Quando
eu era rapaz, lá pelos finais dos anos 50, começo dos anos 60, os Santos e
Santas, eram algo muito longínquo no tempo, na história da Igreja.
Eram
quase sempre bispos, sacerdotes, religiosas e religiosos, ou mártires dos
primeiros alvores do cristianismo.
Tirando
algumas excepções, as suas vidas descritas em livros, eram quase “lendas”,
recheadas de pormenores místicos, em que os milagres acontecidos pela sua
intercessão, ocupavam a nossa imaginação, mais do que as suas virtudes e também
suas fraquezas.
Esta
realidade que envolvia os Santos daquele tempo, levava-nos a uma distanciação
da santidade, como algo de inatingível a nós, “pobres mortais”, muito longe
daqueles “eleitos”, que assim apareciam aos nossos olhos.
Havia
até quase um sentimento, (falo por mim e por aqueles do meu tempo), que os
Santos tinham acabado, e que nos tempos que vivíamos e nos tempos vindouros,
não haveria lugar a mais canonizações, a não ser que viessem do longínquo
passado.
Esta
situação, (e repito que falo por mim), abria uma distância espiritual,
sentimental e até física, com esses Santos, e como tal, a relação com a
santidade era algo muito mais de devoção e admiração, do que vontade e prática
de imitação das virtudes, na sensação de que a santidade era algo de
inatingível nos nossos tempos.
O
Concílio Vaticano II, sobretudo na Constituição Dogmática Lumen Gentium, veio, no entanto, chamar-nos e mostrar-nos esse
caminho da santidade nos diversos estados de vida de cada um, como uma vocação
de todos os baptizados
Entretanto,
chegados aos pontificados, sobretudo, de João Paulo II e Bento XVI, a Igreja
começou a revelar-nos Santos e Santas dos nossos dias, dos nossos tempos, perto
de nós, dos nossos pais e avós, gente como nós, que viveu tempos como nós, que
viveu as motivações, as alegrias, as tristezas, as dificuldades destes últimos
três séculos.
Alguns,
conhecemo-los já realmente, fisicamente. Tiveram parte nas notícias dos nossos
jornais, das nossas televisões, vimo-los com os nossos olhos, pudemos tocá-los
com as nossas mãos.
As
suas virtudes tornaram-se reais para nós, e percebemos que percorriam os mesmos
caminhos que nós percorremos, ou seja, que não viviam num qualquer estado de
graça fora deste nosso mundo.
Viviam,
sim, num estado de graça, mas neste mundo, porque procuravam em tudo fazer a
vontade de Deus, o que não amenizava, nem tornava mais fácil, antes pelo
contrário, as dificuldades de viver a Fé e a Doutrina num mundo particularmente
adverso a essa vivência coerente e em testemunho constante.
Vem
isto a propósito da Beatificação da Madre Maria Clara do Menino Jesus, ocorrida
neste Sábado em Lisboa, e em que, graças a Deus, estive presente.
Lembro-me
bem da minha mãe me falar da sua prima, (como gostava de lhe chamar),
dizendo-me do orgulho em pertencer à família de tão virtuosa mulher.
Não
sei o que pode ser mais chegado à realidade da santidade do que isto, ou seja,
ter na sua própria família alguém que a Igreja colocou nos altares, e que está
afinal tão perto de nós no tempo.
Realmente,
quando a Beata Maria Clara faleceu em 1 de Dezembro de 1899, já o meu pai era
nascido há 5 meses, e minha mãe nasceria apenas 10 anos depois!
Mas
de tudo isto, o que mais importa, é percebermos que a santidade não é algo de
longínquo, mas sim uma realidade permanente em cada vida que a queira procurar,
não para se ser reconhecido como santa ou santo, mas apenas e tão só, para
fazer a vontade de Deus.
É
que, ao fazermos a vontade de Deus, estamos a dar-nos, a Ele e aos outros, e
estamos a aceitar a vida como um dom de Deus com tudo o que Ele nela queira
permitir, em alegrias e também em provações.
E
vemos, nesta lista imensa de Santos e Santas nos últimos anos beatificados,
canonizados, desde crianças, a pais e mães de família, a jovens, a gente enfim,
em tudo semelhante a nós, e vivendo no mesmo mundo em que nós vivemos.
Teria
gostado que a Igreja em Portugal tivesse dado uma muito maior divulgação e projecção
a esta Beatificação da Madre Maria Clara do Menino Jesus, bem com há cerca de 5
anos à Beatificação de Madre Rita Amada de Jesus, em Viseu, aproveitando para
fazer desses dias, duas grandes festas, duas grandes celebrações de alegria, de
união, de comunhão, por mais estas duas grandes graças que o Senhor quis
conceder aos Portugueses.
E,
seja-me permitido, tomar o exemplo da Beata Maria Clara e transportá-lo para os
nossos dias de agora, para estes nossos tempos conturbados em que a Fé e a
Doutrina são permanentemente postos em causa por um mundo que se afasta de
Deus.
Com
efeito, a Madre Maria Clara arrostou no seu tempo com uma perseguição maciça e
total á Igreja, com a expulsão de Ordens Religiosas, perseguições e atentados
de toda a espécie.
Mas
nada disso a retirou do seu propósito, da sua vontade, de fazer a vontade de
Deus na sua vida, e, se teve que ir para França para prosseguir a finalidade de
se consagrar inteiramente a Deus numa congregação religiosa, não deixou de
voltar ao seu país para, arrostando com contínuas provações e dificuldades,
levar a cabo a vontade Deus inscrita no seu coração, e fundar uma congregação
que se dedicava inteiramente aos outros, sobretudo aqueles que mais sofrem.
Não
vemos então o paralelismo com os nossos tempos?
Nem
todos somos chamados, com certeza, a fundar congregações ou outras
instituições, mas somos sem dúvida chamados a darmo-nos aos outros, a
entregarmos a nossa vida, as nossas capacidades, os dons que o Senhor nos dá,
ao Seu serviço, que é no fundo servir os outros, amando-os e ajudando-os,
exactamente como Ele nos ama e serve.
«Também o
Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para
resgatar a multidão.» Mt 20, 28
E
essa coragem que a Beata Maria Clara teve, para afrontar um mundo hostil que se
afastava de Deus, é a coragem que devemos encontrar em nós, pela graça de Deus,
para darmos testemunho constante e permanente, de não cedermos a leis iníquas,
que atentam contra a vida, contra a família, e, na força do testemunho
coerente, (também pelo nosso voto no dia das eleições), afirmarmos que só em
Deus encontramos o verdadeiro Caminho, a verdadeira Verdade, a verdadeira Vida.
Que
a Beata Maria Clara do Menino Jesus interceda por nós, portugueses, para que o
Senhor derrame em nós continuamente o Espírito Santo, para na Sua força, darmos
testemunho vivo, coerente e permanente em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo.
Monte
Real, 23 de Maio de 2011
Joaquim Mexia Alves
Nota:
Porque é tão actual, republico este texto escrito em 2011.
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