar aquilo que
une e olhar as diferenças como oportunidades de crescimento no respeito
por todos. Isto é possível através dum diálogo paciente e confiante, que
sabe assumir os valores da cultura de cada um e acolher o bem
proveniente das experiências alheias.[2]
Depois, penso na viagem à Bolívia, Equador e Paraguai, onde encontrei
povos que não se rendem diante das dificuldades e, com coragem,
determinação e espírito de fraternidade, enfrentam os numerosos desafios
que os afligem, a começar pela pobreza generalizada e as desigualdades
sociais. Durante a viagem a Cuba e aos Estados Unidos da América, pude
abraçar dois países que, depois de prolongada divisão, decidiram
escrever nova página na história, empreendendo um caminho de
avizinhamento e reconciliação.
Em Filadélfia, por ocasião do Encontro Mundial das Famílias, bem como
durante a viagem ao Sri Lanka e às Filipinas e com o recente Sínodo dos
Bispos, recordei a importância da família, que é a primeira e mais
importante escola de misericórdia, na qual se aprende a descobrir o
rosto amoroso de Deus e onde cresce e se desenvolve a nossa humanidade.
Conhecemos os numerosos desafios que, infelizmente, a família tem de
enfrentar neste tempo em que está «ameaçada pelos crescentes esforços de
alguns em redefinir a própria instituição do matrimónio mediante o
relativismo, a cultura do efémero, a falta de abertura à vida».[3] Hoje
há um medo generalizado à condição definitiva que a família supõe e,
quem o paga, são sobretudo os mais novos, muitas vezes frágeis e
desorientados, e os idosos que acabam por ser esquecidos e abandonados.
Pelo contrário, «da fraternidade vivida na família, nasce a
solidariedade na sociedade»,[4] que nos leva a ser responsáveis uns
pelos outros. Isto só é possível se nas nossas casas, bem como na
sociedade, não deixarmos sedimentar incómodos e ressentimentos, mas
dermos lugar ao diálogo, que é o melhor antídoto contra o individualismo
tão largamente espalhado na cultura do nosso tempo.
Queridos Embaixadores!
Um espírito individualista é terreno fértil para medrar aquele
sentido de indiferença para com o próximo, que leva a tratá-lo como mero
objecto de comércio, que impele a ignorar a humanidade dos outros e
acaba por tornar as pessoas medrosas e cínicas. Porventura não são estes
os sentimentos que muitas vezes nos assaltam à vista dos pobres, dos
marginalizados, dos últimos da sociedade? E são tantos os últimos na
nossa sociedade! Dentre eles, penso sobretudo nos migrantes, com o peso
de dificuldades e tribulações que enfrentam diariamente à procura, por
vezes desesperada, dum lugar onde viver em paz e com dignidade.
Por isso, hoje, queria deter-me a reflectir convosco sobre a grave
emergência migratória que temos estado a enfrentar, para discernir as
suas causas, perspectivar soluções, vencer o medo que inevitavelmente
acompanha um fenómeno assim grande e impressionante, que, durante o ano
de 2015, interessou sobretudo a Europa, mas também várias regiões da
Ásia e o Norte e Centro da América.
«Tem coragem, não tremas, porque o Senhor, teu Deus, estará contigo
para onde quer que fores» (Js 1, 9). É a promessa feita por Deus a
Josué, que mostra como o Senhor acompanha cada pessoa, sobretudo quem
vive numa situação de vulnerabilidade como esta de quem procura refúgio
num país estrangeiro. Na verdade, toda a Bíblia nos conta a história
duma humanidade a caminho, pois é conatural ao homem estar em movimento.
A sua história é feita de muitas migrações, às vezes amadurecidas como
consciência do direito a uma livre escolha, mas frequentemente ditadas
por circunstâncias externas. Do desterro do paraíso terreal até Abraão
em marcha para a terra prometida, da história do Êxodo até à deportação
para Babilónia, a Sagrada Escritura narra incómodos e sofrimentos,
desejos e esperanças, que são comuns aos de centenas de milhares de
pessoas em marcha nos nossos dias, com a mesma determinação de Moisés de
alcançar uma terra onde corra «leite e mel» (cf. Ex 3, 17), onde possam
viver livres e em paz.
E assim, hoje como então, ouvimos o grito de Raquel que chora pelos
seus filhos, que já não existem (cf. Jr 31, 15; Mt 2, 18). É a voz dos
milhares de pessoas que choram enquanto fogem de guerras horríveis, de
perseguições e violações dos direitos humanos, da instabilidade política
ou social, que frequentemente lhes tornam impossível a vida na própria
pátria. É o grito de quantos se vêem constrangidos a fugir para evitar
barbáries indescritíveis contra pessoas indefesas como crianças e
deficientes, ou evitar o martírio por simples filiação religiosa.
Como então, ouvimos a voz de Jacob que – tendo ouvido dizer que havia
trigo à venda no Egipto – diz aos seus filhos: «Ide lá comprá-lo, para
nós continuarmos vivos e não morrermos» (Gn 42, 2). É a voz daqueles que
fogem da miséria extrema, sem possibilidades de alimentar a família ou
ter acesso aos cuidados médicos e à instrução, fogem da degradação sem
perspectivas de qualquer progresso ou mesmo por causa das alterações
climáticas e de condições climáticas extremas. Sabe-se que,
infelizmente, a fome é ainda uma das chagas mais graves do nosso mundo,
com milhões de crianças que morrem anualmente por causa dela. É triste,
porém, constatar que muitas vezes estes migrantes não se enquadram nos
sistemas de protecção baseados nos acordos internacionais.
Como é possível não ver, em tudo isto, o resultado daquela «cultura
do descarte» que põe em perigo a pessoa humana, sacrificando homens e
mulheres aos ídolos do lucro e do consumo? É grave habituar-se a estas
situações de pobreza e necessidade, aos dramas de tantas pessoas,
fazendo com que se tornem «normalidade». As pessoas já não são vistas
como um valor primário a respeitar e tutelar, especialmente se são
pobres ou deficientes, se «ainda não servem» (como os nascituros) ou «já
não servem» (como os idosos). Tornamo-nos insensíveis a qualquer forma
de desperdício, a começar pelo alimentar, que aparece entre os mais
deploráveis, vistas as inúmeras pessoas e famílias que padecem fome e
subalimentação.[5]
A Santa Sé espera que a I Cimeira Humanitária Mundial, convocada
pelas Nações Unidas para o próximo mês de Maio, possa ter sucesso, no
actual quadro sombrio de conflitos e desastres, na sua pretensão de
colocar a pessoa humana e a sua dignidade no coração de cada resposta
humanitária. É preciso um compromisso comum que inverta decididamente a
cultura do descarte e da violação da vida humana, para que ninguém se
sinta negligenciado ou esquecido nem sejam sacrificadas mais vidas pela
falta de recursos e sobretudo de vontade política.
Infelizmente, hoje como então, ouvimos a voz de Judá sugerir que se
venda o próprio irmão (cf. Gn 37, 26-27). É a arrogância dos poderosos
que instrumentalizam os fracos, reduzindo-os a objectos para fins
egoístas ou por cálculos estratégicos e políticos. Onde é impossível uma
migração regular, os migrantes vêem-se muitas vezes forçados a tomar a
opção de se dirigirem a quem pratica o tráfico ou o contrabando de seres
humanos, embora estejam em grande parte cientes do perigo de perder,
durante o percurso, os bens, a dignidade e até mesmo a vida. Nesta
perspectiva, renovo uma vez mais o apelo a deter o tráfico de pessoas,
que mercantiliza os seres humanos, especialmente os mais fracos e
indefesos. Nas nossas mentes e nos nossos corações, permanecerão
indelevelmente gravadas as imagens das crianças mortas no mar, vítimas
dos homens sem escrúpulos e da inclemência da natureza. Depois, quem
sobrevive e chega a um país que o acolhe leva consigo indelevelmente as
cicatrizes profundas destas experiências, além das relacionadas com os
horrores que sempre acompanham guerras e violências.
Como então, também hoje se ouve o Anjo repetir: «Levanta-te, toma o
menino e sua mãe, foge para o Egipto e fica lá até que eu te avise» (Mt
2, 13). É a voz escutada pelos inúmeros migrantes que nunca deixariam o
seu país se, a isso mesmo, não fossem constrangidos. Entre eles, há
numerosos cristãos que, no decurso dos últimos anos, têm abandonado de
forma cada vez mais maciça as suas terras, onde habitaram desde as
origens do cristianismo.
Finalmente, também hoje escutamos a voz do Salmista que repete:
«Junto aos rios de Babilónia nos sentamos a chorar, recordando-nos de
Sião» (Sal 137/136, 1). É o pranto daqueles que de boa vontade
regressariam aos seus países, se lá encontrassem adequadas condições de
segurança e de subsistência. Também aqui penso nos cristãos do Médio
Oriente desejosos de contribuir, como cidadãos de pleno direito, para o
bem-estar espiritual e material das respectivas nações.
Desde há muito tempo que se poderia ter enfrentado grande parte das
causas das migrações; e, deste modo, teria sido possível prevenir tantas
desgraças ou, pelo menos, mitigar as suas consequências mais atrozes. E
hoje, antes que seja tarde demais, muito se pode fazer para impedir as
tragédias e construir a paz. Mas isto significaria pôr em discussão
hábitos e práticas consolidadas, a começar pelas problemáticas
relacionadas com o comércio dos armamentos, até ao problema da
conservação de matérias-primas e energia, aos investimentos, às
políticas de financiamento e apoio ao desenvolvimento, até à grave chaga
da corrupção. Além disso, devemos estar cientes da necessidade que há,
em tema de migração, de estabelecer projectos de médio e longo prazo que
ultrapassem a resposta de emergência; deveriam ajudar realmente à
integração dos migrantes nos países de acolhimento e, ao mesmo tempo,
favorecer o desenvolvimento dos países de origem com políticas
solidárias, mas sem condicionar as ajudas a estratégias e práticas
ideologicamente alheias ou contrárias às culturas dos povos a que se
destinam.
Sem esquecer outras situações dramáticas – nomeadamente a que se vive
na fronteira entre o México e os Estados Unidos da América, que tocarei
ao de leve quando for a Ciudad Juárez no próximo mês –, gostaria de
dedicar um pensamento especial à Europa. Na verdade, ao longo do ano
passado, viu-se afectada por um fluxo impressionante de refugiados
(tendo muitos deles encontrado a morte na tentativa de a alcançar), que
não tem precedentes na sua história recente, nem mesmo no final da II
Guerra Mundial. Muitos migrantes, originários da Ásia e da África, vêem
na Europa um ponto de referência por princípios, como a igualdade
perante a lei, e valores inscritos na própria natureza de cada ser
humano, como a inviolabilidade da dignidade e da igualdade de cada
pessoa, o amor ao próximo sem distinção de origem nem de raça, a
liberdade de consciência e a solidariedade com o seu semelhante.
Todavia estes desembarques maciços nas costas do Velho Continente
parecem fazer vacilar o sistema de acolhimento laboriosamente construído
sobre as cinzas do segundo conflito mundial, que constitui ainda um
farol de humanidade a servir de referência. Perante a imensidão dos
fluxos e os problemas inevitavelmente relacionados, surgiram muitas
dúvidas sobre as reais possibilidades de recepção e adaptação das
pessoas, sobre a mudança do meio cultural e social dos países de
acolhimento, bem como a redefinição de alguns equilíbrios geopolíticos
regionais. Relevantes são igualmente os temores pela segurança,
exacerbados desmedidamente pela difusa ameaça do terrorismo
internacional. A vaga migratória actual parece minar as bases daquele
«espírito humanista» que a Europa ama e defende desde sempre.[6] Mas não
se pode dar ao luxo de perder os valores e os princípios de humanidade,
de respeito pela dignidade de cada pessoa, de subsidiariedade e de
mútua solidariedade, mesmo que, em alguns momentos da história, possam
constituir um fardo difícil de levar. Por isso, desejo reiterar a minha
convicção de que a Europa, ajudada pelo seu grande património cultural e
religioso, possui os instrumentos para defender a centralidade da
pessoa humana e encontrar o justo equilíbrio entre estes dois deveres: o
dever moral de tutelar os direitos dos seus cidadãos e o dever de
garantir a assistência e o acolhimento dos migrantes.[7]
Ao mesmo tempo, sinto a necessidade de exprimir gratidão por todas as
iniciativas tomadas para favorecer uma recepção digna das pessoas,
nomeadamente o Fundo Migrantes e Refugiados do Banco de Desenvolvimento
do Conselho da Europa, e também pelo empenhamento dos países que
demonstraram uma generosa atitude de partilha; refiro-me, antes de mais
nada, às nações vizinhas da Síria, que deram respostas imediatas de
assistência e acolhimento, sobretudo o Líbano, onde os refugiados
constituem um quarto da população total, e a Jordânia, que não fechou as
fronteiras, apesar de abrigar já centenas de milhares de refugiados. De
igual modo, não devemos esquecer os esforços doutros países empenhados
na vanguarda, entre os quais se conta especialmente a Turquia e a
Grécia. Desejo expressar um agradecimento particular à Itália, cujo
decidido empenho salvou muitas vidas no Mediterrâneo e que ainda se
ocupa no seu território dum grande número de refugiados. Espero que o
tradicional sentido de hospitalidade e solidariedade que caracteriza o
povo italiano não fique enfraquecido pelas inevitáveis dificuldades do
momento presente, mas, à luz de sua milenária tradição, seja capaz de
acolher e integrar a contribuição social, económica e cultural que os
migrantes possam prestar.
É importante não deixar sozinhas as nações que, na vanguarda, estão
enfrentando a situação actual de emergência, tornando-se igualmente
indispensável dar início a um diálogo franco e respeitoso entre todos os
países implicados no problema – países de origem, de trânsito ou de
recepção – procurando, com maior audácia criativa, soluções novas e
sustentáveis. Realmente, na actual conjuntura, não se pode pensar em
soluções perseguidas de forma individualista por um Estado, porque as
consequências das opções de cada um recaem inevitavelmente sobre toda a
comunidade internacional. Com efeito, sabe-se que as migrações
constituirão uma pedra angular do futuro do mundo, mais do que o têm
sido até agora, e que as respostas só poderão ser fruto dum trabalho
comum, que respeite a dignidade humana e os direitos das pessoas. A
Agenda de Desenvolvimento, adoptada em Setembro passado pelas Nações
Unidas para os próximos 15 anos, que aborda muitos dos problemas que
impelem à migração, bem como outros documentos da comunidade
internacional visando gerir a questão migratória, poderão encontrar uma
aplicação coerente com as expectativas se souberem colocar a pessoa no
centro das decisões políticas a todos os níveis, olhando a humanidade
como uma única família e os homens como irmãos, no respeito pelas
diferenças e convicções de consciência de cada um.
Com efeito, ao abordar a questão migratória não se poderão
negligenciar as relativas implicações culturais, a começar pelas
relacionadas com a pertença religiosa. O extremismo e o fundamentalismo
encontram terreno fértil não só numa instrumentalização da religião para
fins de poder, mas também no vazio de ideais e na perda de identidade –
inclusive religiosa – que contradistingue dramaticamente o chamado
Ocidente. De tal vazio nasce o medo que impele a ver o outro como um
perigo e um inimigo, a fechar-se em si mesmo, refugiando-se em posições
preconceituosas. Por isso o fenómeno migratório põe um sério
interrogativo cultural, ao qual não nos podemos eximir de responder.
Assim o acolhimento pode ser ocasião propícia para uma nova compreensão e
abertura de horizonte, tanto para quem é acolhido, que tem o dever de
respeitar os valores, as tradições e as leis da comunidade que o acolhe,
como para esta última chamada a valorizar aquilo que cada imigrante
pode oferecer para benefício de toda a comunidade. Neste contexto, a
Santa Sé renova o seu compromisso de estabelecer, em campo ecuménico e
inter-religioso, um diálogo sincero e leal que, valorizando as
peculiaridades e a identidade própria de cada um, favoreça uma
convivência harmoniosa entre todas as componentes sociais.
Ilustres Membros do Corpo Diplomático!
O ano de 2015 viu a conclusão de acordos internacionais importantes,
que permitem olhar com esperança para o futuro. Penso, em primeiro
lugar, no chamado Acordo sobre o nuclear iraniano que espero possa
contribuir para favorecer um clima de desanuviamento na região, bem como
na obtenção do esperado acordo sobre o clima na Conferência de Paris.
Trata-se de um entendimento significativo que representa um resultado
importante para toda a comunidade internacional e evidencia uma forte
tomada de consciência colectiva sobre a grave responsabilidade que cada
um – tanto indivíduos como nações – tem de salvaguardar a criação,
promovendo «uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade».[8]
Naturalmente é fundamental que os compromissos assumidos não representem
apenas um bom propósito, mas constituam para todos os Estados uma real
obrigação de pôr em prática as medidas necessárias para salvaguardar a
nossa amada Terra, em benefício da humanidade inteira, sobretudo das
gerações futuras.
Por sua vez, o ano há pouco iniciado preanuncia-se cheio de desafios,
tendo já assomado ao horizonte não poucas tensões. Penso sobretudo nos
graves contrastes surgidos na região do Golfo Pérsico, bem como na
preocupante experimentação militar realizada na Península Coreana.
Espero que as contraposições dêem lugar à voz da paz e à boa vontade de
procurar acordos. Nesta perspectiva, destaco, com satisfação, a presença
de gestos significativos e particularmente encorajadores; refiro-me em
particular ao clima de pacífica convivência em que se desenrolaram as
recentes eleições na República Centro-Africana, constituindo um sinal
positivo da vontade de prosseguir o caminho rumo a uma plena
reconciliação nacional. Além disso, penso nas novas iniciativas lançadas
em Chipre para resolver uma divisão de longa data e aos esforços
empreendidos pelo povo colombiano para superar os conflitos do passado e
alcançar a tão anelada paz. Além disso todos olhamos com esperança para
os passos importantes empreendidos pela comunidade internacional para
alcançar uma solução política e diplomática da crise na Síria, que ponha
termo aos sofrimentos, demasiado longos, da população. Igualmente
encorajadores são os sinais provenientes da Líbia, que permitem esperar
num renovado compromisso para fazer cessar as violências e reencontrar a
unidade do país. Por outro lado, revela-se cada vez mais claramente que
só uma acção política conjunta e concorde poderá contribuir para conter
a propagação do extremismo e do fundamentalismo, com as suas
consequências de matriz terrorista, que ceifam inumeráveis vítimas quer
na Síria e na Líbia, quer noutros países, como o Iraque e o Iémen.
Que este Ano Santo da Misericórdia seja também uma ocasião de diálogo
e reconciliação, visando a edificação do bem comum no Burundi, na
República Democrática do Congo e no Sudão do Sul. E sobretudo que seja
um tempo propício para pôr definitivamente termo ao conflito nas regiões
orientais da Ucrânia; de importância fundamental é o apoio que a
comunidade internacional, os vários Estados e as organizações
humanitárias poderão oferecer ao país, sob os mais variados pontos de
vista, para que ele supere a crise actual.
Mas o desafio maior de todos que nos espera é o de vencer a
indiferença para juntos construirmos a paz,[9] que permanece um bem a
perseguir sem cessar. E, entre as muitas partes deste nosso amado mundo
que por ela anseiam ardentemente, conta-se, infelizmente, a Terra que
Deus olhou com predilecção e escolheu para mostrar a todos o rosto da
sua misericórdia. A minha esperança é que este novo ano possa curar as
feridas profundas que separam israelitas e palestinenses, permitindo a
convivência pacífica de dois povos, que – tenho a certeza! – do fundo do
coração nada mais pedem senão paz.
Excelências,
Senhoras e Senhores!
A nível diplomático, a Santa Sé não deixará jamais de trabalhar para
que a voz da paz possa ser ouvida até aos últimos confins da terra.
Assim, renovo a plena disponibilidade da Secretaria de Estado para
colaborar convosco na promoção dum diálogo constante entre a Sé
Apostólica e os países que representais em benefício de toda a
comunidade internacional, com a íntima certeza de que este ano jubilar
poderá ser a ocasião propícia para que a fria indiferença de tantos
corações seja vencida pelo calor da misericórdia, dom precioso de Deus,
que transforma o temor em amor e nos torna artesãos de paz. Com estes
sentimentos, renovo a cada um de vós, às vossas famílias, aos vossos
países os votos mais ardentes de um ano cheio de bênçãos.
Obrigado!
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