Série: Reflexão sobre "O que é o Renovamento Carismático" - Tema II)
Diác. João Carmona |
O Concílio Vaticano II foi convocado pelo Papa João XXIII sob a expressa invocação de um Novo Pentecostes para a Igreja. Foi esta a súplica que o Papa, em 1961 incluiu na Humanae Salutis: «Ó Espírito Santo enviado pelo Pai em nome de Jesus, que assistes a Igreja com a Tua presença e a diriges infalivelmente, digna-Te, nós Te pedimos, derramar a plenitude dos Teus dons sobre o Concílio Ecuménico. […] Renova neste nosso tempo as Tuas maravilhas, como num novo Pentecostes» .
Ora as primeiras manifestações do Renovamento Carismático Católico são referidas no começo de 1967, e há notícias de experiências espirituais carismáticas já no ano de 1966, imediatamente após o termo do Concílio Vaticano II.
No Concílio Vaticano II, uma das emendas mais significativas que foram introduzidas nos esquemas preparatórios da Constituição sobre a Igreja incidiu sobre o papel do Espírito Santo. Na Constituição Lumen Gentium, o dia de Pentecostes é apresentado como decisivo para a Igreja, que, efectivamente, tem «acesso ao Pai por Cristo, no único Espírito» (n. 4).
O Espírito assegura à Igreja «a unidade na comunhão e no serviço» (LG 4). É Ele quem distribui aos fiéis graças de toda a ordem, que os tornam disponíveis e capazes de assumir os diversos cargos e ofícios que são necessários à renovação e ao desenvolvimento da Igreja, porque é sempre «em vista do bem comum» que é concedido o dom do Espírito (1Cor 12, 7). Das mais espantosas às mais simples, essas graças são, antes de tudo, ajustadas às necessidades da Igreja e destinadas a responder a essas necessidades.
Paulo VI
Paulo VI, na alocução que pronunciou em 19 de Maio de 1975, perante dez mil participantes no Congresso Internacional do Renovamento Carismático, em Roma, disse: «A Igreja e o mundo têm, mais do que nunca, necessidade de que os prodígios de Pentecostes se renovem na história. […] Nada é mais necessário ao mundo, cada vez mais secularizado, do que o testemunho deste renovamento espiritual que nós vemos o Espírito Santo suscitar hoje nas mais diversas regiões e comunidades. […] Como é que, então, não haveríamos de considerar este renovamento espiritual como uma oportunidade para a Igreja e para o mundo? E como é que, nesta circunstância, poderíamos deixar de tomar todas as medidas necessárias para que ele continue? » .
João Paulo II
Em circunstâncias análogas, num discurso aos participantes no IV Congresso Internacional de lideres do Renovamento Carismático Católico, em 1981, o Papa João Paulo II confirmou a declaração de Paulo VI, dizendo: «O Papa Paulo VI descreveu o movimento do Renovamento no Espírito como uma oportunidade para a Igreja e para o mundo. E os seis anos que, entretanto, decorreram depois desse Congresso, bem justificaram a esperança inspirada por essa visão. A vossa reputação precede-vos, tal como o apóstolo Paulo na sua carta aos seus amados Filipenses, eu estou feliz de fazer ecoar no meu coração o mesmo sentimento: “Eu dou graças ao meu Deus todas sa vezes que penso em vós”(…). A Igreja viu os frutos da vossa dedicação à oração, num compromisso profundo pela santidade de vida e de amor à Palavra de Deus».
Por essa ocasião, João Paulo II introduziu uma importante referência ao papel dos sacerdotes no Renovamento Carismático. Desde o começo que leigos e sacerdotes estiveram juntos; todavia, o Renovamento alargou-se, por assim dizer, como um movimento laical do Povo de Deus – em união e atenção da hierarquia, mas também alvo de incompreensão de alguns padres.
A este propósito, João Paulo II disse: «O padre tem um papel único e indispensável a desempenhar no e para o Renovamento Carismático, do mesmo modo que para o conjunto da comunidade cristã. A sua missão não é nem oposta nem paralela ao do legítimo papel do laicado. […] O padre partilha a responsabilidade do bispo, de pregar o Evangelho. […] O padre, por seu lado, não pode exercer o seu serviço em favor do Renovamento a não ser que adopte uma atitude positiva a respeito do Renovamento, fundada sobre o desejo, partilhado com todos os cristãos baptizados, de acreditar nos dons do Espírito Santo».
Nesse mesmo discurso, João Paulo II entregou o Renovamento e a sua missão de renovação, a Nossa Senhora, com estas palavras: «E é a Maria, Mãe de Deus, sempre obediente ao impulso do Espírito Santo, que eu entrego, com toda a confiança, o vosso importante trabalho para a renovação na Igreja e da Igreja» .
E João Paulo II reafirma a confiança no Renovamento: «O vigor e os frutos do Renovamento dão testemunho da presença poderosa do Espírito Santo na Igreja durante estes anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II. Certamente que o Espírito Santo guiou a Igreja em todo o tempo, distribuindo uma grande variedade de dons entre os fiéis. Graças ao Espírito Santo, a Igreja conserva constantemente a sua juventude e a sua vitalidade. E o Renovamento Carismático é uma manifestação eloquente dessa vitalidade hoje, uma afirmação vigorosa do que o “Espírito diz às Igrejas” (Ap 2, 7)».
Bento XVI
Bento XVI não dirigiu palavras específicas para o Renovamento Carismático Católico, mas fornece-nos algumas informações que podem ser úteis para um entendimento inicial do pensamento do Papa.
- Primeiramente, o Cardeal Ratzinger conhece o Renovamento Carismático há muito tempo. Na realidade, ele estava entre os Consultores Teológicos para o primeiro documento de Malines, elaborado pelo Cardeal Suenens: "Orientações Teológicas e Pastorais sobre o Renovamento Carismático Católico” (21 – 26 de Maio de 1974). Isto é referido em L.J. Cardeal Suenens, The Holy Spirit – Life Breath of the Church, (O Espírito Santo – Sopro de Vida da Igreja) Vol. II, Fiat Association Ertvelde, 2002, Pág. 11, nota 1.
- O Cardeal Ratzinger também escreveu a Apresentação à Edição italiana do 4º documento de Malines: “Renovamento e Poder da Escuridão”. Isto é referido em L.J. Cardeal Suenens, Rinnovamento e Potenze delle tenebre – Orientamenti teologici e pastorali, Edições Paulinas, Roma, 1985, pp. 5-8.
- O Cardeal Ratzinger falou sobre o Renovamento Carismático em um livro escrito com o jornalista Vittorio Messori (mesmo jornalista que escreveu um livro com o Papa João Paulo II): "Ratzinger Report" ("Relatório de Ratzinger"). Aqui estão duas passagens do livro:
• "O que traz muita esperança a toda a igreja universal – mesmo no meio da crise que a Igreja atravessa no mundo ocidental – é o surgimento de novos movimentos que ninguém planejou e que ninguém trouxe, mas que simplesmente emergem da vitalidade interna da fé. O que se está tornando aparente nesses movimentos – embora muito tenuamente – é algo muito similar à um tempo Pentecostal na Igreja. Estou pensando, por exemplo, no movimento do Renovamento Carismático, no movimento Cursilho, Focolarini, Comunhão e Libertação, etc..
Acho maravilhoso que o Espírito é mais uma vez mais forte que os nossos programas e vem e se manifesta de forma diferente do que havíamos imaginado…Cresce em silêncio. Nossa tarefa – a tarefa dos organizadores na Igreja e dos teólogos – é manter a porta aberta para eles, é abrir espaço para eles..." (pp. 43-44).
• "O período que se seguiu ao Concílio mal parecia sobreviver às esperanças de João XXIII, que implorava por um ‘novo Pentecostes’. Mas sua oração não deixou de ser ouvida. No coração de um mundo dissecado pelo cepticismo racionalista, uma nova experiência do Espírito Santo surgiu, tornando-se um movimento mundial de renovação. O que o Novo Testamento descreve com referência aos carismas, como sinais visíveis da vinda do Espírito, não são mais antigos ou história passada - esta história está tornando-se uma realidade queimando em nós hoje” . (p.151).
- O Cardeal Ratzinger dirigiu-se ao Congresso mundial de Movimentos Eclesiais com uma reflexão teológica sobre os Movimentos Eclesiais na Igreja, um pouco antes do famoso Pentecostes de 1998, quando o Papa João Paulo II se encontrou com 300,000 representantes de vários Movimentos da Igreja Católica. Isto é referido em: Conselho Pontifício para os Leigos, Movements in the Church, Laity Today, Vatican City, 1999, pp. 23-51: "The Ecclesial Movements - A Theological Reflection on Their Place in thChurch".
- O Cardeal Sodano, Secretário de Estado do Vaticano, escreveu uma mensagem ao congresso nacional do Renovamento no Espírito na Itália, que reuniu 25,000 pessoas em Rimini alguns dias atrás. A carta assinada pelo Cardeal Sodano incluiu a bênção apostólica do Santo Padre e confirmou as intenções do novo Papa em continuar a guiar “com afeição paternal” os movimentos eclesiais, associações e comunidades que foram nutridas pelo Papa João Paulo II.
- “Damos graças pelos muitos dons derramados sobre a Igreja através do Renovamento Carismático”, na mensagem de Bento XVI em 2007, por ocasião do 40º aniversário do RCC no mundo.
Exercício de Carismas
Os que estão comprometidos no Renovamento fazem a experiência dos carismas, de que fala a Lumen Gentium, e do sopro misterioso do Espírito, dando-se conta que, como indivíduos e como comunidade, foram introduzidos numa relação de fé pessoal com Deus, experiência que gera neles «um sentido mais vivo de Deus» (Gaudium et Spes, 7).
O carácter especial da experiência do Renovamento Carismático manifesta a natureza eclesial dos carismas – que, por um lado, estão em relação com as estruturas vivas da Igreja e com o seu ministério, e, por outro lado, com a experiência individual de Deus.
Em termos sacramentais
O Renovamento reagiu contra uma atenção demasiado estreita à interioridade e à subjectividade individuais. Em termos sacramentais, pode dizer-se que o Movimento Carismático é fundado sobre o renovamento daquilo que nos constitui como Igreja, a saber, os «sacramentos da iniciação cristã»: baptismo, confirmação, eucaristia. O Espírito Santo, recebido na iniciação, é constantemente acolhido de maneira mais profunda, tanto no plano pessoal como no comunitário; uma «metanoia» contínua se opera ao longo de toda a vida cristã.
A experiência
A experiência que está na base do Renovamento Carismático começa por um «ver e entender» (Act 2, 33; 1Jo 1, 1-3); ela comunica-se a um grupo ou a uma pessoa, por uma fé que dá testemunho do senhorio de Cristo pelo poder do Espírito.
Quando lemos nos Actos dos Apóstolos que aqueles que ouviram a pregação de Pedro «sentiram o coração trespassado», o autor quis significar que eles tinham sido atingidos pela palavra carismática do Apóstolo em todo o seu ser: corpo, espírito, inteligência, afectividade, vontade.
Carisma
Entendemos aqui por «carisma» um dom interior uma aptidão concedida pelo Espírito e revestida de força por Ele, posta ao serviço da edificação do Corpo de Cristo. Cada cristão possui um ou vários carismas para o governo ou o ministério da Igreja; portanto, estes carismas fazem parte integrante da vida eclesial, mas devem estar suportados por uma realidade mais fundamental: o amor de Deus e do próximo (1Cor 13). É este amor-caridade que dá valor a qualquer ministério; sem ele, os carismas seriam “vazios”.
O Renovamento Carismático quer lançar a todos os homens o mesmo apelo à conversão e libertar o “crente incrédulo”, prisioneiro inconsciente de um ateísmo de espírito e de coração.
Diácono João Carmona
Labat n.º 79, de Janeiro de 2008Citações:
1. Humanae Salutis, 25 Dez. 1961.
2. Documentation Catholique, 1975, 562-563.
3. Idem, 154s.
4. Ibidem, 159-160.
5. Ibidem.
Sem comentários:
Enviar um comentário