“Reconhecer o Senhor na Sua Cruz”
Homilia na
Solenidade da Dedicação da Sé Patriarcal e Abertura
Diocesana do Ano da Fé
Sé
Patriarcal, 25 de Outubro de 2012
1. Ano da
Fé! Convite do Santo Padre a aprofundar a realidade da nossa vida. A fé é uma
atitude exigente, que não nos oferece a experiência sensível das outras
realidades, mas introduz na nossa vida uma realidade decisiva: a pessoa de
Jesus Cristo, Filho de Deus feito Homem, que morreu por nós e venceu
definitivamente a morte, fazendo-nos participantes dessa vitória. Ouvimos a
Carta aos Hebreus: “A fé é um modo de possuir já aquilo que se espera, é um
meio de conhecer realidades que não se vêem” (He. 11,1). E dessas realidades a
primeira e decisiva é Jesus Cristo, Filho de Deus e Homem real, que nos convida
a unirmo-nos a Ele para fazermos juntos a caminhada da vida.
Uma das
fragilidades da fé é não vivermos esse realismo da pessoa de Jesus na nossa
vida, Ele que uniu a nossa humanidade à Sua para caminharmos juntos em direcção
à vida plena e definitiva. No encontro com Jesus Cristo, na fé, está sempre
presente a esperança dessa etapa definitiva. Voltemos a meditar a Carta aos
Hebreus que há pouco escutámos: “Necessitais apenas de perseverança, a fim de
cumprirdes a vontade de Deus, e assim alcançardes o que Ele prometeu. Porque
falta apenas um pouco e Aquele que deve vir vai chegar e não tardará” (He.
10,37-37).
2. A
dificuldade deste realismo no reconhecer Jesus Cristo na totalidade de sentido
da Sua existência sentiram-na os Apóstolos quando o Senhor ressuscitado lhes
aparece. Para eles a humanidade do Homem Jesus tinha acabado no Sepulcro.
Aquela figura que lhes aparece pode ser um espírito qualquer, mas não é o
Senhor. E quais são os sinais que Ele, agora glorioso, usa para os levar a
aceitar o realismo da Sua Pessoa e daquela aparição? Os sinais da Sua paixão.
Diz a Tomé, o mais renitente em acreditar: “Chega aqui o teu dedo e vê as
minhas mãos. Estende a tua mão e mete-a no meu lado. Não sejas incrédulo, mas
crente” (Jo. 20,27). O Corpo glorioso do Senhor não podia ter as marcas do
suplício da Cruz. Se Cristo as mostra é porque sabe, misteriosamente, que a identificação
do ressuscitado passa pela identificação do crucificado.
É na
Eucaristia, principal sacramento da nossa fé que este realismo da Cruz nos leva
a encontrar o ressuscitado. “Tomai e comei, isto é o Meu Corpo entregue por
vós”. “Tomai e bebei, este é o cálice do Meu sangue… derramado por vós”. Na
Eucaristia, no mesmo acto em que, como povo sacerdotal, nos unimos a Cristo
glorioso para oferecer a Deus Pai o sacrifício redentor, confrontamo-nos sempre
com o realismo da Cruz. A Eucaristia celebra a actualidade do sacrifício
redentor de Cristo e esse acontece na Cruz e encontra a sua plenitude na
ressurreição. O Cristo que vem ao nosso encontro, na fé, que quer caminhar
connosco até ao triunfo da vida, continua a ser o crucificado ressuscitado. É
por isso que, na Liturgia, é obrigatório quer a Cruz presida ao altar da
Eucaristia.
3. Como o
Senhor mostrou aos Apóstolos ao aparecer-lhes depois da ressurreição, os sinais
que nos dá para a sua identificação realista são os da Sua paixão: toca aqui
nas minhas chagas e não sejas incrédulo. A nós diz-nos: se me queres encontrar
glorioso na celebração eucarística, na adoração da Minha presença real no meio
de vós, contempla a minha Cruz. Isto leva-nos a meditar sobre o papel da Cruz,
da adoração da Cruz do Senhor na nossa caminhada de fé. Esta presença do
crucificado na adoração do Cristo glorioso é própria da fé, isto é, de uma fase
da nossa vida em que precisamos, para identificar o Senhor, do realismo de
sinais sensíveis. E para o autor da Carta aos Hebreus, o justo vive da fé (cf.
He. 10,38).
Viver da fé,
encontrarmo-nos com Cristo, na fé, identificando a nossa vida com a d’Ele,
leva-nos a ansiar pela plenitude da vida, mas também a viver a nossa cruz, a
realidade do sofrimento da nossa vida, participando do amor, da coragem e da
esperança com que Ele abraçou a sua Cruz. Não é por acaso que é nessa coragem
de abraçar a própria cruz, que encontramos mais realisticamente o Cristo
glorioso. É nessa experiência de dom e de oferta da nossa própria vida que
cresce em nós, em alegria libertadora, a esperança da vida eterna, que outra
coisa não é do que a vontade de, em toda a nossa vida, seguir o Senhor, agora e
até ao fim.
Dessa
identificação com o crucificado, brota a sabedoria, isto é, a compreensão da
vida, da sua beleza e do seu segredo. Como dizia a primeira leitura, não a
podemos encontrar nas coisas preciosas deste mundo; ela está ligada à plenitude
de Jesus Cristo. “Amei-a mais do que a saúde e a beleza e decidi tê-la como
luz, porque o seu brilho jamais se extingue” (Sab. 7,10-11).
4. Neste Ano
da Fé, contemplemos a Cruz de Cristo, na ansia de participar na sua glória, e
procuremos aí a luz, a força e o sentido da nossa caminhada na vida.
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