13 maio, 2010

Não se brinca com o Espírito Santo


Sempre me chocou a passagem do evangelho de S. Lucas 12, 10: “E todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do Homem, há-de perdoar-se; mas, a quem tiver blasfemado contra o Espírito Santo, jamais se perdoará.”
Todos sabemos que o título “Filho do Homem” só aparece, nos evangelhos, vindo da boca de Jesus. Assim sendo, quem não acreditar em Jesus como o “Filho do Homem” de Daniel 7, 13-14, é perdoado. Ao contrário acontecerá com quem blasfemar contra o Espírito Santo.

O evangelho de S. Lucas é o que mais refere o Espírito Santo. Outro tanto se diga da sua obra Actos dos Apóstolos.
Em Ac 5, 1-4 narra o facto de Ananias e Safira serem mortos de maneira fulminante por terem mentido ao Espírito Santo. Isto significa que não se brinca com o Espírito Santo.

E vem tudo isto a propósito de compreender, a nível sociológico e religioso, a realidade do movimento avassalador dos nossos irmãos evangélicos, denominados pentecostais/neopentecostais que, segundo li há dias numa Revista das “Assembleias de Deus” já somam uns 400 milhões. É natural que haja exagero no número, mas a realidade não deve andar muito longe.
Como sabemos, a marca cristã dos pentecostais tem a sua chancela na acção do Espírito Santo. Ainda bem que assim é. Mas será que a nossa adesão ao Espírito Santo deva passar pelas igrejas/congregações pentecostais?
Pessoalmente tenho muitos amigos pentecostais que admiro pela forma como oram e vivem a sua vida espiritual. Mas há duas proposições com as quais não concordo.
A primeira, consiste no facto da explicação para o número das suas igrejas/congregações. Segundo os estudos sociológicos, hoje em dia há umas 120.000 igrejas/congregações. Não se trata de vinte nem de mil mas de cento e vinte mil. Quem estuda este fenómeno extraordinário, no cristianismo do século XX e XXI, fica perplexo.
Há uns anos a esta parte, este movimento era tratado pela Igreja Católica Romana como um conjunto de “seitas”. Hoje em dia, ninguém fala de “seitas” por causa da semiótica negativa desta designação. No entanto, dentro das Igrejas cristãs, estas Igrejas/Congregações não aderem ao movimento ecuménico das Igrejas.

Se é o Espírito Santo que conduz a liturgia da Palavra destas Igrejas/Congregações como é possível que haja vinte mil? A explicação é simples e parte da chave hermenêutica de Calvino que estabeleceu como regra de interpretação das Escrituras que A Escritura interpreta-se por si mesma.
Daqui advém o célebre concordismo bíblico. Há que encontrar sempre uma explicação textual para tapar todos os buracos de aparentes contradições no texto bíblico.
Se Lucas em Lc 24 afirma que Jesus subiu ao céu no dia da ressurreição e em Ac 1 quarenta dias depois é porque subiu ao céu duas vezes. Como este exemplo há dezenas de muitos outros. Será assim? Só é assim para quem lê as Escrituras duma maneira historicista e fundamentalista. Os pentecostais lêem assim.
Para eles, a Bíblia foi inspirada pelo Espírito Santo e, assim sendo, tudo tem que concordar porque o Espírito nunca se engana.
Não lêem a Bíblia como uma pequena biblioteca de livros com uma literatura que contém todo o tipo de géneros literários: mito, saga, lenda, conto, romance, poesia, história, género profético, sapiencial, apocalíptico, evangelho, cartas.
Não admitem que Lucas, por exemplo, tenha utilizado uma retórica grega ou catequese retórica para descrever duas ascensões de Jesus.

Neste sentido, é fácil apanhar um simples texto desconstextualizado e fundar, através dele, mais uma Congregação/Igreja. Basta ler e ficar especado diante do texto que o Espírito Santo me acaba de apresentar e que ainda não foi devidamente apreciado pelos outros pentecostais.
Se foi o Espírito Santo que mo apresentou devo seguir literalmente o texto e fundar mais um movimento pentecostal. Assim se explica que todos os dias (?) nasçam novas igrejas e morram outras igrejas.
O problema que se põe é simples: será que Deus e o Seu Espírito está continuamente a mudar, hoje de uma maneira e amanhã de outra? Será que a verdadeira interpretação do texto só aconteceu com os fundadores destas milhares de Congregações pentecostais? Mas que Deus é este e que Espírito Santo é este? Não andaremos a brincar ao Espírito Santo?
A segunda proposição com que não concordo tem a ver com o facto de São Paulo, já no seu tempo, também não concordar. Segundo ele, todos os carismas só têm razão de ser se forem para a construção do único corpo da Igreja (1Cor 12, 12-31: “Pois, como o corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, constituem um só corpo, assim também Cristo. De facto, num só Espírito, fomos todos baptizados para formar um só corpo, judeus e gregos, escravos ou livres, e todos bebemos de um só Espírito…”).
As cento e vinte mil “Congregações” são cento e vinte mil pequenos “corpos” de interpretação bíblica? Mas Jesus Cristo é um só como o Espírito Santo também é um só.

Outra questão – sem dúvida muito séria – é a liturgia da Palavra nestas Congregações/Igrejas. Ao contrário da Igreja Católica Romana, as liturgias (vide os teleevangelistas americanos) são vivas, dinâmicas, dialogadas.
Os “pastores” aprenderam a arte de comunicar. Voltaremos ao assunto.

Pe. Joaquim Carreira das Neves, OFM
Labat n.º 104 de Maio de 2010

Sem comentários:

Enviar um comentário