05 agosto, 2011

O Deus do silêncio e o Deus da acção


Sempre que falamos de Deus, falamos da sua natureza, pessoa, títulos, atributos divinos, poder e acção na história. É a chamada “História da Salvação” exarada na Bíblia.

Mas a Bíblia também nos fala do Deus-sem-fala.
Em teologia há, de facto, duas maneiras de compreender Deus: o Deus da acção ou Deus catafático e o Deus do silêncio e do mistério ou Deus apofático.
A estas duas maneiras de compreender Deus corresponde, respectivamente, a teologia positiva e a teologia negativa.
A teologia positiva ou “catafática” é a teologia da “afirmação”, a partir dos relatos bíblicos. Nesses relatos, Deus é afirmado como criador do universo, criador de um povo “eleito”, judeus ou cristãos, com quem estabelece um pacto – um povo, uma lei, uma terra para os judeus, ou, um povo, uma igreja (uma Escritura Sagrada, para os protestantes) e um Salvador universal.
Nesta teologia da criação histórica, Deus é o Deus do bom, do belo e da liberdade. Na liturgia hímnica do primeiro capítulo do Génesis, o refrão “e viu Deus que era bom” aparece cinco vezes (Gn 1, 13. 18. 21. 25. 31).
A partir do facto teológico da criação e da bondade da mesma, os crentes judeus e cristãos servem-se da analogia da criação e sua bondade, sempre pela afirmativa, para afirmarem a natureza e a pessoa de Deus: bondade, omnipotência, Senhor da vida e da morte, do bem e do mal, do julgamento final, última palavra na condução da história.
A teologia apofática é a da não-afirmação. Se Deus é criador, bom, justo, atento ao seu povo escolhido, é sempre por analogia com as realidades humanas.
A teologia apofática ou negativa fundamenta-se, pois, na ultrapassagem de uma hermenêutica da afirmação, como dado absoluto da natureza de Deus, para uma outra, a da não-afirmação, pondo o acento na inefabilidade do próprio Deus. Deus é sempre o totalmente Outro, inatingível, indizível, transcendente a tudo o que seja analogia e criação. Desta teologia escreveu muito o Pseudo Dionísio (séculos IV-VI d. C. ) e o cardeal Nicolau de Cusa (séc. XIV d. C. ). Desta teologia expressam-se teólogos e poetas, sobretudo o grande S. João da Cruz. Mas também Sophia Mello Breyner e tantos místicos e místicas.
A Bíblia também é pródiga nesta teologia, a começar pela intervenção do Deus da história quando se confronta a primeira vez com Moisés ao responder-lhe que se chama EU-SOU-O- QUE-SOU. Deus é o inefável, o sem-nome, o Deus da sarça ardente, que arde e não queima.
Em Is 45, 15, o profeta exprime-se: “Na verdade vós sois um Deus escondido (missetater), o Deus de Israel, o salvador”).
Em Is 55, 8-9 é Deus, pela boca do profeta a dizer de si mesmo: “Os meus planos não são os vossos planos, / os vossos caminhos não são os meus caminhos. / Tanto quanto os céus estão acima da terra, / assim os meus caminhos são mais altos que os vossos, / e os meus planos, mais altos que os vossos planos”.
No Novo Testamento lemos em Jo 1, 18: “A Deus jamais alguém o viu”. Em Rm 11, 33-36, S. Paulo canta o hino: “Oh, que profundidade de riqueza, / de sabedoria e de ciência é a de Deus! / Como são insondáveis as suas decisões / e impenetráveis os seus caminhos! / Quem conheceu o pensamento do Senhor? / Quem lhe serviu de conselheiro? / Quem antes lhe deu a Ele, / para que lhe seja retribuído? /Porque é dele, por Ele / e para Ele que tudo existe. / Glória a Ele pelos séculos! Ámen.” Na 1Tm 6, 15-16, o autor escreve: “Esta manifestação [a parusia] será feita nos tempos estabelecidos, / pelo bem-aventurado e único Soberano, / o Rei dos reis e Senhor dos senhores, / o único que possui a imortalidade, / que habita numa luz inacessível, / que nenhum homem viu nem pode ver. / A Ele, honra e poder eterno! / Ámen!”.
Os textos falam por si. São claros, evidentes, definitivos. Mas estes textos ao apresentarem o Deus apofático, o do silêncio, do mistério, do inefável, do dizer-não-dizer, do falar-sem-falar, não significa que neguem a pessoa de Deus como pessoa. Deus não é pura energia, puro silêncio ou murmúrio, mas também é murmúrio e vento e espírito (Espírito).

Pe. Joaquim Carreira das Neves, OFM.
Labat n.º 69 de Fevereiro de 2007

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