Foto: Patriarcado de Lisboa |
Cristo que chega, onde a Igreja serve
Chegámos ao Advento e, muito mais do que a um simples tempo litúrgico, aliás belo e sugestivo em quanto nos oferecem a liturgia e a vida eclesial. Sentimo-lo geralmente breve, no andamento em que nos lembra as sucessivas vindas do Senhor Jesus.
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Mas essa mesma brevidade pode e deve acrescer em nós o apelo a mais e
melhor, no que respeita às nossas próprias vidas em estado de
“advento”, como se aclama em cada celebração eucarística, logo a seguir à
consagração: «Anunciamos, Senhor, a vossa morte, proclamamos a vossa
ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!». Ou também: «Quando comemos deste
pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor a vossa morte, esperando a
vossa vinda gloriosa!». E ainda o presidente, logo depois do “Pai
Nosso”: «… para que ajudados pela vossa misericórdia, sejamos sempre
livres do pecado e de toda a perturbação, enquanto esperamos a vinda
gloriosa de Jesus Cristo nosso Salvador».
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Importa este ponto, uma vez que a insistência litúrgica induz-nos a
premência existencial. Podemos dizer até que “cristão” é o que espera
Cristo, definindo-se exatamente nessa espera. Espera que também apressa o
encontro.
Como que se reproduz aqui, espiritualmente, o fenómeno psicológico da
“atenção expectante”, que conhecemos bem. É quando estamos à espera
duma pessoa e, quanto mais demora a chegar, mais julgamos vê-la em quem
entretanto passe e tenha alguma parecença com ela. E não desistimos de
esperar, antes ansiamos pela presença de quem ficou de vir.
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Uma grande poetisa portuguesa traduziu em magníficos versos esta
atitude cristã: «Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio / E
suportar e o tempo mais comprido. / Peço-Te que venhas e me dês a
liberdade, / Que um só dos Teus olhares me purifique e acabe. / Há
muitas coisas que eu não quero ver. / Peço-Te que sejas o presente. /
Peço-Te que inundes tudo. / E que o Teu reino antes do tempo venha / E
se derrame sobre a Terra / Em Primavera feroz precipitado» (Sophia
M.B.A., Chamo-Te, 1950).
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Aquele verso: «Peço-Te que inundes tudo!» é aproximável, em
contraste, com o versículo do Evangelho há pouco escutado, quando Jesus,
lembrando o sucedido nos tempos de Noé, comentava assim: «e não deram
por nada, até que veio o dilúvio, que a todos levou». Nos dois casos,
refere-se algo que certamente advém. Para mal, quando destrói o nosso
habitual descuido. Mas para bem e muito bem, quando corresponde ao nosso
mais autêntico desejo, como acontece em Cristo, alfa e ómega das nossas
vidas inteiras.
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Ainda outro verso do referido poema nos ajuda a compreender como a
revelação cristã corresponde profundamente ao mais humano dos desejos. É
quando diz: «Peço-Te […] que o Teu reino antes do tempo venha!». Tão
coincidente afinal com a petição do Pai Nosso, que devemos levar com a
seriedade duma grande urgência: «Venha a nós o Vosso reino!».
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O Advento, caríssimos irmãos, situa-nos no único lugar cristão, como
expectativa instante e solidária, inteiramente disponível para Quem vem e
nos chama, nisto mesmo apressando a história. Duma ponta à outra da
revelação divina, não há senão chamamento, vocação: da humanidade à
vida, que é convivência com o seu Autor e nunca cortados d’Ele. De
Abraão, de Moisés e dos profetas, para que um povo exemplar se forme, se
refaça e seja verdadeiramente “de Deus”. De Maria, para que tudo
recomece quando tudo parecia ter acabado de vez, sendo Ela a terra
intacta onde nasceria o homem novo. Dos primeiros discípulos e da Igreja
de sempre, fermentando agora a massa dum Reino que, por ser só de Deus,
será finalmente de todos!
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Ser de Deus, para ser finalmente de todos… Não passemos depressa
pelas palavras, pois são de grande exigência e conversão, como assinalam
as cores roxas do Advento. É que, sendo a Bíblia Sagrada uma repetida e
insistente vocação, ela exige de cada um de nós uma perfeita e
constante disponibilidade para «deixar tudo» o que nos amarre aonde tão
facilmente nos distraímos do que mais importa. Distraímos e retardamos,
apossando-nos do que deveríamos partilhar, como quem se entreajuda num
caminho que havemos de trilhar em conjunto e com a bagagem indispensável
apenas.
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Tudo quanto Deus sustenta no mundo, só pode ser tomado como sinal e
apelo do mesmo Deus que nos espera. E sinal que nos indica o caminho a
seguir, sempre em frente e sem parar. Deus que, em Cristo, nos
exemplificou claramente que só ganhamos o que partilhamos, como Ele nos
ganhou a todos, ao dar a vida por nós. O seu anseio era o Pai e cumprir a
vontade do Pai, inaugurando na terra aquela constante partilha que é
outro nome do Céu.
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Quando, pelo Espírito que nos doou, desejarmos também o Pai, a
santificação do seu nome e a vinda do seu reino, seremos filhos de Deus e
a criação inteira respirará em pleno, não faltando a ninguém o que Deus
criou para todos. Entreviu-o magnificamente São Paulo, em palavras que
também são de Advento e ecologia perfeita: «Pois até a criação se
encontra em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de
Deus» (Rm 8, 19).
Assim é, caríssimos irmãos, como factos que a todos nos tocam
arduamente confirmam. - Pois não é verdade que falta a muitos o que
outros têm demais, passando-se isto entre pessoas e povos inteiros? E
que, tendo demais, nem aos detentores aproveita, pois não obtêm assim
nem a paz nem a vida, estando comprovadíssima a advertência de Jesus: “A
felicidade está mais em dar do que em receber» (Act 20, 35)?!.
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Mal seria, muito mal seria, que desejássemos uma sociedade mais justa
e mais capaz, mas sem nos convertemos realmente ao bem comum de todos,
que só assim será de cada um. Os primeiros cristãos, que tanto esperavam
o Advento do seu Senhor, traduziam essa expectativa num grande
desprendimento de quanto os distraísse dela. E assim mesmo tudo chegava
para todos: «Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à
fração do pão e às orações. […] Todos os crentes viviam unidos e
possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o
dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um» (Act 2, 42
ss).
Será um quadro ideal, diríamos, mas tanto mais real quanto mais
vivermos em Advento, pois onde estiver o nosso tesouro, aí estará também
o nosso coração (cf. Lc 12, 34). Se, em Cristo, tivermos o coração no
Deus de todos, praticaremos a justiça, dando a cada um o que lhe é
devido, e saborearemos finalmente o dulcíssimo fruto da paz. A paz que
será para «todas as nações», como magnificamente anunciou Isaías
profeta, e que só será nossa quando for universal.
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Quadro ideal, mas tornado bem real e concreto, quando não trocamos o
encontro com o Senhor pelo desencontro das coisas, como alertava São
Paulo aos romanos, com alusões muito oportunas em tempo de Advento, isto
é, de conversão a Deus como adoração e aos outros como partilha:
«Andemos dignamente, como em pleno dia, evitando comezainas e excessos
de bebida, as devassidões e libertinagens, as discórdias e ciúmes; não
vos preocupeis com a natureza carnal, para satisfazer os seus apetites,
mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo».
«Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo»: São palavras para nós todos,
mas hoje em especial para vós, caríssimos ordinandos de diácono. O
sacramento há de marcar fortemente tudo quanto fizerdes, ativando o
serviço de Cristo ao mundo através do seu corpo eclesial, que vós mesmos
estimulareis nesse sentido.
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Com o Evangelho que solenemente recebereis e tanto distingue o
ministério diaconal, tendes agora a empolgante exortação apostólica do
Papa Francisco. Especialmente quando nos diz: «… sublinho que aquilo que
pretendo deixar expresso aqui, possui um significado programático e tem
consequências importantes. Espero que todas as comunidades se esforcem
por usar os meios necessários para avançar no caminho de uma conversão
pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste
momento, não nos serve uma “simples administração”. Constituamo-nos em
“estado permanente de missão”, em todas as regiões da Terra» (Evangelii
Gaudium, 25).
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Assim acontecerá entre nós e certamente com o vosso concurso. Aliás,
isso mesmo o indicou o Episcopado português em abril último, na Nota
intitulada Promover a renovação pastoral da Igreja em Portugal, urgindo,
entre outros itens, «uma Igreja mais dinâmica e participativa,
discipular e missionária, próxima e acolhedora, ao estilo de Jesus, Bom
Pastor […]; uma Igreja que que busque sempre o empenhamento e a
participação de todos, sacerdotes, diáconos, consagrados e leigos, para
juntos auscultarmos e seguirmos os rumos que Deus nos quiser indicar».
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- Assim faremos, decerto! Como vos disse, logo ao entrar na Diocese,
«o mundo, este nosso mundo de hoje em dia, precisa urgentemente de
comunidades de acolhimento e missão».
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Sede, pois, pela vossa resposta atenta a todas as necessidades dos
outros, um sinal expressivo daquele Senhor que vem e já está entre nós
«como quem serve» (Lc 22, 27). Sinal de Advento garantido, pois assim o
diz também: «Felizes aqueles servos a quem o senhor, quando vier
encontrar vigilantes! Em verdade vos digo: Vai cingir-se, mandará que se
ponham à mesa e há de servi-los» (Lc 12, 37).
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Conclua-se daqui que a diaconia eclesial – que vós sacramentalmente
exercitareis - é o sinal mais oportuno e expressivo do Advento de
Cristo. E assim cumprireis na vossa parte a formidável exortação que foi
dirigida às primeiras comunidades cristãs: «- Como deve ser santa a
vossa vida e a vossa piedade, enquanto esperais e apressais a chegada do
dia de Deus!» (2 Pe 3, 11-12).
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É este o Advento que esperais e apressais – e convosco nós todos, no tempo de agora: Cristo que chega, onde a Igreja serve!
+ Manuel Clemente
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