HOMILIA DO PAPA BENTO XVI
Basílica Vaticana
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Ilustres Senhores e Senhoras,
Amados irmãos e irmãs!
O milagre da cura do cego Bartimeu ocupa uma posição significativa na
estrutura do Evangelho de Marcos. De facto, está colocado no fim da secção
designada «viagem para Jerusalém», isto é, a última peregrinação de Jesus para
a Cidade Santa, para a Páscoa em que, como Ele sabe, O aguardam a paixão, a morte
e a ressurreição. Para subir a Jerusalém a partir do vale do Jordão, Jesus
passa por Jericó, e o encontro com Bartimeu tem lugar à saída da cidade,
«quando – observa o evangelista – [Jesus] ia a sair de Jericó com os seus
discípulos e uma grande multidão» (10, 46), a mesma multidão que, dali a pouco,
aclamará Jesus como Messias na sua entrada em Jerusalém. Precisamente na
estrada estava sentado a mendigar Bartimeu, cujo nome significa «filho de
Timeu», como diz o próprio evangelista. Todo o Evangelho de Marcos é um
itinerário de fé, que se desenvolve gradualmente na escola de Jesus. Os
discípulos são os primeiros actores deste percurso de descoberta, mas há ainda
outros personagens que desempenham papel importante, e Bartimeu é um deles. A
sua cura prodigiosa é a última que Jesus realiza antes da sua paixão, e não é
por acaso que se trata da cura dum cego, isto é, duma pessoa cujos olhos
perderam a luz. A partir de outros textos, sabemos também que a condição de
cegueira tem um significado denso nos Evangelhos. Representa o homem que tem
necessidade da luz de Deus – a luz da fé – para conhecer verdadeiramente a
realidade e caminhar pela estrada da vida. Condição essencial é reconhecer-se
cego, necessitado desta luz; caso contrário, permanece-se cego para sempre (cf.
Jo 9, 39-41).
Situado naquele ponto estratégico da narração de Marcos, Bartimeu é
apresentado como modelo. Ele não é cego de nascença, mas perdeu a vista: é o
homem que perdeu a luz e está ciente disso, mas não perdeu a esperança, sabe
agarrar a possibilidade deste encontro com Jesus e confia-se a Ele para ser
curado. Na realidade, ouvindo dizer que o Mestre passa pela sua estrada, grita:
«Jesus, filho de David, tem misericórdia de mim!» (Mc 10, 47), e
repete-o vigorosamente (v. 48) E quando Jesus o chama e lhe pergunta que quer
d’Ele, responde: «Mestre, que eu veja!» (v. 51). Bartimeu representa o homem
que reconhece o seu mal, e grita ao Senhor com a confiança de ser curado. A sua
imploração, simples e sincera, é exemplar, tendo entrado na tradição da oração
cristã da mesma forma que a súplica do publicano no templo: «Ó Deus, tem
piedade de mim, que sou pecador» (Lc 18, 13). No encontro com Cristo,
vivido com fé, Bartimeu readquire a luz que havia perdido e, com ela, a
plenitude da sua própria dignidade: põe-se de pé e retoma o caminho, que desde
então tem um guia, Jesus, e uma estrada, a mesma que Jesus percorre. O
evangelista não nos diz mais nada de Bartimeu, mas nele mostra-nos quem é o
discípulo: aquele que, com a luz da fé, segue Jesus «pelo caminho» (v. 52).
Num dos seus escritos, Santo Agostinho observa um particular acerca da
figura de Bartimeu, que pode ser interessante e significativo também hoje para
nós. O santo Bispo de Hipona reflecte sobre o facto de Marcos referir, neste
caso, não só o nome da pessoa que é curada, mas também de seu pai, e chega à
conclusão de que «Bartimeu, filho de Timeu, era um personagem decaído duma
situação de grande prosperidade, e a sua condição de miséria devia ser
universalmente conhecida e de domínio público, enquanto não era apenas cego,
mas um mendigo que estava sentado na berma da estrada. Por esta razão, Marcos
não o quis recordar só a ele, porque o facto de ter recuperado a vista conferiu
ao milagre tão grande ressonância como grande era a fama da desventura que
atingira o cego» (O consenso dos evangelistas, 2, 65, 125: PL 34,
1138) . Assim escreve Santo Agostinho!
Esta interpretação de Bartimeu como pessoa decaída duma condição de «grande
prosperidade» é sugestiva, convidando-nos a reflectir sobre o facto que há
riquezas preciosas na nossa vida que podemos perder e que não são materiais.
Nesta perspectiva, Bartimeu poderia representar aqueles que vivem em regiões de
antiga evangelização, onde a luz da fé se debilitou, e se afastaram de Deus,
deixando de O considerarem relevante na própria vida: são pessoas que deste
modo perderam uma grande riqueza, «decaíram» duma alta dignidade – não
económica ou de poder terreno, mas a dignidade cristã –, perderam a orientação
segura e firme da vida e tornaram-se, muitas vezes inconscientemente, mendigos
do sentido da existência. São as inúmeras pessoas que precisam de uma nova
evangelização, isto é, de um novo encontro com Jesus, o Cristo, o Filho de Deus
(cf. Mc 1, 1), que pode voltar a abrir os seus olhos e ensinar-lhes a
estrada. É significativo que, no momento em que concluímos a Assembleia sinodal
sobre a Nova Evangelização, a Liturgia nos proponha o Evangelho de Bartimeu.
Esta Palavra de Deus tem algo a dizer de modo particular a nós que nestes dias
nos debruçamos sobre a urgência de anunciar novamente Cristo onde a luz da fé
se debilitou, onde o fogo de Deus, à semelhança dum fogo em brasas, pede para
ser reavivado a fim de se tornar chama viva que dá luz e calor a toda a casa.
A nova evangelização diz respeito a toda a vida da Igreja. Refere-se, em
primeiro lugar, à pastoral ordinária que deve ser mais animada pelo fogo do
Espírito a fim de incendiar os corações dos fiéis que frequentam regularmente a
comunidade reunindo-se no dia do Senhor para se alimentarem da sua Palavra e do
Pão de vida eterna. Aqui gostaria de sublinhar três linhas pastorais que
emergiram do Sínodo. A primeira diz respeito aos Sacramentos da iniciação
cristã. Foi reafirmada a necessidade de acompanhar, com uma catequese
adequada, a preparação para o Baptismo, a Confirmação e a Eucaristia; e
reiterou-se também a importância da Penitência, sacramento da misericórdia de
Deus. É através deste itinerário sacramental que passa o chamamento do Senhor à
santidade, que é dirigido a todos os cristãos. Na realidade, várias vezes se
repetiu que os verdadeiros protagonistas da nova evangelização são os santos:
eles falam, com o exemplo da vida e as obras da caridade, uma linguagem
compreensível a todos.
Em segundo lugar, a nova evangelização está essencialmente ligada à missão
ad gentes. A Igreja tem o dever de evangelizar, de anunciar a mensagem da
salvação aos homens que ainda não conhecem Jesus Cristo. No decurso das
próprias reflexões sinodais, foi sublinhado que há muitos ambientes em África,
na Ásia e na Oceânia, onde os habitantes aguardam com viva expectativa – às
vezes sem estar plenamente conscientes disso – o primeiro anúncio do Evangelho.
Por isso, é preciso pedir ao Espírito Santo que suscite na Igreja um renovado
dinamismo missionário, cujos protagonistas sejam, de modo especial, os agentes
pastorais e os fiéis leigos. A globalização provocou um notável deslocamento de
populações, pelo que se impõe a necessidade do primeiro anúncio também nos
países de antiga evangelização. Todos os homens têm o direito de conhecer Jesus
Cristo e o seu Evangelho; e a isso corresponde o dever dos cristãos – de todos
os cristãos: sacerdotes, religiosos e leigos – de anunciarem a Boa Nova.
Um terceiro aspecto diz respeito às pessoas baptizadas que, porém, não
vivem as exigências do Baptismo. Durante os trabalhos sinodais, foi posto
em evidência que estas pessoas se encontram em todos os continentes,
especialmente nos países mais secularizados. A Igreja dedica-lhes uma atenção
especial, para que encontrem de novo Jesus Cristo, redescubram a alegria da fé
e voltem à prática religiosa na comunidade dos fiéis. Para além dos métodos
tradicionais de pastoral, sempre válidos, a Igreja procura lançar mão de novos
métodos, valendo-se também de novas linguagens, apropriadas às diversas
culturas do mundo, para implementar um diálogo de simpatia e amizade que se
fundamenta em Deus que é Amor. Em várias partes do mundo, a Igreja já encetou
este caminho de criatividade pastoral para se aproximar das pessoas afastadas
ou à procura do sentido da vida, da felicidade e, em última instância, de Deus.
Recordamos algumas missões urbanas importantes, o «Átrio dos Gentios», a missão
continental, etc.. Não há dúvida que o Senhor, Bom Pastor, abençoará
abundantemente estes esforços que nascem do zelo pela sua Pessoa e pelo seu
Evangelho.
Queridos irmãos e irmãs, Bartimeu, uma vez obtida novamente a vista graças a
Jesus, juntou-se à multidão dos discípulos, entre os quais havia seguramente
outros que, como ele, foram curados pelo Mestre. Assim são os novos
evangelizadores: pessoas que fizeram a experiência de ser curadas por Deus,
através de Jesus Cristo. Eles têm como característica a alegria do coração, que
diz com o Salmista: «O Senhor fez por nós grandes coisas; por isso, exultamos
de alegria» (Sal 126/125, 3). Com jubilosa gratidão, hoje também nós nos
dirigimos ao Senhor Jesus, Redemptor hominis e Lumen gentium,
fazendo nossa uma oração de São Clemente de Alexandria: «Até agora errei na
esperança de encontrar Deus, mas porque Vós me iluminais, ó Senhor, encontro
Deus por meio de Vós, e de Vós recebo o Pai, torno-me herdeiro convosco, porque
não Vos envergonhastes de me ter por irmão. Cancelemos, portanto, cancelemos o
esquecimento da verdade, a ignorância; e, removendo as trevas que nos impedem de
ver como a névoa nos olhos, contemplemos o verdadeiro Deus...; já que, sobre
nós sepultados nas trevas e prisioneiros da sombra da morte, brilhou uma luz do
céu [luz] mais pura que o sol, mais doce que a vida nesta terra » (Protrettico,
113, 2–114, 1). Amen.
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