AP Photo/Rodrigo De Luca |
A revista
"Brotéria", propriedade dos Jesuítas Portugueses, publica esta
quinta-feira no seu site uma entrevista exclusiva que o papa Francisco concedeu
a 16 publicações periódicas da Companhia de Jesus ao longo de três encontros, a
19, 23 e 29 de agosto, no Vaticano.
O entrevistador, padre Antonio Spadaro, diretor da revista italiana "La Civiltà Cattolica", estará em Portugal no início de outubro para participar nas Jornadas Nacionais das Comunicações Sociais, marcadas para Fátima.
A primeira grande entrevista que o papa concede após a sua eleição, a 13 de março, será também publicada na revista "Brotéria" que ficará disponível na próxima semana.
"Quem é Jorge Mario Bergoglio?", "viver em comunidade", "ouvir os outros", "santidade para todos", Igreja de portas abertas", "o que a Igreja mais precisa", "uma Igreja à procura de novos caminhos", "Igreja e homossexualidade", "aborto, casamento homossexual e métodos contracetivos", "anunciar o essencial está primeiro do que as normas morais", "sinodalidade", "mulher na Igreja", "perigo da instrumentalização do rito litúrgico anterior ao Concílio Vaticano II", "encontrar Deus no dia a dia, "paciência com Deus", "desconfiar de quem diz saber tudo de Deus", "a surpresa de Deus", "soluções disciplinares e segurança doutrinal", "referências culturais", "fé de fronteira", "pensamento da Igreja" e "oração", são alguns dos temas e questões abordadas na entrevista, de que apresentamos alguns excertos.
Os subtítulos foram escolhidos pela redação do site da Pastoral da Cultura.
Quem é Jorge Mario Bergoglio?
Não sei qual
possa ser a definição mais correta… Eu sou um pecador. Esta é a melhor
definição. E não é um modo de dizer, um género literário. Sou um pecador. Sim,
posso talvez dizer que sou um pouco astuto, sei mover-me, mas é verdade que sou
também um pouco ingénuo. Sim, mas a síntese melhor, aquela que me vem mais de
dentro e que sinto mais verdadeira, é exatamente esta: “Sou um pecador para
quem o Senhor olhou”. Sou alguém que é olhado pelo Senhor. A minha divisa,
"Miserando atque eligendo", senti-a sempre como muito verdadeira para
mim.
Viver em comunidade
Viver em comunidade
Da Companhia
impressionaram-me três coisas: o espírito missionário, a comunidade e a
disciplina. Isto é curioso, porque eu sou um indisciplinado nato, nato, nato.
Mas a sua disciplina, o modo de organizar o tempo, impressionaram-me muito.
(...)
«E depois uma coisa para mim verdadeiramente fundamental é a comunidade. Procurava sempre uma comunidade. Eu não me via padre sozinho: preciso de uma comunidade. É mesmo isso que explica o facto de eu estar aqui
Ouvir os outros
«E depois uma coisa para mim verdadeiramente fundamental é a comunidade. Procurava sempre uma comunidade. Eu não me via padre sozinho: preciso de uma comunidade. É mesmo isso que explica o facto de eu estar aqui
Ouvir os outros
Na minha
experiência de superior na Companhia, para dizer a verdade, nem sempre me
comportei assim, ou seja, fazendo as necessárias consultas. E isso não foi uma
boa coisa. (...)
Agora oiço algumas pessoas que me dizem: “Não consulte demasiado e decida”. Acredito, no entanto, que a consulta é muito importante. Os Consistórios e os Sínodos são, por exemplo, lugares importantes para tornar verdadeira e ativa esta consulta. É necessário torná-los, no entanto, menos rígidos na forma. Quero consultas reais, não formais. A consulta dos oito cardeais, este grupo outsider, não é uma decisão simplesmente minha, mas é fruto da vontade dos cardeais, tal como foi expressa nas Congregações Gerais antes do Conclave. E quero que seja uma consulta real, não formal.
Santidade para todos
Agora oiço algumas pessoas que me dizem: “Não consulte demasiado e decida”. Acredito, no entanto, que a consulta é muito importante. Os Consistórios e os Sínodos são, por exemplo, lugares importantes para tornar verdadeira e ativa esta consulta. É necessário torná-los, no entanto, menos rígidos na forma. Quero consultas reais, não formais. A consulta dos oito cardeais, este grupo outsider, não é uma decisão simplesmente minha, mas é fruto da vontade dos cardeais, tal como foi expressa nas Congregações Gerais antes do Conclave. E quero que seja uma consulta real, não formal.
Santidade para todos
Vejo a
santidade no povo de Deus paciente: uma mulher que cria os filhos, um homem que
trabalha para levar o pão para casa, os doentes, os sacerdotes idosos com
tantas feridas mas com um sorriso por terem servido o Senhor, as Irmãs que
trabalham tanto e que vivem uma santidade escondida. Esta é, para mim, a
santidade comum. Associo frequentemente a santidade à paciência: não só a
santidade como hypomoné, o encarregar-se dos acontecimentos e
circunstâncias da vida, mas também como constância no seguir em frente dia após
dia. Esta é a santidade da "Igreja militante" de que fala também
Santo Inácio. Esta é também a santidade dos meus pais: do meu pai, da minha
mãe, da minha avó Rosa, que me fez tanto bem.
Igreja de portas abertas
Igreja de portas abertas
Esta Igreja
com a qual devemos “sentir” é a casa de todos, não uma pequena capela que só
pode conter um grupinho de pessoas selecionadas. Não devemos reduzir o seio da
Igreja universal a um ninho protetor da nossa mediocridade.
O que a Igreja mais precisa
O que a Igreja mais precisa
Vejo com
clareza que aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as
feridas e de aquecer o coração dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja como um
hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido
grave se tem o colesterol ou o açúcar altos. Devem curar-se as suas feridas.
Depois podemos falar de tudo o resto. Curar as feridas, curar as feridas... E é
necessário começar de baixo. (...)
A Igreja por vezes encerrou-se em pequenas coisas, em pequenos preceitos. O mais importante, no entanto, é o primeiro anúncio: “Jesus Cristo salvou-te” (...)
Sonho com uma Igreja Mãe e Pastora. Os ministros da Igreja devem ser misericordiosos, tomar a seu cargo as pessoas, acompanhando-as como o bom samaritano que lava, limpa, levanta o seu próximo. Isto é Evangelho puro. Deus é maior que o pecado. As reformas organizativas e estruturais são secundárias, isto é, vêm depois. A primeira reforma deve ser a da atitude. Os ministros do Evangelho devem ser capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de saber dialogar e mesmo de descer às suas noites, na sua escuridão, sem perder-se. O povo de Deus quer pastores e não funcionários ou clérigos de Estado. Os bispos, em particular, devem ser capazes de suportar com paciência os passos de Deus no seu povo, de tal modo que ninguém fique para trás, mas também para acompanhar o rebanho que tem o faro para encontrar novos caminhos».
Uma Igreja à procura de novos caminhos
A Igreja por vezes encerrou-se em pequenas coisas, em pequenos preceitos. O mais importante, no entanto, é o primeiro anúncio: “Jesus Cristo salvou-te” (...)
Sonho com uma Igreja Mãe e Pastora. Os ministros da Igreja devem ser misericordiosos, tomar a seu cargo as pessoas, acompanhando-as como o bom samaritano que lava, limpa, levanta o seu próximo. Isto é Evangelho puro. Deus é maior que o pecado. As reformas organizativas e estruturais são secundárias, isto é, vêm depois. A primeira reforma deve ser a da atitude. Os ministros do Evangelho devem ser capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de saber dialogar e mesmo de descer às suas noites, na sua escuridão, sem perder-se. O povo de Deus quer pastores e não funcionários ou clérigos de Estado. Os bispos, em particular, devem ser capazes de suportar com paciência os passos de Deus no seu povo, de tal modo que ninguém fique para trás, mas também para acompanhar o rebanho que tem o faro para encontrar novos caminhos».
Uma Igreja à procura de novos caminhos
Em vez de
ser apenas uma Igreja que acolhe e recebe, tendo as portas abertas, procuramos
mesmo ser uma Igreja que encontra novos caminhos, que é capaz de sair de si
mesma e ir ao encontro de quem não a frequenta, de quem a abandonou ou lhe é
indiferente. Quem a abandonou fê-lo, por vezes, por razões que, se forem bem
compreendidas e avaliadas, podem levar a um regresso. Mas é necessário audácia,
coragem.
Igreja e homossexualidade
Igreja e homossexualidade
Devemos
anunciar o Evangelho em todos os caminhos, pregando a boa nova do Reino e
curando, também com a nossa pregação, todo o tipo de doença e de ferida. Em
Buenos Aires recebia cartas de pessoas homossexuais, que são “feridos sociais”,
porque me dizem que sentem como a Igreja sempre os condenou. Mas a Igreja não
quer fazer isto. Durante o voo de regresso do Rio de Janeiro disse que se uma
pessoa homossexual é de boa vontade e está à procura de Deus, eu não sou
ninguém para julgá-la. Dizendo isso, eu disse aquilo que diz o Catecismo.
A religião tem o direito de exprimir a própria opinião para serviço das
pessoas, mas Deus, na criação, tornou-nos livres: a ingerência espiritual na
vida pessoal não é possível. Uma vez uma pessoa, de modo provocatório,
perguntou-me se aprovava a homossexualidade. Eu, então, respondi-lhe com uma
outra pergunta: “Diz-me: Deus, quando olha para uma pessoa homossexual, aprova
a sua existência com afeto ou rejeita-a, condenando-a?” É necessário sempre
considerar a pessoa. Aqui entramos no mistério do homem. Na vida, Deus
acompanha as pessoas e nós devemos acompanhá-las a partir da sua condição. É preciso
acompanhar com misericórdia. Quando isto acontece, o Espírito Santo inspira o
sacerdote a dizer a coisa mais apropriada.
Não é preciso estar sempre a falar de aborto, casamento homossexual e métodos contracetivos
Não é preciso estar sempre a falar de aborto, casamento homossexual e métodos contracetivos
Não podemos
insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e
uso dos métodos contracetivos. Isto não é possível. Eu não falei muito destas
coisas e censuraram-me por isso. Mas quando se fala disto, é necessário falar
num contexto. De resto, o parecer da Igreja é conhecido e eu sou filho da
Igreja, mas não é necessário falar disso continuamente.
Primeiro, anunciar o essencial; só depois as consequências morais
Primeiro, anunciar o essencial; só depois as consequências morais
Os
ensinamentos, tanto dogmáticos como morais, não são todos equivalentes. Uma
pastoral missionária não está obcecada pela transmissão desarticulada de uma
multiplicidade de doutrinas a impor insistentemente. O anúncio de caráter
missionário concentra-se no essencial, no necessário, que é também aquilo que
mais apaixona e atrai, aquilo que faz arder o coração, como aos discípulos de
Emaús. Devemos, pois, encontrar um novo equilíbrio; de outro modo, mesmo o
edifício moral da Igreja corre o risco de cair como um castelo de cartas, de
perder a frescura e o perfume do Evangelho. A proposta evangélica deve ser mais
simples, profunda, irradiante. É desta proposta que vêm depois as consequências
morais.
Sinodalidade
Sinodalidade
A
sinodalidade vive-se a vários níveis. Talvez seja tempo de mudar a metodologia
do sínodo, porque a atual parece-me estática. Isto poderá também ter valor
ecuménico, especialmente com os nossos irmãos ortodoxos. Deles se pode aprender
mais sobre o sentido da colegialidade episcopal e sobre a tradição da
sinodalidade. O esforço de reflexão comum, vendo o modo como se governava a
Igreja nos primeiros séculos, antes da rutura entre Oriente e Ocidente, dará
frutos a seu tempo. Nas relações ecuménicas isto é importante: não só
conhecer-se melhor, mas também reconhecer o que o Espírito semeou nos outros
como um dom também para nós. Quero prosseguir a reflexão sobre como exercitar o
primado petrino, já iniciada em 2007 pela Comissão Mista, e que levou à
assinatura do documento de Ravena. É preciso continuar neste caminho.
Mulher na Igreja
Mulher na Igreja
É necessário
(...) aprofundar melhor a figura da mulher na Igreja. É preciso trabalhar mais
para fazer uma teologia profunda da mulher. Só realizando esta etapa se poderá
refletir melhor sobre a função da mulher no interior da Igreja. O génio
feminino é necessário nos lugares em que se tomam as decisões importantes. O
desafio hoje é exatamente esse: refletir sobre o lugar específico da mulher,
precisamente também onde se exerce a autoridade nos vários âmbitos da Igreja.
Perigo da instrumentalização do rito litúrgico anterior ao Concílio Vaticano II
Perigo da instrumentalização do rito litúrgico anterior ao Concílio Vaticano II
O trabalho
da reforma litúrgica foi um serviço ao povo como releitura do Evangelho a
partir de uma situação histórica concreta. Sim, existem linhas de hermenêutica
de continuidade e de descontinuidade. Todavia, uma coisa é clara: a dinâmica de
leitura do Evangelho no hoje, que é própria do Concílio, é absolutamente
irreversível. Depois existem questões particulares, como a liturgia segundo
o Vetus Ordo [rito litúrgico da missa substituído em 1969, após o
Concílio Vaticano II]. Penso que a escolha do Papa Bento XVI foi prudente, ligada
à ajuda a algumas pessoas que têm esta sensibilidade particular. Considero, no
entanto, preocupante o risco de ideologização do Vetus Ordo, a sua
instrumentalização.
Encontrar Deus no dia a dia
Encontrar Deus no dia a dia
Deus está,
certamente, no passado porque está nas pegadas que deixou. E está também no
futuro como promessa. Mas o Deus “concreto”, digamos assim, é hoje. Por isso,
os queixumes nunca, nunca, nos ajudam a encontrar Deus. As queixas de hoje de
como o mundo anda “bárbaro” acabam por fazer nascer dentro da Igreja desejos de
ordem entendidos como pura conservação, defesa. Não. Deus deve ser encontrado
no hoje.
Paciência com Deus
Paciência com Deus
Deus
encontra-Se no tempo, nos processos em curso. Não é preciso privilegiar os
espaços de poder relativamente aos tempos, mesmo longos, dos processos. Devemos
encaminhar processos, mais que ocupar espaços. Deus manifesta-Se no tempo e
está presente nos processos da História. Isto faz privilegiar as ações que
geram dinâmicas novas. E exige paciência, espera».
Desconfiar de quem diz saber tudo de Deus
Desconfiar de quem diz saber tudo de Deus
Neste
procurar e encontrar Deus em todas as coisas fica sempre uma zona de
incertezas. Tem de ser assim. Se uma pessoa diz que encontrou Deus com certeza
total e não aflora uma margem de incerteza, então não está bem. Para mim, esta
é uma chave importante. Se alguém tem a resposta a todas as perguntas, esta é a
prova de que Deus não está com ela. Quer dizer que é um falso profeta, que usa
a religião para si próprio. Os grandes guias do povo de Deus, como Moisés,
sempre deixaram espaço para a dúvida. Devemos deixar espaço ao Senhor, não às
nossas certezas. É necessário ser humilde. A incerteza existe em cada
discernimento verdadeiro que se abre à confirmação da consolação
espiritual.
Procurar Deus: uma tarefa de todas as horas
Procurar Deus: uma tarefa de todas as horas
«O risco no
procurar e encontrar Deus em todas as coisas é, pois, a vontade de explicar
demasiado, de dizer com certeza humana e arrogância: “Deus está aqui”.
Encontraremos somente um deus à nossa medida. A atitude correta é a
agostiniana: procurar a Deus para O encontrar e encontrá-l’O para O procurar
sempre. (...)
A surpresa de Deus
A surpresa de Deus
Encontra-se
Deus caminhando, no caminho. E neste ponto alguém poderia dizer que isto é
relativismo. É relativismo? Sim, se é mal interpretado, como espécie de
panteísmo indistinto. Não, se é interpretado em sentido bíblico, onde Deus é
sempre uma surpresa e, portanto, não sabes nunca onde e como O encontras, não
és tu a fixar os tempos e os lugares do encontro com Ele. É necessário,
portanto, discernir o encontro. Por isso, o discernimento é fundamental».
Quem procura soluções disciplinares ou tende exageradamente à segurança doutrinal, não vai longe...
Quem procura soluções disciplinares ou tende exageradamente à segurança doutrinal, não vai longe...
Se o cristão
é restauracionista, legalista, se quer tudo claro e seguro, então não encontra
nada. A tradição e a memória do passado devem ajudar-nos a ter a coragem de
abrir novos espaços para Deus. Quem hoje procura sempre soluções disciplinares,
quem tende de modo exagerado à “segurança” doutrinal, quem procura
obstinadamente recuperar o passado perdido, tem uma visão estática e involutiva.
E deste modo a fé torna-se uma ideologia entre tantas.
Referências culturais
Referências culturais
Gostei muito
de autores diferentes entre si. Gosto muitíssimo de Dostoiévski e Hölderlin. De
Hölderlin quero recordar aquela poesia para o aniversário da sua avó, que é de
grande beleza e que me fez tanto bem espiritual. É aquela que termina com o
verso “Que o homem mantenha o que o rapaz prometeu”. Impressionou-me também
porque amava muito a minha avó Rosa, e ali Hölderlin compara a sua avó a Maria
que gerou Jesus, que para ele é o amigo da terra que não considerou ninguém
estrangeiro. Li I Promessi Sposi três vezes e tenho-o agora
sobre a mesa para reler. Manzoni deu-me muito. A minha avó, quando eu era
criança, ensinou-me de cor o início dos Promessi Sposi: “Quel
ramo del lago di Como, che volge a mezzogiorno, tra due catene non interrotte
di monti…” (Dos dois braços que formam o lago de Como, um deles dirige-se para
o sul, entre duas cadeias ininterruptas de montanhas…) Também gostei muito de
Gerard Manley Hopkins.
Na pintura admiro Caravaggio: as suas telas falam-me. Mas também Chagall, com a sua Crucifixão Branca...».
Na música gosto muito de Mozart, obviamente. Aquele Et Incarnatus est da sua Missa em Dó é insuperável: leva-te a Deus! Gosto muito de Mozart executado por Clara Haskil. Mozart preenche-me: não posso pensá-lo, devo ouvi-lo. Gosto de ouvir Beethoven, mas prometeicamente. E o intérprete mais prometeico para mim é Furtwängler. E depois as Paixões de Bach. O trecho de Bach de que gosto muito é o Erbarme Dich, o pranto de Pedro da Paixão segundo São Mateus. Sublime. Depois, num outro nível, não tão íntimo, gosto de Wagner. Gosto de ouvi-lo, mas não sempre. A Tetralogia do Anel executada por Furtwängler no Scala nos anos 50 é, para mim, a melhor. Mas também o Parsifalexecutado em 1962 por Knappertsbusch.
Deveríamos também falar do cinema. La strada, de Fellini, é talvez o filme de que mais gostei. Identifico-me com aquele filme, no qual está implícita uma referência a São Francisco. Depois, creio ter visto todos os filmes com Anna Magnani e Aldo Fabrizi quando eu tinha entre 10 e 12 anos. Um outro filme de que muito gostei é Roma città aperta. Devo a minha cultura cinematográfica sobretudo aos meus pais, que nos levavam frequentemente ao cinema.
Na pintura admiro Caravaggio: as suas telas falam-me. Mas também Chagall, com a sua Crucifixão Branca...».
Na música gosto muito de Mozart, obviamente. Aquele Et Incarnatus est da sua Missa em Dó é insuperável: leva-te a Deus! Gosto muito de Mozart executado por Clara Haskil. Mozart preenche-me: não posso pensá-lo, devo ouvi-lo. Gosto de ouvir Beethoven, mas prometeicamente. E o intérprete mais prometeico para mim é Furtwängler. E depois as Paixões de Bach. O trecho de Bach de que gosto muito é o Erbarme Dich, o pranto de Pedro da Paixão segundo São Mateus. Sublime. Depois, num outro nível, não tão íntimo, gosto de Wagner. Gosto de ouvi-lo, mas não sempre. A Tetralogia do Anel executada por Furtwängler no Scala nos anos 50 é, para mim, a melhor. Mas também o Parsifalexecutado em 1962 por Knappertsbusch.
Deveríamos também falar do cinema. La strada, de Fellini, é talvez o filme de que mais gostei. Identifico-me com aquele filme, no qual está implícita uma referência a São Francisco. Depois, creio ter visto todos os filmes com Anna Magnani e Aldo Fabrizi quando eu tinha entre 10 e 12 anos. Um outro filme de que muito gostei é Roma città aperta. Devo a minha cultura cinematográfica sobretudo aos meus pais, que nos levavam frequentemente ao cinema.
Em todo o caso, em geral gosto muito dos artistas trágicos, especialmente os mais clássicos. Há uma bela definição que Cervantes coloca na boca do bacharel Carrasco para fazer o elogio da história de Dom Quixote: “Os rapazes têm-na entre as mãos, os jovens leem-na, os adultos entendem-na, os velhos elogiam-na”. Esta, para mim, pode ser uma boa definição para os clássicos.
Apercebo-me de estar absorvido por estas suas referências e de ter o desejo de entrar na sua vida, pela porta das suas escolhas artísticas. Seria um percurso a fazer, imagino que longo. E incluiria também o cinema, do neorrealismo italiano até a A Festa de Babette. Vêm-me à mente outros autores e outras obras que ele citou noutras ocasiões, mesmo menores ou menos conhecidas ou locais: de Martín Fierro de José Hernández à poesia de Nino Costa, a Il grande esodo de Luigi Orsenigo. Mas penso também em Joseph Malègue e José María Pemán. E, obviamente, em Dante e Borges, mas também em Leopoldo Marechal, o autor de Adán Buenosayres, El banquete de Severo Arcángelo e Megafón o la guerra.
Fé de fronteira
Quando
insisto na fronteira, de modo particular, refiro-me à necessidade para o homem
da cultura de estar inserido no contexto em que opera e sobre o qual reflete.
Está sempre à espreita o perigo de viver num laboratório. A nossa fé não é uma
fé-laboratório, mas uma fé-caminho, uma fé histórica. Deus revelou-Se como
história, não como um compêndio de verdades abstratas. Tenho medo dos
laboratórios, porque no laboratório pegam-se nos problemas e levam-se para a
própria casa, para domesticá-los, para os envernizar, fora do seu contexto. Não
é preciso levar a fronteira para casa, mas viver na fronteira e ser audazes».
Pensamento da Igreja deve recuperar a genialidade
Pensamento da Igreja deve recuperar a genialidade
Quando é que
uma expressão do pensamento não é válida? Quando o pensamento perde de vista o
humano ou até quando tem medo do humano ou se deixa enganar sobre si mesmo. É o
pensamento enganado que pode ser representado como Ulisses diante do canto das
sereias, ou como Tannhäuser, rodeado numa orgia por sátiros e bacantes, ou como
Parsifal, no segundo ato da ópera wagneriana, no castelo de Klingsor. O
pensamento da Igreja deve recuperar genialidade e entender sempre melhor como é
que o homem se compreende hoje, para desenvolver e aprofundar o próprio ensino.
Oração
Oração
Rezo o
Ofício [Liturgia das Horas] todas as manhãs. Gosto de rezar com os Salmos.
Depois, a seguir, celebro a Missa. Rezo o Rosário. O que verdadeiramente
prefiro é a Adoração vespertina, mesmo quando me distraio e penso noutra coisa
ou mesmo quando adormeço rezando. Assim, à tarde, entre as sete e as oito,
estou diante do Santíssimo durante uma hora, em adoração. Mas também rezo
mentalmente quando espero no dentista ou noutros momentos do dia.
E a oração é para mim uma oração “memoriosa”, cheia de memória, de recordações, também memória da minha história ou daquilo que o Senhor fez na sua Igreja ou numa paróquia particular. (...)Mas, sobretudo, eu sei também que o Senhor tem memória de mim. Eu posso esquecer-me d’Ele, mas sei que Ele nunca, nunca, se esquece de mim.
E a oração é para mim uma oração “memoriosa”, cheia de memória, de recordações, também memória da minha história ou daquilo que o Senhor fez na sua Igreja ou numa paróquia particular. (...)Mas, sobretudo, eu sei também que o Senhor tem memória de mim. Eu posso esquecer-me d’Ele, mas sei que Ele nunca, nunca, se esquece de mim.
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Reportagem
por Antonio Spadaro
In Brotéria
© SNPC | 19.09.13
In Brotéria
© SNPC | 19.09.13
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