29 novembro, 2010

Homilia do Cardeal Patriarca de Lisboa, no 1.º Domingo do Advento

Mosteiro dos Jerónimos, 28 de Novembro de 2010
.
.
“A urgência da Esperança"
 
1. O tempo litúrgico que hoje iniciamos, preparação para a Festa do Natal do Senhor, propõe-nos a vivência e o aprofundamento da virtude teologal da esperança. E o momento presente da Igreja e da nossa sociedade sugerem-nos a urgência da esperança. É urgente viver da esperança. A Igreja, nas luzes e sombras do seu presente, só se pode lançar na aventura de uma nova evangelização se esperar que o fogo do Espírito a transformará e a identificará, cada vez mais, com o próprio Cristo. A nossa sociedade vai entrar num período difícil, que todos conhecemos, que só não será destruidor se for vivido com a grandeza da esperança.
A esperança é uma virtude teologal, porque só o amor de Deus a pode suscitar no nosso coração, dando dimensão nova às esperanças humanas, à espontânea capacidade humana de confiar e esperar. A esperança brota da fé e alimenta-se da caridade. Brota da fé enquanto adesão confiante a Jesus Cristo. E quando se escolhe seguir Jesus Cristo, aprendemos a não fundamentar a nossa confiança e a nossa capacidade de lutar apenas nas forças humanas, mas no seu amor. São Paulo é claro, quase violento, na instrução que dá aos cristãos de Roma: “não vos preocupeis com a natureza carnal (…) mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rom. 13,14). É esta relação forte com Jesus Cristo, que transforma a nossa vida, que é o fundamento da nossa esperança. É por isso que ela se alimenta da caridade, esse ser tocado desde já pela voragem do amor de Deus, sem poder ainda fruir da sua plenitude. É aí que aprendemos verdadeiramente o que é o amor, de Deus e dos irmãos. Procurar ser fiel, na nossa vida, a essa relação de amor, é aproximarmo-nos sempre mais da plenitude do amor, é sentir que a nossa salvação está mais próxima. É ainda Paulo quem o afirma: “a salvação está agora mais perto de nós do que quando abraçámos a fé” (Rom. 13,11). Quanto mais nos envolvermos com Jesus Cristo, em fidelidade de amor, mais perto estamos da salvação, na vivência que dela é possível neste mundo, pois a sua plenitude só a alcançaremos na pátria celeste.
.
2. Quanto mais profunda for a relação de fé e amor de cada cristão e de toda a comunidade dos crentes a Jesus Cristo, mais a Igreja vive da esperança. A nova evangelização há-de acontecer ao ritmo da esperança. A Palavra de Deus deste domingo, objectiva essa esperança na construção de um mundo novo, uma sociedade mais harmónica e pacífica, mais justa e fraterna, que encontra na acção do Espírito de Deus e no amor generoso dos seus membros a força que a constrói e transforma, como antecipação da cidade definitiva. Isaías anuncia a esperança de Israel, Povo de Deus, por Ele conduzido: nessa cidade renovada, “converterão as espadas em relhas de arado e as lanças em foices. Não levantará a espada nação contra nação, nem mas se hão-de preparar para a guerra. Vinde, ó Casa de Israel, caminhemos à luz do Senhor” (Is. 2,4-5). Essa é a missão dos cristãos no mundo: ter objectivos grandiosos para a edificação da nossa sociedade, trabalhar com todos os meios humanos, transformando-os continuamente, dando-lhes um sentido novo. O desafio do profeta pode traduzir-se, assim, como mensagem à Igreja de hoje: Vinde, Igreja do Senhor, caminhemos à luz de Cristo. E isso significa, também, preparar o coração para a última revelação de Jesus Cristo, para a última vinda do Filho do Homem (cf. Mt. 24,37-44). Estar preparado para essa última vinda, é, também, construir o mundo presente com as marcas da cidade definitiva.
Há, na Igreja de hoje, sinais que fundamentam a nossa esperança. O mais visível é hoje este grupo de jovens que entregam a sua vida ao serviço dos irmãos, com o ardor do amor de Jesus Cristo. Na ordenação diaconal, recebem a graça e a força de servir. E servir sempre, a todos e em todas as circunstâncias, só é possível amando, deixando-se transformar pela caridade de Jesus Cristo. Queridos ordinandos, só sereis sinais de esperança e agentes de uma nova evangelização, se desejardes muito viver a vossa vida como um caminho de santidade.
Mas são também sinais de esperança todos aqueles e aquelas que desejam mergulhar profundamente no amor, que não fogem do mundo e das suas realidades, o trabalho, a cultura, a acção política, mas procuram vivê-las com a luz de Cristo, dando-lhe a força e a fecundidade transformadora que tem a sua fonte no Espírito de Deus. Não se trata de rejeitar os instrumentos próprios do mundo, substituindo-os por dimensões religiosas; trata-se, isso sim, de os utilizar com um novo ardor. A Igreja só será fermento da transformação do mundo, se se transformar continuamente a si mesma, pelos caminhos da santidade. É a sua fidelidade que fundamenta a sua esperança de contribuir para uma nova qualidade humana de toda a sociedade.
.
3. No momento presente da nossa sociedade, com a austeridade anunciada pelo Orçamento do Estado para 2011, é preciso que todos os cristãos vivam essa situação com o vigor da esperança e ajudem toda a sociedade a fazer da esperança a atitude de fundo na nossa reacção colectiva. Não me compete a mim, nem é este o momento, pronunciar-me sobre a justeza das soluções adoptadas ou das causas que nos levaram a esta situação. Solução inevitável, consideraram muitos, solução obrigatória, porque decidida por quem tem o dever de decidir. A escolha é agora da atitude com que enfrentamos a situação: derrotados, revoltados, ou com a dignidade e a nobreza da esperança? E esta será impossível sem a generosidade do amor e do espírito de serviço. Somos chamados a viver a austeridade exigida a cada um, como um serviço ao bem de todos, como um contributo pessoal para o bem-comum, que deve prevalecer sempre sobre a busca do bem pessoal de cada um. Se reagirmos na esperança, muitos perceberão que, para além dos sacrifícios que lhe foram impostos pela Lei, a sua generosidade se deve alargar na partilha com aqueles a quem a situação lançou em situação de pobreza. Que cada um esteja atento ao seu próximo, isto é, ao seu vizinho, não hesitando em partilhar. A esperança ajudar-nos-á a fazer desta circunstância um grande momento de solidariedade. Então contribuiremos para salvar, não apenas a economia, mas a verdadeira alma do Povo que queremos ser.
.
4. No Advento, Maria é o ícone da esperança. Ela está de esperanças, e no seu coração de mulher vive a maternidade como encarnação da esperança. No amor do seu Filho que traz no seu seio, ela abraça o mundo com a força do amor de Deus. É que amar aquele Filho é mergulhar no amor de Deus e no Deus amor. Ela vive, como nenhuma outra criatura, o amor como fonte da esperança. Na sua maternidade universal, envolve a humanidade nesse abraço do amor redentor e ensinar-nos-á que é possível viver tudo na esperança, mesmo os momentos mais difíceis da nossa vida terrena. Ela ensina-nos que a esperança se fortalece na caridade.

Mosteiro dos Jerónimos, 28 de Novembro de 2010

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
Fonte: www.agencia.ecclesia.pt

Sem comentários:

Enviar um comentário