“O Banquete está preparado”
Homilia no encerramento do Encontro Diocesano das Famílias por ocasião do Jubileu Sacerdotal
Escola Salesiana do Estoril, 9 de Outubro de 2011
1. A salvação é uma festa, porque é experiência de alegria vivida com Deus em comunidade. Na tradição bíblica esta festa da salvação aparece frequentemente ligada ao banquete. A Ceia Pascal era para os crentes do Antigo Testamento a ocasião de fazer festa e sentir a alegria da salvação, porque Deus salvou o seu Povo. A família reunida, comendo o cordeiro pascal, ouvia essa história maravilhosa do amor de Deus pelo seu Povo. Isaías ao anunciar que Deus continua a salvar anuncia um grande banquete que reunirá no Monte Sião todos aqueles que, vindo de todos os povos, quiseram vir à festa da salvação.
Jesus inaugura a sua missão pública num banquete nupcial, a festa das núpcias, onde, ao transformar a água em vinho, inaugura o vinho novo, a dimensão definitiva da festa, ligada à sua Páscoa, o verdadeiro vinho novo para a festa definitiva, que a Igreja, o verdadeiro Montei Sião, celebra na Eucaristia, saboreando, desde já, a festa das núpcias do Cordeiro. Nesse dia do Banquete das Núpcias, “o Senhor enxugará as lágrimas de todas as faces e fará desaparecer da terra inteira o opróbrio que pesa sobre o seu Povo” (Is. 25,8). E o Profeta acrescenta que tudo isso acontecerá “porque o Senhor falou”. A Palavra de Deus está no centro da festa das núpcias.
2. Esta afirmação do Profeta convida-nos a meditar sobre a centralidade da Palavra de Deus e a família cristã como vivência do sacramento do matrimónio. Fá-lo-emos guiados pela Exortação Apostólica “Verbum Domini” (cf. nº 85). Começa por afirmar que “com o anúncio da Palavra de Deus, a Igreja revela à família cristã a sua verdadeira identidade, o que ela é e deve ser segundo o desígnio do Senhor”. Portanto, só escutando a Palavra de Deus, a família cristã vai percebendo a beleza da sua especificidade. Não basta casar na Igreja; a própria preparação do casamento cristão tem de ser feita na escuta da Palavra, que deve acompanhar os esposos cristãos na vivência da fidelidade, no sentido do seu amor como experiência de caridade, na colaboração íntima com Deus, autor e Senhor da vida, na fecundidade e no respeito sagrado pela vida. O matrimónio é um longo caminho, guiado pela Palavra, que só terminará quando, na Casa do Pai, tiverem a alegria de perceber que as suas núpcias foram a inauguração das núpcias eternas, as núpcias do Cordeiro com a Igreja, sua esposa.
3. A Palavra de Deus revela, desde o início, o mistério das núpcias humanas, expressão criada da íntima comunhão entre as Pessoas divinas: “Deus criou o homem à Sua imagem, à imagem de Deus Ele o criou; e criou-os homem e mulher. Deus abençoou-os e disse-lhes: sede fecundos” (Gen. 1,27-28). “Por isso um homem deixa seu pai e sua mãe e une-se à sua mulher e os dois tornam-se uma só carne” (Gen. 2,24).
Sem anular a sua diferença, serem um só, na comunhão de amor; é isso a imagem de Deus Uno e Trino. Neste serem um só, na totalidade do seu ser, corpo e espírito, os esposos realizam o desígnio de Deus. Devido à fragilidade do pecado, só em Cristo o casal cristão retoma a possibilidade de serem um só. Cristo torna-se, assim, o protagonista principal do amor conjugal cristão e deu à própria expressão da natureza a força de ser sinal sacramental. A Exortação Apostólica afirma: “na celebração sacramental, o homem e a mulher pronunciam uma palavra profética de doação recíproca: ser uma só carne, sinal do mistério da união de Cristo e da Igreja”. Porque é em Cristo que encontram a força para viverem plenamente a vocação impressa na natureza, cada casal cristão anuncia esse mistério da união de Cristo com a Igreja. A Carta aos Efésios é clara: “Por isso o homem deixará seu pai e sua mãe e une-se à sua mulher, e os dois serão uma só carne. Este mistério é grande: eu refiro-me a Cristo e à Igreja” (Efes. 4, 31).
Cada casal cristão torna-se, assim, na vivência da sua comunhão conjugal, um anúncio de Jesus Cristo e do seu amor à Igreja, que ama como uma esposa.
4. Segundo a “Verbum Domini”, a Palavra de Deus é luz de discernimento para os casais cristãos interpretarem a realidade concreta, do casal e da sociedade e sua interferência inevitável na família. Este aspecto é particularmente importante numa sociedade que se afastou de uma visão cristã da vida e não hesita em afastar-se da verdade da natureza, fruto da criação de Deus. Só a Palavra de Deus pode guiar os esposos cristãos no discernimento dos problemas e dificuldades segundo o desígnio de Deus. Citemos a Exortação Apostólica: “A fidelidade à Palavra de Deus leva também a evidenciar que hoje esta instituição encontra-se, em muitos aspectos, sujeita a ataques pela mentalidade corrente. Perante a difundida desordem dos sentimentos e o despontar de modos de pensar que banalizam o corpo humano e a diferença sexual, a Palavra de Deus reafirma a bondade originária do ser humano, criado como homem e mulher e chamado ao amor fiel, recíproco e fecundo”.
Esta centralidade da Palavra deve orientar os pais na educação dos seus filhos. “Do grande mistério nupcial deriva uma imprescindível responsabilidade dos pais em relação aos seus filhos. De facto, pertence à autêntica paternidade e maternidade a comunicação e o testemunho do sentido da vida em Cristo: através da fidelidade e unidade da vida familiar, os esposos são, para os seus filhos, os primeiros anunciadores da Palavra de Deus”.
5. É também à luz da Palavra de Deus que o homem e a mulher percebem a sua diferença, na unidade, segundo o desígnio de Deus. A Exortação Apostólica acentua a importância da Palavra de Deus para se descobrir a riqueza e a especificidade da mulher: a sua particular capacidade de escutar, a cada momento, a Palavra do Senhor e de a acolher num amor intenso. Ser mãe, ser esposa, ser mulher na Igreja, sublinha-a como aquela que dá prioridade ao amor, a ser, como o Espírito Santo, uma “explosão de amor”.
Termino com uma afirmação da “Verbum Domini”: “os esposos lembrem-se de que a Palavra de Deus é um amparo precioso inclusive nas dificuldades da vida conjugal e familiar”. Portanto não haverá autêntica pastoral familiar se não for centrada nesta escuta contínua da Palavra de Deus.
O banquete está preparado, mas os convidados não quiseram vir. O banquete das núpcias que vos espera é o das núpcias do Cordeiro. Somos todos convidados, por ele aspiramos todos os que seguimos Cristo. Somos todos convidados; mas é preciso vestir a veste nupcial que é a conversão do coração.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
Patriarcado de Lisboa
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