16 agosto, 2011

SENHOR, EU QUERO VER!

 
Da escuridão saiu um grito lancinante:
- Senhor, eu quero ver!

Então uma voz perguntou:
- Para que queres tu ver?

Respondeu o “grito”:
- Quero ver para que tudo tenha sentido.
Olho para a natureza, mas não consigo ver a totalidade da sua beleza. Trabalho exaustivamente, mas não consigo entender para quê. Ganho dinheiro e mais dinheiro, mas não me sinto mais tranquilo e seguro do meu futuro. Dou aos meus tudo o que me pedem, mas não os vejo mais felizes. Tenho amigos e mais amigos, mas não sinto os seus corações. Leio, estudo, informo-me, mas não me sinto mais sábio por isso, nem me sinto conhecedor da vida. Trato da minha saúde, da minha forma física, mas não vejo a finalidade de tanto esforço. Vivo intensamente, mas temo a morte.
Por isso Senhor estou cego, porque não vejo o sentido da vida.

Respondeu-lhe a voz:
- Mas acreditas tu que Eu te posso dar a capacidade de veres?

O “grito” respondeu:
- Falam-me de Ti e dizem-me que Tu tudo podes. Leio-Te, estudo-Te, mas falta-me algo, porque não consigo compreender. Mas sinto que me podes dar essa compreensão. Tudo o mais já experimentei, e nada me faz ver aquilo que eu não consigo ver. Acredito Senhor, quero acreditar, que só Tu me podes fazer ver o que agora ainda não vejo.

A voz ergueu-se firme, terna, cheia de compaixão e disse:
- A tua fé te salvou!
Abre os olhos e vê agora o que para ti estava preparado. Mergulha no Meu coração e sente-te amado. Vês agora que sempre exististe em Mim? Vês agora que a tua vida tem sentido, porque é vida da Minha Vida? Vês agora que só em Mim deves encontrar razão para tudo que fazes? Vês agora que todo o teu esforço deve começar e acabar em Mim? Vês agora que todo o teu trabalho tem sentido se não for apenas para ti, mas para todos que Eu amo e assim sendo tu deves amar também? Vês agora que só em Mim encontras futuro e futuro que não acaba? Vês agora que a natureza é bela porque Eu a criei para ti? Vês agora que mais do que ler e estudar apenas para conhecimento, o deves fazer vivendo-Me no que lês e estudas? Vês agora que só em Mim encontras a plenitude da vida?

Do “grito” saiu um grito de alegria:
- Vejo agora Senhor que já não sou um "grito" informe, porque Tu me deste a ver a minha humanidade que em Ti se faz vida eterna!

Era o sétimo dia, e então Deus descansou e fez festa com os Seus filhos!

Monte Real, 23 de Outubro de 2007
Joaquim Mexia Alves

15 agosto, 2011

JMJ - Portugal a caminho de Madrid

15 de Agosto de 2011 

Portugal já está a caminho de Madrid.

2400 jovens saíram esta segunda feira de Lisboa. Vão juntar-se aos mais de 12 mil Portugueses que participam neste evento mundial. Com o Papa estarão em Madrid, mais de 1 milhão de jovens, de mais de 100 países.


14 agosto, 2011

Mensagem do Papa para a JMJ de Madrid 2011

 «Enraizados e edificados n’Ele... firmes na fé» (cf. Cl 2, 7).
Queridos amigos!
Penso com frequência na Jornada Mundial da Juventude de Sidney de 2008. Lá vivemos uma grande festa da fé, durante a qual o Espírito de Deus agiu com força, criando uma comunhão intensa entre os participantes, que vieram de todas as partes do mundo. Aquele encontro, assim como os precedentes, deu frutos abundantes na vida de numerosos jovens e de toda a Igreja. Agora, o nosso olhar dirige-se para a próxima Jornada Mundial da Juventude, que terá lugar em Madrid em Agosto de 2011. Já em 1989, poucos meses antes da histórica derrocada do Muro de Berlim, a peregrinação dos jovens fez etapa na Espanha, em Santiago de Compostela. Agora, num momento em que a Europa tem grande necessidade de reencontrar as suas raízes cristãs, marcamos encontro em Madrid, com o tema: «Enraizados e edificados em Cristo... firmes na fé» (cf. Cl 2, 7). Por conseguinte, convido-vos para este encontro tão importante para a Igreja na Europa e para a Igreja universal. E gostaria que todos os jovens, quer os que compartilham a nossa fé em Jesus Cristo, quer todos os que hesitam, que estão na dúvida ou não crêem n’Ele, possam viver esta experiência, que pode ser decisiva para a vida: a experiência do Senhor Jesus ressuscitado e vivo e do seu amor por todos nós.
Na nascente das vossas maiores aspirações!
1. Em todas as épocas, também nos nossos dias, numerosos jovens sentem o desejo profundo de que as relações entre as pessoas sejam vividas na verdade e na solidariedade. Muitos manifestam a aspiração por construir relacionamentos de amizade autêntica, por conhecer o verdadeiro amor, por fundar uma família unida, por alcançar uma estabilidade pessoal e uma segurança real, que possam garantir um futuro sereno e feliz. Certamente, recordando a minha juventude, sei que estabilidade e segurança não são as questões que ocupam mais a mente dos jovens. Sim, a procura de um posto de trabalho e com ele poder ter uma certeza é um problema grande e urgente, mas ao mesmo tempo a juventude permanece contudo a idade na qual se está em busca da vida maior. Se penso nos meus anos de então: simplesmente não nos queríamos perder na normalidade da vida burguesa. Queríamos o que é grande, novo. Queríamos encontrar a própria vida na sua vastidão e beleza. Certamente, isto dependia também da nossa situação. Durante a ditadura nacional-socialista e durante a guerra nós fomos, por assim dizer, «aprisionados» pelo poder dominante. Por conseguinte, queríamos sair fora para entrar na amplidão das possibilidades do ser homem. Mas penso que, num certo sentido, todas as gerações sentem este impulso de ir além do habitual. Faz parte do ser jovem desejar algo mais do que a vida quotidiana regular de um emprego seguro e sentir o anseio pelo que é realmente grande. Trata-se apenas de um sonho vazio que esvaece quando nos tornamos adultos? Não, o homem é verdadeiramente criado para aquilo que é grande, para o infinito. Qualquer outra coisa é insuficiente. Santo Agostinho tinha razão: o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti. O desejo da vida maior é um sinal do facto que foi Ele quem nos criou, de que temos a Sua «marca». Deus é vida, e por isso todas as criaturas tendem para a vida; de maneira única e especial a pessoa humana, feita à imagem de Deus, aspira pelo amor, pela alegria e pela paz. Compreendemos então que é um contra-senso pretender eliminar Deus para fazer viver o homem! Deus é a fonte da vida; eliminá-lo equivale a separar-se desta fonte e, inevitavelmente, a privar-se da plenitude e da alegria: «De facto, sem o Criador a criatura esvaece» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 36). A cultura actual, nalgumas áreas do mundo, sobretudo no Ocidente, tende a excluir Deus, ou a considerar a fé como um facto privado, sem qualquer relevância para a vida social. Mas o conjunto de valores que estão na base da sociedade provém do Evangelho — como o sentido da dignidade da pessoa, da solidariedade, do trabalho e da família — constata-se uma espécie de «eclipse de Deus», uma certa amnésia, ou até uma verdadeira rejeição do Cristianismo e uma negação do tesouro da fé recebida, com o risco de perder a própria identidade profunda.
Por este motivo, queridos amigos, convido-vos a intensificar o vosso caminho de fé em Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Vós sois o futuro da sociedade e da Igreja! Como escrevia o apóstolo Paulo aos cristãos da cidade de Colossos, é vital ter raízes, bases sólidas! E isto é particularmente verdadeiro hoje, quando muitos não têm pontos de referência estáveis para construir a sua vida, tornando-se assim profundamente inseguros. O relativismo difundido, segundo o qual tudo equivale e não existe verdade alguma, nem qualquer ponto de referência absoluto, não gera a verdadeira liberdade, mas instabilidade, desorientação, conformismo às modas do momento. Vós jovens tendes direito de receber das gerações que vos precedem pontos firmes para fazer as vossas opções e construir a vossa vida, do mesmo modo como uma jovem planta precisa de um sólido apoio para que as raízes cresçam, para se tornar depois uma árvore robusta, capaz de dar fruto.
Enraizados e fundados em Cristo
2. Para ressaltar a importância da fé na vida dos crentes, gostaria de me deter sobre cada uma das três palavras que São Paulo usa nesta sua expressão: «Enraizados e fundados em Cristo... firmes na fé» (cf. Cl 2, 7). Nela podemos ver três imagens: «enraizado» recorda a árvore e as raízes que a alimentam; «fundado» refere-se à construção de uma casa; «firme» evoca o crescimento da força física e moral. Trata-se de imagens muito eloquentes. Antes de as comentar, deve-se observar simplesmente que no texto original as três palavras, sob o ponto de vista gramatical, estão no passivo: isto significa que é o próprio Cristo quem toma a iniciativa de radicar, fundar e tornar firmes os crentes.
A primeira imagem é a da árvore, firmemente plantada no solo através das raízes, que a tornam estável e a alimentam. Sem raízes, seria arrastada pelo vento e morreria. Quais são as nossas raízes? Naturalmente, os pais, a família e a cultura do nosso país, que são uma componente muito importante da nossa identidade. A Bíblia revela outra. O profeta Jeremias escreve: «Bendito o homem que deposita a confiança no Senhor, e cuja esperança é o Senhor. É como a árvore plantada perto da água, a qual estende as raízes para a corrente; não teme quando vem o calor, a sua folhagem fica sempre verdejante. Não a inquieta a seca de um ano; continua a produzir frutos» (Jr 17, 7-8). Estender as raízes, para o profeta, significa ter confiança em Deus. D’Ele obtemos a nossa vida; sem Ele não poderíamos viver verdadeiramente. «Deus deu-nos a vida eterna, e esta vida está em Seu Filho» (1 Jo 5, 11). O próprio Jesus apresenta-se como nossa vida (cf. Jo 14, 6). Por isso a fé cristã não é só crer em verdades, mas é antes de tudo uma relação pessoal com Jesus Cristo, é o encontro com o Filho de Deus, que dá a toda a existência um novo dinamismo. Quando entramos em relação pessoal com Ele, Cristo revela-nos a nossa identidade e, na sua amizade, a vida cresce e realiza-se em plenitude. Há um momento, quando somos jovens, em que cada um de nós se pergunta: que sentido tem a minha vida, que finalidade, que orientação lhe devo dar? É uma fase fundamental, que pode perturbar o ânimo, às vezes também por muito tempo. Pensa-se no tipo de trabalho a empreender, quais relações sociais estabelecer, que afectos desenvolver... Neste contexto, penso de novo na minha juventude. De certa forma muito cedo tive a consciência de que o Senhor me queria sacerdote. Mais tarde, depois da Guerra, quando no seminário e na universidade eu estava a caminho para esta meta, tive que reconquistar esta certeza. Tive que me perguntar: é este verdadeiramente o meu caminho? É deveras esta a vontade do Senhor para mim? Serei capaz de Lhe permanecer fiel e de estar totalmente disponível para Ele, ao Seu serviço? Uma decisão como esta deve ser também sofrida. Não pode ser de outra forma. Mas depois surgiu a certeza: é bem assim! Sim, o Senhor quer-me, por isso também me dará a força. Ao ouvi-Lo, ao caminhar juntamente com Ele torno-me deveras eu mesmo. Não conta a realização dos meus próprios desejos, mas a Sua vontade. Assim a vida torna-se autêntica.
Tal como as raízes da árvore a mantêm firmemente plantada na terra, também os fundamentos dão à casa uma estabilidade duradoura. Mediante a fé, nós somos fundados em Cristo (cf. Cl 2, 7), como uma casa é construída sobre os fundamentos. Na história sagrada temos numerosos exemplos de santos que edificaram a sua vida sobre a Palavra de Deus. O primeiro foi Abraão. O nosso pai na fé obedeceu a Deus que lhe pedia para deixar a casa paterna a fim de se encaminhar para uma terra desconhecida. «Abraão acreditou em Deus e isso foi-lhe atribuído à conta de justiça e foi chamado amigo de Deus» (Tg 2, 23). Estar fundados em Cristo significa responder concretamente à chamada de Deus, confiando n’Ele e pondo em prática a sua Palavra. O próprio Jesus admoesta os seus discípulos: «Porque me chamais: “Senhor, Senhor” e não fazeis o que Eu digo?» (Lc 6, 46). E, recorrendo à imagem da construção da casa, acrescenta: «todo aquele que vem ter Comigo, escuta as Minhas palavras e as põe em prática, é semelhante a um homem que construiu uma casa: Cavou, aprofundou e assentou os alicerces sobre a rocha. Sobreveio a inundação, a torrente arremessou-se com violência contra aquela casa e não pôde abalá-la por ter sido bem construída» (Lc 6, 47-48).
Queridos amigos, construí a vossa casa sobre a rocha, como o homem que «cavou muito profundamente». Procurai também vós, todos os dias, seguir a Palavra de Cristo. Senti-O como o verdadeiro Amigo com o qual partilhar o caminho da vossa vida. Com Ele ao vosso lado sereis capazes de enfrentar com coragem e esperança as dificuldades, os problemas, também as desilusões e as derrotas. São-vos apresentadas continuamente propostas mais fáceis, mas vós mesmos vos apercebeis que se revelam enganadoras, que não vos dão serenidade e alegria. Só a Palavra de Deus nos indica o caminho autêntico, só a fé que nos foi transmitida é a luz que ilumina o caminho. Acolhei com gratidão este dom espiritual que recebestes das vossas famílias e comprometei-vos a responder com responsabilidade à chamada de Deus, tornando-vos adultos na fé. Não acrediteis em quantos vos dizem que não tendes necessidade dos outros para construir a vossa vida! Ao contrário, apoiai-vos na fé dos vossos familiares, na fé da Igreja, e agradecei ao Senhor por a ter recebido e feito vossa!
Firmes na fé
3. «Enraizados e fundados em Cristo... firmes na fé» (cf. Cl 2, 7). A Carta da qual é tirado este convite, foi escrita por São Paulo para responder a uma necessidade precisa dos cristãos da cidade de Colossos. Com efeito, aquela comunidade estava ameaçada pela influência de determinadas tendências culturais da época, que afastavam os fiéis do Evangelho. O nosso contexto cultural, queridos jovens, tem numerosas analogias com o tempo dos Colossenses daquela época. De facto, há uma forte corrente de pensamento laicista que pretende marginalizar Deus da vida das pessoas e da sociedade, perspectivando e tentando criar um «paraíso» sem Ele. Mas a experiência ensina que o mundo sem Deus se torna um «inferno»: prevalecem os egoísmos, as divisões nas famílias, o ódio entre as pessoas e entre os povos, a falta de amor, de alegria e de esperança. Ao contrário, onde as pessoas e os povos acolhem a presença de Deus, o adoram na verdade e ouvem a sua voz, constrói-se concretamente a civilização do amor, na qual todos são respeitados na sua dignidade, cresce a comunhão, com os frutos que ela dá. Contudo existem cristãos que se deixam seduzir pelo modo de pensar laicista, ou são atraídos por correntes religiosas que afastam da fé em Jesus Cristo. Outros, sem aderir a estas chamadas, simplesmente deixaram esmorecer a sua fé, com inevitáveis consequências negativas a nível moral.
Aos irmãos contagiados por ideias alheias ao Evangelho, o apóstolo Paulo recorda o poder de Cristo morto e ressuscitado. Este mistério é o fundamento da nossa vida, o centro da fé cristã. Todas as filosofias que o ignoram, que o consideram «escândalo» (1 Cor 1, 23), mostram os seus limites diante das grandes perguntas que habitam o coração do homem. Por isso também eu, como Sucessor do apóstolo Pedro, desejo confirmar-vos na fé (cf. Lc 22, 32). Nós cremos firmemente que Jesus Cristo se ofereceu na Cruz para nos doar o seu amor; na sua paixão, carregou os nossos sofrimentos, assumiu sobre si os nossos pecados, obteve-nos o perdão e reconciliou-nos com Deus Pai, abrindo-nos o caminho da vida eterna. Deste modo fomos libertados do que mais entrava a nossa vida: a escravidão do pecado, e podemos amar a todos, até os inimigos, e partilhar este amor com os irmãos mais pobres e em dificuldade.
Queridos amigos, muitas vezes a Cruz assusta-nos, porque parece ser a negação da vida. Na realidade, é o contrário! Ela é o «sim» de Deus ao homem, a expressão máxima do seu amor e a nascente da qual brota a vida eterna. De facto, do coração aberto de Jesus na cruz brotou esta vida divina, sempre disponível para quem aceita erguer os olhos para o Crucificado. Portanto, não posso deixar de vos convidar a aceitar a Cruz de Jesus, sinal do amor de Deus, como fonte de vida nova. Fora de Cristo morto e ressuscitado, não há salvação! Só Ele pode libertar o mundo do mal e fazer crescer o Reino de justiça, de paz e de amor pelo qual todos aspiram.
Crer em Jesus Cristo sem o ver
4. No Evangelho é-nos descrita a experiência de fé do apóstolo Tomé ao acolher o mistério da Cruz e da Ressurreição de Cristo. Tomé faz parte dos Doze apóstolos; seguiu Jesus; foi testemunha directa das suas curas, dos milagres; ouviu as suas palavras; viveu a desorientação perante a sua morte. Na noite de Páscoa o Senhor apareceu aos discípulos, mas Tomé não estava presente, e quando lhe foi contado que Jesus estava vivo e se mostrou, declarou: «Se eu não vir o sinal dos cravos nas Suas mãos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e não meter a mão no Seu lado, não acreditarei» (Jo 20, 25).
Também nós gostaríamos de poder ver Jesus, de poder falar com Ele, de sentir ainda mais forte a sua presença. Hoje para muitos, o acesso a Jesus tornou-se difícil. Circulam tantas imagens de Jesus que se fazem passar por científicas e O privam da sua grandeza, da singularidade da Sua pessoa. Portanto, durante longos anos de estudo e meditação, maturou em mim o pensamento de transmitir um pouco do meu encontro pessoal com Jesus num livro: quase para ajudar a ver, a ouvir, a tocar o Senhor, no qual Deus veio ao nosso encontro para se dar a conhecer. De facto, o próprio Jesus aparecendo de novo aos discípulos depois de oito dias, diz a Tomé: «Chega aqui o teu dedo e vê as Minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no Meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente» (Jo 20, 27). Também nós temos a possibilidade de ter um contacto sensível com Jesus, meter, por assim dizer, a mão nos sinais da sua Paixão, os sinais do seu amor: nos Sacramentos Ele torna-se particularmente próximo de nós, doa-se a nós. Queridos jovens, aprendei a «ver», a «encontrar» Jesus na Eucaristia, onde está presente e próximo até se fazer alimento para o nosso caminho; no Sacramento da Penitência, no qual o Senhor manifesta a sua misericórdia ao oferecer-nos sempre o seu perdão. Reconhecei e servi Jesus também nos pobres, nos doentes, nos irmãos que estão em dificuldade e precisam de ajuda.
Abri e cultivai um diálogo pessoal com Jesus Cristo, na fé. Conhecei-o mediante a leitura dos Evangelhos e do Catecismo da Igreja Católica; entrai em diálogo com Ele na oração, dai-lhe a vossa confiança: ele nunca a trairá! «Antes de mais, a fé é uma adesão pessoal do homem a Deus. Ao mesmo tempo, e inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade revelada por Deus» (Catecismo da Igreja Católica, n. 150). Assim podereis adquirir uma fé madura, sólida, que não estará unicamente fundada num sentimento religioso ou numa vaga recordação da catequese da vossa infância. Podereis conhecer Deus e viver autenticamente d’Ele, como o apóstolo Tomé, quando manifesta com força a sua fé em Jesus: «Meu Senhor e meu Deus!».
Amparados pela fé da Igreja para ser testemunhas
5. Naquele momento Jesus exclama: «Porque Me viste, acreditaste. Bem-aventurados os que, sem terem visto, acreditaram!» (Jo 20, 29). Ele pensa no caminho da Igreja, fundada sobre a fé das testemunhas oculares: os Apóstolos. Compreendemos então que a nossa fé pessoal em Cristo, nascida do diálogo com Ele, está ligada à fé da Igreja: não somos crentes isolados, mas, pelo Baptismo, somos membros desta grande família, e é a fé professada pela Igreja que dá segurança à nossa fé pessoal. O credo que proclamamos na Missa dominical protege-nos precisamente do perigo de crer num Deus que não é o que Jesus nos revelou: «Cada crente é, assim, um elo na grande cadeia dos crentes. Não posso crer sem ser motivado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo também para guiar os outros na fé» (Catecismo da Igreja Católica, n. 166). Agradeçamos sempre ao Senhor pelo dom da Igreja; ela faz-nos progredir com segurança na fé, que nos dá a vida verdadeira (cf. Jo 20, 31).
Na história da Igreja, os santos e os mártires hauriram da Cruz gloriosa de Cristo a força para serem fiéis a Deus até à doação de si mesmos; na fé encontraram a força para vencer as próprias debilidades e superar qualquer adversidade. De facto, como diz o apóstolo João, «Quem é que vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é Filho de Deus?» (1 Jo 5, 5). E a vitória que nasce da fé é a do amor. Quantos cristãos foram e são um testemunho vivo da força da fé que se exprime na caridade; foram artífices de paz, promotores de justiça, animadores de um mundo mais humano, um mundo segundo Deus; comprometeram-se nos vários âmbitos da vida social, com competência e profissionalidade, contribuindo de modo eficaz para o bem de todos. A caridade que brota da fé levou-os a dar um testemunho muito concreto, nas acções e nas palavras: Cristo não é um bem só para nós próprios, é o bem mais precioso que temos para partilhar com os outros. Na era da globalização, sede testemunhas da esperança cristã em todo o mundo: são muitos os que desejam receber esta esperança! Diante do sepulcro do amigo Lázaro, morto havia quatro dias, Jesus, antes de o chamar de novo à vida, disse à sua irmã Marta: «Se acreditasses, verias a glória de Deus» (cf. Jo 11, 40). Também vós, se acreditardes, se souberdes viver e testemunhar a vossa fé todos os dias, tornar-vos-eis instrumentos para fazer reencontrar a outros jovens como vós o sentido e a alegria da vida, que nasce do encontro com Cristo!
Rumo à Jornada Mundial de Madrid
6. Queridos amigos, renovo-vos o convite a ir à Jornada Mundial da Juventude a Madrid. É com profunda alegria que espero cada um de vós pessoalmente: Cristo quer tornar-vos firmes na fé através a Igreja. A opção de crer em Cristo e de O seguir não é fácil; é dificultada pelas nossas infidelidades pessoais e por tantas vozes que indicam caminhos mais fáceis. Não vos deixeis desencorajar, procurai antes o apoio da Comunidade cristã, o apoio da Igreja! Ao longo deste ano preparai-vos intensamente para o encontro de Madrid com os vossos Bispos, os vossos sacerdotes e os responsáveis da pastoral juvenil nas dioceses, nas comunidades paroquiais, nas associações e nos movimentos. A qualidade do nosso encontro dependerá sobretudo da preparação espiritual, da oração, da escuta comum da Palavra de Deus e do apoio recíproco.
Amados jovens, a Igreja conta convosco! Precisa da vossa fé viva, da vossa caridade e do dinamismo da vossa esperança. A vossa presença renova a Igreja, rejuvenesce-a e confere-lhe renovado impulso. Por isso as Jornadas Mundiais da Juventude são uma graça não só para vós, mas para todo o Povo de Deus. A Igreja na Espanha está a preparar-se activamente para vos receber e para viver juntos a experiência jubilosa da fé. Agradeço às dioceses, às paróquias, aos santuários, às comunidades religiosas, às associações e aos movimentos eclesiais, que trabalham com generosidade na preparação deste acontecimento. O Senhor não deixará de os abençoar. A Virgem Maria acompanhe este caminho de preparação. Ela, ao anúncio do Anjo, acolheu com fé a Palavra de Deus; com fé consentiu a obra que Deus estava a realizar nela. Pronunciando o seu «fiat», o seu «sim», recebeu o dom de uma caridade imensa, que a levou a doar-se totalmente a Deus. Interceda por cada um e cada uma de vós, para que na próxima Jornada Mundial possais crescer na fé e no amor. Garanto-vos a minha recordação paterna na oração e abençoo-vos de coração.
Vaticano, 6 de Agosto de 2010, Festa da Transfiguração do Senhor.
BENEDICTUS PP. XVI
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10 agosto, 2011

JMJ - Lisboa a caminho de Madrid

Jornada Mundial da Juventude





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Perigo para os jovens, a pobreza de amor


Mensagem do Papa no quinto centenário dos padres somascos

CASTEL GANDOLFO, sexta-feira, 29 de julho de 2011 (ZENIT.org) – Faltando alguns dias para a Jornada Mundial da Juventude de Madrid, Bento XVI encorajou os jovens a abandonar algumas pobrezas que os assolam, começando pela falta de amor.
"É necessário – ressalta o Papa em uma carta – que o crescimento das novas gerações seja alimentado não só por noções culturais e técnicas, mas sobretudo pelo amor, que supera o individualismo e o egoísmo, e permite prestar atenção às necessidades de todo irmão e irmã.” 
Por esta razão, o Santo Padre chama a "se preocupar com toda pobreza de nossos jovens, moral, física, existencial e, acima de tudo, a pobreza de amor, a raiz de todo problema sério humano".
Este é o conselho que o pontífice deixa na carta enviada ao superior geral dos religiosos somascos, com ocasião do Ano Jubilar convocado pela Ordem no quinto centenário da libertação milagrosa de seu fundador, São Jerónimo Emiliani (1486-1537), da prisão.
A carta apresenta o exemplo do jovem soldado Jerónimo, cuja vida mudou na noite de 27 de setembro de 1511, depois de ter sido feito prisioneiro na guerra entre a República de Veneza e os Estados da Liga de Cambrai.
Depois de fazer um voto de mudança de vida para a Virgem, recuperou a liberdade de uma forma inexplicável.
"Impelido por vicissitudes familiares – ele tinha-se tornado guardião de todos os seus sobrinhos que ficaram órfãos –, Jerónimo amadureceu a ideia de que os jovens, especialmente os mais necessitados, não podem ser abandonados, mas que, para crescer, precisam de um requisito essencial: o amor”, explicou o Papa.
"Nele, o amor supera a sagacidade, e dado que era um amor que surgia da própria caridade de Deus, estava cheio de paciência e compreensão: atento, terno e disposto ao sacrifício, como o amor de uma mãe", escreve o bispo de Roma.
Os religiosos somascos, fundados por São Jerónimo como “companhia dos servos e dos pobres" até o ano de 1534, assumem o nome da cidade italiana onde nasceu e morreu seu fundador, Somasca. Eles dedicam-se, em particular, à educação cristã da juventude.
Os Somascos contam com 463 religiosos, dos quais 338 são sacerdotes, espalhados pela Europa, América e Ásia.

09 agosto, 2011

ORAÇÃO

Sabes, Senhor, eu tento!
Eu oro, (é verdade, Senhor, às vezes mais com a boca do que com o coração), eu medito, eu entrego-me nas tuas mãos, mas eu caio!
Sim, Senhor, eu sei que me levanto porque Tu me dás forças para me levantar, mas caio, Senhor, tantas vezes!
Eu sei, Senhor, que sou fraco, mas julgava eu que aproximando-me cada vez mais de Ti, menos cairia, menos fraco seria, mais perfeito seria.
Mas a verdade, Senhor, é que todos os dias descubro “novos” defeitos em mim, todos os dias encontro ocasiões de cair, todos os dias me sinto, apesar da luta, mais fraco, perante a minha fraqueza.
Sim, Senhor, eu quero acreditar que és Tu que vais moldando o barro duro e quebradiço que eu sou, e que por causa do meu modo de ser, tantas vezes não consegues fazer a obra que queres fazer em mim, porque endureço e me quebro nas Tuas mãos.
Quero pensar, acreditar, que quanto mais fraco me sinto, mais deixo que Tu estejas em mim, porque se assim não fosse, já tinha soçobrado.
Mas o orgulho, Senhor!
O orgulho de querer mostrar aos outros que já sou um discípulo “perfeito”!
Não é esse, Senhor, pois não, o testemunho que queres de mim?
Queres-me fraco, humilde, entregue, para que reflicta muito mais o Teu querer, do que o meu ser.
E olhas para mim, com esse Teu olhar tão doce, que me sinto um pobre Pedro, (mas eu, empedernido), que nunca deixo de Te negar em tantos momentos da vida.
Pois, Senhor, eu sei que o Teu amor é infinitamente maior do que as minhas negações, do que a minha dureza, do que a minha fraqueza, mas como encontro eu essa entrega incondicional, de me saber fraco, para que Tu sejas a força em mim?
Encontro-te no degrau que subo, e encontro-te nos degraus que desço, porque quando desço degraus, és Tu que me dás a mão, para voltar a subir.
E no entanto, Senhor, tanto caminho que já fizemos juntos!
Desta rocha dura e seca que eu sou, quanta água já tiraste Tu?
Nem me deixas perceber quanta, para que não me orgulhe, para que não me julgue alguma fonte, quando afinal sou apenas vasilha que leva a água que Tu me dás.
Foi bom falar contigo, Senhor!
Não me sinto mais forte, mas ainda mais fraco do que quando comecei esta conversa.
Mas isso é bom, não é, Senhor?
É que se estou mais fraco no que me julgo, Tu estás mais forte no meu ser, e se Tu assim estás em mim, o que hei-de eu temer, Senhor?
Amen, seja feita a Tua vontade, Senhor.
Joaquim Mexia Alves

08 agosto, 2011

Os Desafios do RCC - pelo Papa João Paulo II

Evangelização  
(Constante no Labat n.º 69 de Fevereiro de 2007)

"Quando reflectimos nos 40 anos do RCC, devemos reconhecer a bênção maravilhosa que foi o Pontificado de João Paulo II para este movimento. Como um bom pai, ele nos encorajou quando éramos jovens e nos ajudou a crescer à medida que tanto ele como nós avançámos nos anos.

Desafio à formação

Como um pai amoroso, João Paulo II muitas vezes nos aconselhou e mostrou maneiras de crescermos na nossa intimidade com o Senhor. Uma das áreas que ele abordou foi o desafio à formação.
Há uma necessidade urgente de proclamarmos com fervor o Reino de Deus e de termos uma formação cristã sólida e profunda. Há uma necessidade actual muito grande de líderes cristãos maduros, conscientes da sua identidade baptismal e da sua vocação e missão na Igreja e no mundo! Quanta necessidade há de Grupos e comunidades cristãs vibrantes!... Há agora um novo estágio para o crescimento dos movimentos: o da maturidade eclesial. Os Grupos e comunidades carismáticas também são chamadas hoje para tomar este passo em direcção à maturidade eclesial.
João Paulo II sem dúvida alguma amava o RCC. Como um bom pai, ele queria-nos dar segurança e, ainda, pegar em algo que era bom e torná-lo ainda melhor. João Paulo II via o Renovamento não como uma associação que se auto-servia ou que se preocupava apenas com as suas próprias coisas. Ao contrário, ele reconheceu que o RCC é uma acção soberana do Espírito Santo, um dom de Deus para o bem de toda a Igreja. O nosso Santo Padre sabia que toda a Igreja precisava do que o RCC tinha para oferecer. Portanto, ele chamou-nos para uma maturidade que nos permitiria servir toda a Igreja e verdadeiramente ajudar a construir o corpo de Cristo.

A formação é a chave para a maturidade

O Pontífice via na formação a chave para a maturidade. Ele pediu-nos para o considerarmos seriamente e agir fortemente no desenvolvimento de pessoas dentro do Renovamento. Ele esboçou isto de uma forma um pouco mais clara na sua manifestação aos Líderes Carismáticos em Junho de 1998.
A fé entusiástica que dá vida às vossas comunidades é de uma riqueza muito grande, mas não é suficiente. Deve ser acompanhada de uma formação cristã sólida, abrangente e fiel ao Magistério da Igreja: uma formação baseada em vida de oração, leitura da palavra de Deus, e participação digna nos Sacramentos, especialmente Reconciliação e Eucaristia. Para amadurecermos na fé, temos que crescer no conhecimento das suas verdades. Se isto não acontecer, há o risco da superficialidade, subjectivismo extremo e ilusão”.
À medida que procurarmos ser formados na maturidade com o Renovamento, consideremos alguns pontos chaves no conselho dado pelo nosso amado Padre:

1. Fiéis ao Magistério da Igreja: Nesse estágio das nossas vidas, provavelmente já teremos vencido a necessidade de “fazer as nossas próprias coisas”. Somos parte da Igreja, estamos no coração da Igreja. Não estamos a tentar desenvolver uma Igreja alternativa, mas estamos a tentar amar e servir a Igreja que já existe, a Igreja estabelecida por Jesus Cristo. Com certeza, todos nós já vimos falhas dentro da Igreja, a noiva de Cristo. Assim como Cristo permaneceu fiel a ela, também nós devemos permanecer fiéis. A Igreja precisa de nós e tem o direito de esperar de nós uma lealdade inabalável ao Magistério.

2. Vida de oração: Um dos elementos centrais do RCC tem sido a vida de oração. Entretanto, temos que reconhecer que é muito fácil abandonar a oração devido às demandas da vida e do ministério. Não podemos ser formados na maturidade se não estivermos dispostos a ser formados na oração.

3. Ouvir a Palavra de Deus: Que sabedoria está dentro das páginas do Livro Santo! a própria sabedoria de Deus! Se queremos realmente amadurecer, devemos permitir ser formados pelo que Deus nos fala. O próprio esforço de ouvir e então agir de acordo com o que ouvimos far-nos-á progredir significativamente no caminho da maturidade.

4. Participação digna nos Sacramentos: Com as graças extraordinárias que nos são oferecidas através dos sacramentos, caminharemos rapidamente em direcção à maturidade! Devemos participar dos sacramentos o mais que pudermos a fim de sermos formados no Espírito de Deus.

Todos os esforços de formação devem ajudar as pessoas a se apropriar destes quatro elementos chaves nas suas vidas: um amor sincero e relacionamento com a Igreja, vida de oração, ouvir e seguir a Palavra e receber dignamente os Sacramentos.

Imaginemos os frutos que nasceriam nas nossas vidas

Podemos imaginar os frutos que nasceriam nas nossas vidas se todos no RCC colocassem estas quatro áreas entre as suas prioridades?
Quantas bênçãos experimentaríamos! Como a Igreja prosperaria!
Se por nenhuma outra razão a não ser pelo amor ao grande pai que caminhou connosco por tantos anos, consideremos seriamente o papel do serviço que Deus nos deu, e decidamos ser formados na maturidade, para que possamos ser uma bênção para a igreja e mostrar que somos os filhos e filhas gratos de João Paulo II.
Jim Murphy in b.ICCRS -Vol.XII, nºv, D. 06"

05 agosto, 2011

O Deus do silêncio e o Deus da acção


Sempre que falamos de Deus, falamos da sua natureza, pessoa, títulos, atributos divinos, poder e acção na história. É a chamada “História da Salvação” exarada na Bíblia.

Mas a Bíblia também nos fala do Deus-sem-fala.
Em teologia há, de facto, duas maneiras de compreender Deus: o Deus da acção ou Deus catafático e o Deus do silêncio e do mistério ou Deus apofático.
A estas duas maneiras de compreender Deus corresponde, respectivamente, a teologia positiva e a teologia negativa.
A teologia positiva ou “catafática” é a teologia da “afirmação”, a partir dos relatos bíblicos. Nesses relatos, Deus é afirmado como criador do universo, criador de um povo “eleito”, judeus ou cristãos, com quem estabelece um pacto – um povo, uma lei, uma terra para os judeus, ou, um povo, uma igreja (uma Escritura Sagrada, para os protestantes) e um Salvador universal.
Nesta teologia da criação histórica, Deus é o Deus do bom, do belo e da liberdade. Na liturgia hímnica do primeiro capítulo do Génesis, o refrão “e viu Deus que era bom” aparece cinco vezes (Gn 1, 13. 18. 21. 25. 31).
A partir do facto teológico da criação e da bondade da mesma, os crentes judeus e cristãos servem-se da analogia da criação e sua bondade, sempre pela afirmativa, para afirmarem a natureza e a pessoa de Deus: bondade, omnipotência, Senhor da vida e da morte, do bem e do mal, do julgamento final, última palavra na condução da história.
A teologia apofática é a da não-afirmação. Se Deus é criador, bom, justo, atento ao seu povo escolhido, é sempre por analogia com as realidades humanas.
A teologia apofática ou negativa fundamenta-se, pois, na ultrapassagem de uma hermenêutica da afirmação, como dado absoluto da natureza de Deus, para uma outra, a da não-afirmação, pondo o acento na inefabilidade do próprio Deus. Deus é sempre o totalmente Outro, inatingível, indizível, transcendente a tudo o que seja analogia e criação. Desta teologia escreveu muito o Pseudo Dionísio (séculos IV-VI d. C. ) e o cardeal Nicolau de Cusa (séc. XIV d. C. ). Desta teologia expressam-se teólogos e poetas, sobretudo o grande S. João da Cruz. Mas também Sophia Mello Breyner e tantos místicos e místicas.
A Bíblia também é pródiga nesta teologia, a começar pela intervenção do Deus da história quando se confronta a primeira vez com Moisés ao responder-lhe que se chama EU-SOU-O- QUE-SOU. Deus é o inefável, o sem-nome, o Deus da sarça ardente, que arde e não queima.
Em Is 45, 15, o profeta exprime-se: “Na verdade vós sois um Deus escondido (missetater), o Deus de Israel, o salvador”).
Em Is 55, 8-9 é Deus, pela boca do profeta a dizer de si mesmo: “Os meus planos não são os vossos planos, / os vossos caminhos não são os meus caminhos. / Tanto quanto os céus estão acima da terra, / assim os meus caminhos são mais altos que os vossos, / e os meus planos, mais altos que os vossos planos”.
No Novo Testamento lemos em Jo 1, 18: “A Deus jamais alguém o viu”. Em Rm 11, 33-36, S. Paulo canta o hino: “Oh, que profundidade de riqueza, / de sabedoria e de ciência é a de Deus! / Como são insondáveis as suas decisões / e impenetráveis os seus caminhos! / Quem conheceu o pensamento do Senhor? / Quem lhe serviu de conselheiro? / Quem antes lhe deu a Ele, / para que lhe seja retribuído? /Porque é dele, por Ele / e para Ele que tudo existe. / Glória a Ele pelos séculos! Ámen.” Na 1Tm 6, 15-16, o autor escreve: “Esta manifestação [a parusia] será feita nos tempos estabelecidos, / pelo bem-aventurado e único Soberano, / o Rei dos reis e Senhor dos senhores, / o único que possui a imortalidade, / que habita numa luz inacessível, / que nenhum homem viu nem pode ver. / A Ele, honra e poder eterno! / Ámen!”.
Os textos falam por si. São claros, evidentes, definitivos. Mas estes textos ao apresentarem o Deus apofático, o do silêncio, do mistério, do inefável, do dizer-não-dizer, do falar-sem-falar, não significa que neguem a pessoa de Deus como pessoa. Deus não é pura energia, puro silêncio ou murmúrio, mas também é murmúrio e vento e espírito (Espírito).

Pe. Joaquim Carreira das Neves, OFM.
Labat n.º 69 de Fevereiro de 2007

03 agosto, 2011

O MILAGRE É A NOSSA DISPONIBILIDADE!

Evangelho segundo S. Mateus 14,13-21.

Naquele tempo, quando Jesus ouviu que João Baptista tinha sido morto, retirou-Se dali sozinho num barco, para um lugar deserto; mas o povo, quando soube, seguiu-O a pé, desde as cidades.
Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e, cheio de misericórdia para com ela, curou os seus enfermos.
Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se dele e disseram-lhe: «Este sítio é deserto e a hora já vai avançada. Manda embora a multidão, para que possa ir às aldeias comprar alimento.»
Mas Jesus disse-lhes: «Não é preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer.»
Responderam: «Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes.»
«Trazei-mos cá» disse Ele.
E, depois de ordenar à multidão que se sentasse na relva, tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu e pronunciou a bênção; partiu, depois, os pães e deu os aos discípulos, e estes distribuíram-nos pela multidão.
Todos comeram e ficaram saciados; e, com o que sobejou, encheram doze cestos.
Ora, os que comeram eram uns cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.

Mais uma vez neste Domingo, escutando a homilia do sacerdote que presidia à celebração, fui-me deixando conduzir e perceber das suas palavras uma nova forma de interpretar este Evangelho, ou melhor, não uma nova forma de interpretar, mas uma reflexão focada noutra abordagem à Palavra proclamada.

A primeira reacção dos discípulos é colocarem-se de fora do problema daquela gente:
«Este sítio é deserto e a hora já vai avançada. Manda embora a multidão, para que possa ir às aldeias comprar alimento.» Mt 14,15

Como quando nós estamos perante alguém que precisa de ajuda, e pensamos, ou até dizemos, que nada podemos fazer, que o problema no fundo é daqueles que o têm, e não é um problema nosso.
Ou até quando passamos muito rapidamente o “assunto” para Deus, enunciando-o apenas numa oração em que apresentamos o problema ao Senhor, mas não nos perguntamos o que podemos fazer, para “ajudarmos” Deus a resolver o problema do outro.

Mas Jesus responde-lhes de imediato, provavelmente da forma que eles não queriam:
«Não é preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer.» Mt 14,16

Ele quer precisar de nós!
Ele quer precisar de nós para que sejamos mais irmãos uns dos outros, para que percebamos que é connosco que Ele quer construir o Reino, que Ele não veio para nos resolver os problemas, mas para nos mostrar o caminho de uma verdadeira vida, uma vida em que também viveremos e ultrapassaremos os nossos problemas, com a Sua ajuda, claro, que nunca nos falta.

Mas perante a resposta de Jesus, (a Quem eles já tinham visto fazer tantos milagres e mesmo assim duvidavam), tentaram ainda outra forma de não se envolverem no problema, afirmando as suas incapacidades:
«Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes.» Mt 14,17 

Tantas vezes que nos afirmamos incapazes, dizendo-nos desconhecedores, sem estudos, sem formação, tímidos, envergonhados, fracos, enfim, tudo o que for possível para não fazermos o que nos é pedido, para não fazermos aquilo a que somos chamados ajudar, a servir.

Mas Jesus não desiste e diz-lhes:
«Trazei-mos cá» Mt 14,18

Como diz, a cada um de nós, para Lhe entregarmos, para colocarmos ao seu serviço, nos outros, os talentos que Ele nos deu, e nos quais tantas vezes não acreditamos, porque os colocamos apenas segundo a nossa vontade e as nossas capacidades, ou os queremos guardar apenas para nós, no egoísmo do nosso querer.
Reparemos que aquele que era o dono dos pães e dos peixes, não os quis guardar para si próprio, mas quis sim partilhá-los com quem lhos pedia.
E quem lhos pedia era Jesus, como nos pede a cada um de nós, em cada necessitado.
Como nos diz a cada um de nós, que coloquemos esses talentos, esses bens nas Suas mãos, porque Ele transformará a timidez em destemor, o medo em coragem, a vergonha em afirmação, enfim, Ele transformará o pouco que somos, no muito que os outros precisam.

E não é Ele que os distribui, não é Jesus que leva directamente a cada um o que ele precisa.
«partiu, depois, os pães e deu-os aos discípulos, e estes distribuíram-nos pela multidão.»
Mt 14,19

Não, porque Ele quer servir-se de nós, e depois de colocarmos nas Suas mãos tudo o que Ele nos deu, abençoa-a esses talentos, esses bens, para que dêem fruto e o fruto permaneça.
«Não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá.» Jo 15,16

E a abundância é tanta, que entregue tudo nas Suas mãos, nada faltará, porque a bênção de Deus “sobra” sempre para todos.
«Todos comeram e ficaram saciados; e, com o que sobejou, encheram doze cestos.»
Mt 14,20

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Nota:

Já neste texto “O trigo e o joio”, fiz referência ao sacerdote que presidia á celebração dominical na minha Paróquia da Marinha Grande, e que era nesse dia o Padre Pedro Viva, Vigário Paroquial.
Desta vez a homilia foi proferida pelo Padre Armindo Castelão Ferreira, Pároco da Marinha Grande.
Quero hoje, (aproveitando estes textos), dar graças a Deus pelos dois sacerdotes que colocou ao serviço desta Paróquia da Marinha Grande, que numa alegria e dedicação empenhada, revestida de humildade e serviço permanente, nos têm conduzido nos caminhos de Deus, em Igreja.

Joaquim Mexia Alves

01 agosto, 2011

O Espírito é água que cura e fertiliza


Como já tivemos ocasião de ver, o Espírito é simbolizado pela água. O próprio Jesus afirma no último dia da Festa dos Tabernáculos: “Se alguém tem sede venha a Mim e beba! Do seio daquele que acredita em Mim correrão rios de água viva” (Jo 7,37-38). E o evangelista acrescenta que esse rio de água viva era o Espírito Santo que deveriam receber aqueles que n’Ele acreditassem.
Este texto faz eco de outros da Escritura, como o do profeta Ezequiel em que a água viva sai do lado direito do altar e fez uma corrente tão grande que não se podia atravessar e, dum lado e de outro da torrente havia árvores que davam folhas e frutos, doze vezes ao ano, uma vez cada mês, e serviam para curar todas as doenças ( Cf Ez 44,9 e segs.). E o Apocalipse termina falando da árvore da Vida no meio da praça, com o rio de um lado e de outro. Este rio vem do trono do Cordeiro e dá à árvore o dom de dar folhas e frutos doze vezes ao ano, servindo para curar todas as nações ( Cf Ap 22, 1-39).
Se em Ezequiel a água vem do lado direito do altar, como na Cruz, do lado de Cristo morto, no Apocalipse vem do trono do Cordeiro, que é Jesus que foi imolado e que agora vive. O Espírito é água que cura as doenças, que sara as feridas, que purifica a imundície. Doenças que são pecado: orgulho, vaidade, soberba, ódio, rancores, injustiça, maldade, depravação moral, vícios, etc. O Espírito cura, a graça é medicinal, pois não só perdoa mas vai curando o nosso interior da pior doença, que é o pecado. O Espírito vai sarando as feridas, os traumas, aquilo que é consequência em nós do pecado original, aquilo que é mazela das nossas próprias iniquidades. O Espírito, como água divina, vai purificando, lavando as nossas imundícies, vai lavando aquilo que em nós são resíduos do mistério da iniquidade, das subtilezas do pecado que sempre suja a alma e o coração. O Espírito, como água divina, é graça que nos vai restaurando por dentro, na medida em que cura e sara, que é medicina divina e que purifica. Faz-nos ser outros homens e outras mulheres, pelo seu poder, pela sua acção. Vai suprindo lacunas, curado traumas, fazendo de nós criaturas novas. Mas o Espírito, como água divina, vai fertilizando, como a água natural faz a um canteiro de flores ou a um campo de cereais.
A vida nova vem pela água, que é seiva divina, que dá novo vigor, que faz frutificar em obras de bondade e de misericórdia.
A santidade é obra deste Espírito, desta água divina, assim como é obra d’Ele, o nosso crescimento espiritual, a vitalidade e a fertilidade espiritual das nossas vidas.
Sem Espírito ficamos raquíticos, infrutíferos, infecundos na ordem da graça e da santidade. Com o Espírito tudo toma vida nova, novo vigor, tudo dá mais fruto, tudo é fertilizado em abundância. Sem Ele continuamos apáticos, tíbios, anémicos, mas com Ele, com essa divina água, tudo reverdece e frutifica, dá frutos de caridade e de justiça, flores de amor, bondade, serviço, delicadeza.
Cada um de nós, as nossas famílias, a nossa paróquia, a nossa diocese, a Igreja e a Humanidade, precisam dessa água que vem do altar, que brota do trono do Cordeiro, que faz frutificar o mundo e o fará melhor, mais justo, mais pacífico, mais fraterno, com menos males, menos pecados, menos mortes, menos fome, menos miséria moral e social. Daqui nasce a necessidade de rezarmos muito ao Espírito para que nos cure, nos purifique, nos faça novas criaturas, que transforme e cura as nações e a Humanidade inteira, que nos ajude a frutificar, pois Ele é seiva divina no nosso interior.
Dário Pedroso, s.j.
Labat, 12 de Setembro de 2003