08 julho, 2011

A vivência da caridade como anúncio do Evangelho

Lisboa, S. Vicente de Fora, 6 de Janeiro de 2008
 
Pe. Bruno Machado
Assistente Diocesano do RCC da Diocese de Lisboa


    1.  A força de uma Freira

Em 1979 a Madre Teresa de Calcutá recebeu o prémio Nobel da Paz, um reconhecimento que ela nunca desejou nem procurou. No entanto, o prémio fez com que a sua obra se tornasse mais conhecida e passou a ser convidada para uma série de eventos à escala mundial. Entre estes, foi convidada pelo Secretário-geral da ONU para fala na Assembleia.
A Madre não gostava dos holofotes da forma mas não podia dizer que não e apresentou-se, com o seu hábito humilde e enrugado, o rosto cheio de rugas, as sandálias gastas… enfim, apareceu como estava sempre! O Secretário Geral das Nações Unidas de então apresentou-a assim: “Eis a mulher mais potente da Terra. Eis a mulher que é acolhida onde quer que seja com respeito e admiração. Ela é realmente as Nações Unidas porque no seu coração acolheu os pobres de todas as latitudes da terra”.
À Madre Teresa, como imaginam, não agradou muito esta apresentação tão grandiosa e, com um certo embaraço, tomou a palavra e disse: “Eu sou apenas uma pobre mulher que reza. Rezando, o Senhor Jesus encheu o meu coração de amor e assim pude amar os pobres com o amor de Deus”. Depois, parou um instante, levantou o terço e disse: “Rezai vós também e Deus encher-vos-á o coração de amor e assim podereis ver bem os pobres que tendes à vossa volta e podereis amá-los com o coração de Deus”.
Caríssimos irmãos, onde é que aquela freira de corpo franzino, seguramente pouco alimentado, buscava forças para trabalhar dia e noite na messe do Senhor? Que ânimo era aquele? O que é que a movia? Só o Amor! O Amor alimentava, rejuvenescia, revigorava a sua velhice e a sua fadiga. E o fruto daquele Amor era o Serviço.


   2.  O que é a caridade?

Hoje vamos falar da experiência do amor, da caridade de Deus que nos interpela e nos convida a viver como o Seu Filho Jesus, a imitá-l’O no nosso quotidiano.

Já pensaste que o Amor que te trás aqui a esta Assembleia? É o Amor que te transforma, que te converte… que te sustém todas as semanas no grupo de oração? Já te deste conta que o Amor te fecunda e por isso faz de ti um evangelizador, que te lança para a missão? Mas às vezes às vezes nós fechamo-nos ao amor de Deus e deixamo-nos arrastar por outras paixões, deixando-nos seduzir por outros amores, e assim não podemos evangelizar, perdemos a força, deixamos de salgar o mundo com as nossas vidas!

No anúncio da Assembleia de hoje podemos ler o título deste ensinamento: a vivência da caridade como anúncio do Evangelho; mas afinal, o que queremos dizer quando falamos de caridade? São Paulo, no Domingo passado, na Festa da Sagrada Família, advertiu-nos: “Acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição”: ou seja, revesti-vos de Cristo que é a encarnação da caridade de Deus, revesti-vos dos seus sentimentos, imitai-O no vosso proceder.

Nós conhecemos o amor que Deus nos tem, pois acreditamos n’Ele. Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele. (1Jo 4, 16) 

Acreditamos no amor de Deus - estas palavras da primeira Carta de S. João exprimem o centro da fé cristã: nós conhecemos e acreditamos no amor que Deus nos tem. É por isto mesmo que o Santo Padre Bento XVI, na sua primeira Carta Encíclica, Deus é Amor, afirma magistralmente: No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma o rumo decisivo”. (Dce 1) Trata-se do encontro com o Verbo Encarnado, com o Deus vivo e verdadeiro. 

Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho Unigénito para que todo o que n’Ele crê não morra mas tenha a Vida Eterna. (Jo 3, 16) 

Deus revela o seu amor na Encarnação do Verbo: deu-nos o seu bem mais precioso, o Seu Filho muito amado, e n’Ele tornou-se presente na nossa história: Quando um profundo silêncio envolvia todas as coisas, quando o mundo estava mergulhado nas trevas, Deus rasgou os Céus e falou na entrega do seu próprio Filho. 

Há quanto tempo não te davas conta deste Amor de Deus que te habita? Deixas-te encontrar por este Amor revelação em Jesus? Esta semana, este mês, este ano, quantas vezes já te desencontraste com o Filho de Deus? Provavelmente Ele passou por ti, mas tu estavas no centro e Ele não teve espaço! Jesus quer alegra-nos com a sua presença, sim, a alegria de Jesus é o Espírito Santo nos nossos corações… mas frequentemente o nosso coração está cheio de nós, cheio de tralha, e as nossa alegrias são bem mais barulhentas que a alegria de Deus! Claro que também são mais efémeras.

A partir do testemunho da primeira carta de São João, vemos esta identidade perfeita entre o Amor e a pessoa de Jesus: Deus não tem apenas amor ao seu povo - Ele é o Amor, o Amor é da própria natureza de Deus e por isso torna-se presente na Palavra, nas obras, na vida, na morte e na ressurreição de Jesus. Deus é Amor, isto é, Deus não quer fazer outra coisa senão entregar-se ao homem, à obra das suas mãos.

Deus é Amor porque se entrega gratuitamente ao homem, dá-se a si mesmo. Deus é Amor porque se aniquila até à morte, de cruz, como nos diz a Carta aos Filipenses. Deus é Amor porque se esvazia, prescinde de si mesmo, esquece-se de si mesmo, esquece-se de si nesta entrega total. E deste modo percebemos as palavras de Jesus aos seus discípulos: “ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13) 

É nisto que está o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e nos enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros (1Jo 4, 10-11) 

Como afirma o Papa Bento XVI, “uma vez que Deus foi o primeiro a amar-nos, agora o amor já não é só um «mandamento», mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro (Dce 1). Por isso a experiência primeira a que Deus nos convida consiste em acolher o Amor d’Aquele que nos amou primeiro. Em primeiro lugar, Deus não nos pede que o amemos; exorta-nos a acolher o seu amor que nos transforma e nos dá vida! Em poucas palavras, que nos deixemos amar por Ele.

Lancemos um olhar à experiência da Madre Teresa de Calcutá: “Jesus veio a este mundo com um único propósito. Veio para nos dar a boa nova de que Deus nos ama, que Deus é amor, que Ele te ama, que Ele nos ama. Como nos amou Jesus, a ti e a mim? Dando a vida. Nós temos muito valor aos olhos de Deus. Nunca me canso de repetir vezes sem conta que Deus nos ama. É uma coisa maravilhosa que Deus me ame tão ternamente. É por isso que devemos ter coragem, alegria e convicção de que nada nos pode separar do amor de Cristo. Quando te sentires só, quando te sentires indesejado, quando te sentires doente e esquecido, recorda-te de que és precioso para Ele. Ele ama-te. Na realidade foi isso que Deus disse através do Profeta Isaías: «Mesmo que uma mãe possa esquecer o seu filho, Eu não vos esquecerei. Eu moldei-vos na palma da minha mão» (Is 49, 15-16)” 


3.  A vivência da caridade 

O Amor revelado em Jesus é um permanente êxodo, uma atitude que nos lança para fora de nós mesmos, que nos situa no outro, um chamamento a viver na gratuidade de Jesus Cristo. Este Amor que nos é revelado em Jesus vislumbra-se no seu caminho e, por isso mesmo, amar é seguir o caminho de Jesus, o caminho do grão de trigo que cai na terra e morre e assim dá muito fruto.

Esta experiência do amor torna-se assim uma descoberta do outro, supera o carácter egoísta da reciprocidade - é uma entrega livre e generosa! Trata-se de um êxodo do eu fechado em si mesmo para a sua libertação no dom de si - centrando-se no outro, eu reencontro-me e sou alcançado por Deus. É um Amor puramente oblativo! Jesus nunca esperou a recompensa do Pai. A tua experiência no grupo de oração tem sido esta? Sentes que a oração carismática te centra em Jesus e te lança para o irmão? A oração liberta-te do pecado, transforma-te? No núcleo, na tua experiência de serviço, na tua liderança… és o serviço inútil ou um Senhor soberbo e teimoso, com a capa de humildade? O Renovamento Carismático consola-te ou empurra-te para a missão, abre-te os olhos para a realidade ou entretém-te com rezas estéreis que não te transformam, que não te levam a Deus nem levam aos irmãos?

E este amor oblativo, desinteressado, será possível entre nós? Ou será uma utopia? Vou contar-vos uma pequena história que ilustra, de forma simples, como podemos experimentar o amor de Deus, como podemos ser mensageiros de uma humanidade nova: “Um dia, logo de manhã cedo, um homem idoso procurou um centro de saúde para fazer o penso numa mão ferida e disse ao enfermeiro que estava com muita pressa por estar atrasado para um compromisso. Enquanto o tratava, o jovem enfermeiro quis saber o motivo da sua pressa e perguntou-lhe porque razão tinha ele tanta pressa àquela hora. O homem respondeu que precisava de ir a um lar de idosos tomar o pequeno almoço com a sua mulher que estava lá internada há bastante tempo. A mulher deste homem tinha Alzheimer, já num estado muito avançado. Enquanto terminava de fazer o penso, o enfermeiro perguntou-lhe se ela não ficaria assustada pelo facto dele estar atrasado. 
- Não, disse ele, ela nem sabe quem sou. Há quase 5 anos que ela não me conhece! 
Muito intrigado, o enfermeiro, perguntou-lhe: 
- Mas se ela já nem sabe quem é o senhor, porquê essa necessidade de estar com ela todos os dias? 
O velho sorriu, deu uma pancadinha na mão do enfermeiro e disse: 
- É verdade… ela não sabe quem eu sou, mas eu sei muito bem quem é ela”.

Este é o amor verdadeiro que devemos procurar. O amor não se reduz ao sentimento vago, ao romantismo.

O amor verdadeiro é a aceitação de tudo o que o outro é, de tudo o que o outro foi, do que será, do que já não é… Esta atitude do homem idoso, com toda a probabilidade, evangelizou verdadeiramente o enfermeiro porque o introduziu na lógica do amor verdadeiro. Trata-se de uma evangelização eloquente porque se refere à vida verdadeira, ao coração sintonizado com a vontade de Deus. E tu, aceitas o outro com as suas limitações ou na oração pedes a Deus que ele se transforme naquilo que tu queres? Aceitas o irmão, o Padre, o Bispo, a Equipa de Serviço diocesano, o teu núcleo, o teu líder, como são? Ou estás tão fechado em ti mesmo que a única solução é mesmo a murmuração?

Uma das maiores tentações do homem crente contemporâneo (por ventura presente nos nossos grupos de oração, no íntimo do seu coração) trata-se do divórcio entre a fé e a vida (“eu cá tenho a minha fé… acredito em Deus e isso basta-me… agora, a minha vida concreta, o meu quotidiano… o que é que isso tem a ver?) verifica-se hoje, dentro da própria comunidade eclesial, uma tendência para separar a fé professada e celebrada da sua vivência concreta, vivida e convivida segundo as exigências da Páscoa de Jesus.

Esta atitude (“a minha fé é uma coisa, a vida concreta é outra bem diferente…) é concebida não como infidelidade, mas como expressão de liberdade e autonomia da consciência, como se cada um tivesse o direito de fazer a sua lei e interpretar à sua maneira as exigências da fé cristã, esquecendo-se que nada interpela tanto como o chamamento do Senhor a viver no amor e na verdade. Escutemos a Escritura, escutemos S. Paulo que nos fala do Amor derramado nos nossos corações, do Espírito Santo. 

Ora a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado ( Rm 5, 5) 

Que Cristo pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, para terdes a capacidade de aprender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade… a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento. (Ef 3, 17-19)

É este o fruto do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e auto-domínio. Os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com as suas paixões e desejos. Se vivemos no Espírito, sigamos também o Espírito. Não nos tornemos vaidosos, a provocar-nos uns aos outros. (Gl 5, 22-26)

Como vamos claramente por estas passagens das Cartas de S. Paulo, a fé no amor não pode ser indiferente ao modo de vida, não pode estar longe do quotidiano. Nós cristãos, não sigamos uma ideia, um esquema bem montado, nós somos discípulos de Jesus (e apenas de Jesus) e por isso queremos que a nossa vida quotidiana (mesmo as coisas que nos parecem insignificantes) seja idêntica à do Mestre. 

A fé se não transformar o coração do homem não é fé cristã. Se não houver metanóia não há Cristo, se não houver morte, Deus não constrói os alicerces na nossa peregrinação. É assim contigo? A oração, a intimidade com Jesus, a escuta atenta da Palavra, tem convertido o teu coração? Estás disposto a morrer hoje para dar vida ao teu irmão? Estás disposto a servir o Senhor, a Igreja, os irmãos, ou refugias-te no consolo dos teus pensamentos e das tuas ideias? Queres experimentar hoje a conversão? Ou queres que o Evangelho encaixe nas tuas aspirações? A oração leva-te a Jesus ou confirma os teus desejos? 

Depois de lhes ter lavado os pés e de lhes ter posto o manto, voltou a sentar-se à mesa e disse-lhes: «Compreendeis o que vos fiz? Vós chamai-me ’o Mestre’ e ‘o Senhor’, e dizeis bem, porque o sou. Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, dei-vos exemplo para que assim como Eu fiz, vós façais também. Em verdade, em verdade vos digo, não é o servo mais do que o seu senhor, nem o enviado mais do que aquele que envia. Uma vez que sabeis isto, sereis felizes se o puserdes em prática (Jo 13, 12-17) 

O amor transforma o íntimo do coração do homem. É por isso que a experiência do amor, Amor reconciliador e dador de vida, afinal, a vivência da caridade anuncia o Evangelho, torna presente no mundo a Boa Nova de Jesus.


4.  A vivência da caridade como anúncio do Evangelho 

Hoje falamos do amor e da sua força evangelizadora! E deixe-me que vos pergunte: Qual é hoje o nosso maior problema na Igreja? Quais os obstáculos à evangelização? Porque é que a Igreja hoje não chega ao coração dos nossos contemporâneos? Queridos irmãos o problema reside no Amor! Sim, no Amor! O problema da evangelização não está apenas no método nem em saber muitas coisas sobre Deus e sobre a Igreja. A Pastoral do Século XX enganou-se. Pensou-se no método e esqueceu-se de cuidar do instrumento. Nós já fizemos pinotes e piruetas pastorais… Falamos muito da nova evangelização e, na verdade, é necessária uma nova evangelização com novos métodos e com um novo ardor. Mas o verdadeiro problema está no íntimo do coração, no amor. Está nos corações dilacerados, empedernidos, não reconciliados.

Ao faltar-vos hoje da vivência da caridade, ou seja, do amor como anúncio do Evangelho, deixem-me que vos diga: O problema dos crentes e da Igreja não é exterior, visível, facilmente solucionável; é mais fundo, nuclear, mais difícil de resolver! O nosso problema, o problema dos crentes, é a falta de amor! Hoje amamos pouco! Hoje eu amei pouco, ou não amei mesmo nada! Amamos pouco e evangelizamos pouco! Porque só o amor evangeliza! Esta afirmação - hoje amamos pouco - poderá deixar alguns escandalizados, mas eu posso concretizar: Hoje, desde que te levantaste, quantas vezes já murmuraste porque as coisas não estão como tu queres? Quantas vezes já lavaste hoje os pés ao teu irmão? E ao teu inimigo?

Só o amor lança o homem do interior para o exterior; só o Amor conquista e salva, porque só ele causa verdadeiro e real impacto na vida das pessoas. Só fazendo a experiência do amor de Deus poderemos extravasar essa experiência para o outro. É por isso que a evangelização só é fecunda quando o evangelizador está possuído do amor de Deus, pela caridade de Deus que o habita. O evangelizador não se anuncia a si mesmo; ele é portador duma mensagem de Deus e daí a necessidade de O conhecer na intimidade, de experimentar a sua presença, de se deixar transformar por essa mesma mensagem. Caso contrário será um fracasso, ou seja, será outra coisa que não evangelização. Até pode ser um espectáculo bonito e divertido, mas não será evangelização.

Olhemos agora como temos amado tão pouco: Tantos “conflitos suspensos” nas nossas comunidades cristãs, mesmo nos nossos grupos mais pequenos - eles são um verdadeiro obstáculo à evangelização. Agora podes ficar convencido que isto não tem nada a ver com a tua experiência… No meu núcleo funciona tudo tão bem! É assim mesmo? Há ou não conflitos”conflitos suspensos”? E estes “conflitos” não surgirão apenas porque não estamos dispostos a morrer? Não queremos mudar o nosso modo de proceder… Assim irmãos, como poderemos evangelizar a partir da nossa oração e da nossa vida?

Quantos medos e respeitos humanos, quantas hierarquias e vassalagens entre nós, quantos agentes pastorais que nunca se deixaram alimentar pelo amor de Deus. Mais facilmente vemos os frutos do desamor: murmúrio contra Deus e contra o próximo, maledicência, rixa, intriga, preguiça, desejo de dominar o outro, de controlar um grupo, soberba… assim, queridos irmãos, não evangelizamos ninguém! Ainda que “pareçamos” o contrário não somos… Hoje, dia da Epifania do Senhor, brilhe o teu amor diante dos homens. Madre Teresa evangelizou apenas com o amor - assim como só o amor salva, só o amor evangeliza!

Mas este amor não é inato, genético, não é uma herança nem uma tradição -nasce das águas do baptismo e renasce no encontro vivo e verdadeiro com o Deus vivo e verdadeiro.

O fruto da fé é o amor e o fruto do amor é o serviço. Como se chega à fé? Donde brota a fé? Da oração e da conversão.

A oração para ser frutuosa tem que vir do coração e ser capaz de tocar no coração de Deus. Vê como Jesus ensinou os seus discípulos a rezar. Se rezarmos o Pai-nosso e o vivermos, estaremos próximos de Deus. Se eu perdoar serei santo e poderei rezar. Tudo isto provém de um coração humilde e se o tivermos, saberemos como amar a Deus, a nós próprios. Isto não é complicado, e no entanto, podemos complicar tanto as nossas vidas, com tantos adiamentos.

Só uma coisa conta - ser humildes e transparentes. Se formos transparentes na oração, e experimentarmos essa libertação interior. Só acolhendo a presença transformadora e abrasadora de Deus poderemos experimentar os desafios do homem novo, do homem recriado pelo amor de Deus. E a nossa oração? Como está o nosso coração? Está transparente? Escutamos a voz de Deus ou cansamos Nosso Senhor com o nosso palavreado?

Um coração transparente é um coração evangelizador. Olhai para o coração daquele homem idoso da história que vos contei há pouco… era um coração simples mas verdadeiro, porque habitado pela caridade de Deus. Se nos deixarmos habitar por esse amor transformador de Deus seremos evangelizadores.

Queridos irmãos, o Renovamento Carismático, como todos os outros movimentos eclesiais, não serve para outra coisa. É um convite a acolher o dom de Deus, é uma proposta de encontro com Deus vivo, é uma oportunidade para nos deixarmos transformar pela presença de Deus. Um coração habitado pela caridade de Deus, um coração centrado em Deus e nos irmão, está preparado para tornar presente, no meio do mundo, a Boa Nova de Jesus Cristo,

Nem sempre a erudição é uma ferramenta válida nesta empresa evangelizadora da Igreja. Não basta conhecer muitas coisas sobre Deus e a sua lei. É urgente deixarmo-nos transformar pela caridade de Deus, é urgente deixarmo-nos habitar pelo seu Espírito Santo. É urgente um coração transparente como o da Virgem Maria. Provavelmente Maria não percebeu totalmente o alcance e as consequências do anúncio do Anjo. Mas Maria tem um coração transparente, Maria tem um coração disponível. E por isso acolhe a presença de Deus. Um coração transparente conhece-se a si mesmo porque se vê à luz de Deus, a partir de Deus. Um coração transparente vê o seu pecado e não desanima porque grita ao céu, porque quer ver Deus.

E o teu coração? Está cheio de Deus ou cheio de coisas de Deus? Deixas que Deus te olhe e que te converta ao seu Amor? Queres correr para o último lugar ou insistes em ser o primeiro?

O Amor é um sinal que o mundo reclama, só o amor tornará o mundo disponível para acolher a presença de Deus. Os nossos grupos de oração serão evangelizadores se habitados pela caridade de Deus, se dermos sinal desse Amor novo. Assim o amor salvará o mundo! Se experimentarmos o Amor ele transformar-se-á em compromisso. Sim, compromisso na construção da Igreja e na edificação de um mundo novo habitado por Deus.

Se amarmos pouco também evangelizamos pouco! Mas se nos deixarmos converter pelo Amor, aí sim, seremos Luz do mundo e Sal da Terra! Aí a nova Jerusalém resplandecerá de novo como a Luz das nações. Seremos discípulos se acolhermos este mandamento novo e absoluto que Jesus nos revelou. Só assim valerá a pena tanta correria, tanta oração, tanto encontro.

Estamos a comemorar 33 anos de Renovamento Carismático na nossa Diocese, motivo de alegria para todos nós. Mas igualmente de maior responsabilidade e compromisso. Esta reflexão sobre a vivência do Amor tem que ser fecundada na vida de cada um pelo Espírito Santo, Senhor que dá a vida, a raiz da caridade. Tem que ser recriado constantemente pelos responsáveis do Renovamento, pelos núcleos, pelos participantes dos grupos de oração. A iniciativa é sempre de Deus. A ti basta-te ter um coração disponível para acolher esta visita do Espírito Santo cheia de surpresas. É um apelo forte à conversão e ao coração novo.

Que o Senhor vos guarde nos caminhos da vida!

Termino com as palavras de Jesus que sintetizam tudo quanto vos transmiti esta manhã: 

“Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isso é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns ao outros”. (Jo 13, 34-35) 

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo.

Pe. Bruno Machado 
Extraído do LABAT n.º 80 de Fevereiro de 2008

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