Paróquia de Rio de Mouro, 1 de Janeiro de 2013
1. Neste Dia Mundial da Paz o Santo
Padre Bento XVI dirigiu à Igreja uma Mensagem, forte e profunda, que ilumina
com o dinamismo cristão da paz as diversas situações concretas da sociedade
atual e, de modo especial, as sociedades europeias, a atravessarem uma profunda
crise de civilização. Seria importante que todos os cristãos e todos os homens
que procuram a Paz, pudessem ler essa Mensagem. Neste contexto o papel de uma
Homilia só pode ser o de apontar as principais linhas de força dessa Mensagem,
lançando luz sobre os problemas e situações que também a nossa sociedade está a
atravessar. Num ano em que a União Europeia foi distinguida com o Prémio Nobel
da Paz, sublinhando o seu papel positivo na manutenção e construção da paz,
depois do drama da Segunda Guerra Mundial, o Santo Padre desafia a Europa a
interrogar-se se a paz que conseguiu manter é a paz perfeita ou se não há um
longo caminho, nunca completamente percorrido, para a edificação de uma paz
verdadeira, em que os Povos, como membros de uma grande família, sintam a
grandeza da dignidade da pessoa, onde a experiência comunitária levará à
experiência do amor e da comunhão.
Bento XVI intitulou a sua Mensagem com
uma das bem-aventuranças da Montanha: “Bem-aventurados os obreiros da Paz”. O
texto evangélico acrescenta: “porque serão chamados filhos de Deus” (Mt. 5,9).
E lembra que, na mensagem bíblica, as bem-aventuranças são promessas. Não são
meras recomendações morais, “mas consistem sobretudo no cumprimento de uma
promessa feita a quantos se deixam guiar pelas exigências da verdade, da
justiça e do amor”[1].
Esta promessa, que feita no contexto do anúncio do
Reino de Deus, toca profundamente o coração de todos os homens, mostra a paz
como um caminho a fazer, que só atingirá a sua plenitude no Reino dos Céus. “Em
cada pessoa – diz o Papa – o desejo de paz é uma aspiração essencial e
coincide, de certo modo, com o anseio por uma vida humana plena, feliz e bem
sucedida. Por outras palavras, o desejo de paz corresponde a um princípio moral
fundamental, ou seja, ao dever-direito de um desenvolvimento integral, social,
comunitário, que faz parte dos desígnios de Deus para o homem”[2].
A busca da paz coincide, assim, com a luta pela realização da plenitude humana,
é um caminho que supõe uma verdadeira mística da paz, enraizada na cultura e
concretizada nas opções práticas para a vida das comunidades humanas. A
generosidade pessoal, a organização da sociedade, as estruturas políticas e
económicas precisam de ser mobilizadas por essa mística da paz.
Uma conceção imperfeita de paz pode enfraquecer a
exigência desta mística da paz, como ideal de humanidade. Há 50 anos o Concílio
Vaticano II lembrava: “A paz não é só a ausência de guerra e não se limita a
procurar o equilíbrio entre forças contrárias… ela é «obra de justiça»,
lembrando que “a paz não é realidade adquirida uma vez por todas, mas algo a
construir sem cessar»”[3].
É um ideal de humanidade, que os cristãos partilham com todos os homens e que
exige o empenhamento de todos.
O Santo Padre recorda as principais concretizações
desta construção da paz como “obra de justiça”.
2. A paz é uma experiência de comunhão. Citando João
XXIII, o atual Papa recorda: “A paz implica principalmente a construção de uma
convivência humana baseada na verdade, na liberdade, no amor e na justiça”[4].
Faz parte da verdade profunda do homem, encontrar a sua realização na comunhão
com os outros homens. A paz é, assim, vitória sobre o individualismo e os
egoísmos, busca, antes de mais, o bem-comum de toda a comunidade. Bento XVI é
claro: “A ética da paz é uma ética de comunhão e de partilha. Por isso é
indispensável que as várias culturas de hoje superem antropologias e éticas
fundadas sobre motivos teórico-práticos meramente subjetivistas e pragmáticos,
em virtude dos quais as relações da convivência se inspiram em critérios de
poder ou de lucro, os meios tornam-se fins e vice-versa, a cultura e a educação
concentram-se apenas nos instrumentos, na técnica e na eficiência”[5].
Sem este objetivo de construção da comunhão, em
comunidade, perde-se o sentido da prioridade do bem-comum, da comunidade em
todos os seus níveis: mundial, europeia, nacional, local, familiar. É preciso
denunciar, com lucidez e coragem, os erros sociais e políticos em sociedades
que não dão prioridade ao bem-comum. O Papa afirma: causam apreensão os focos
de tensão e conflito causados por crescentes desigualdades entre ricos e
pobres, pelo predomínio duma mentalidade egoísta e individualista que se
exprime inclusivamente por um capitalismo financeiro desregrado”[6].
Esta paz edificada com generosidade, centrada no amor
fraterno, é “dom messiânico e obra humana”, isto é, é esforço da liberdade
apoiada pela fé e pela força de Deus. O Santo Padre recorda-o: “Para nos
tornarmos autênticos obreiros da paz, são fundamentais a atenção à dimensão
transcendente e o diálogo constante com Deus, Pai misericordioso, pelo Qual se
implora a redenção que nos foi conquistada pelo seu Filho Unigénito. Assim o
homem pode vencer aquele gérmen de obscurecimento e negação da paz que é o
pecado em todas as suas formas: egoísmo e violência, avidez e desejo de poder e
domínio, intolerância, ódio e estruturas injustas”[7].
3. Obra de liberdade, a paz é um dom de Deus. É esta
certeza que nos permite acreditar, em todas as circunstâncias, que a paz é
possível. Ela é a aventura do amor que nos foi comunicado pelo Espírito de
Jesus. A paz … na novidade humana enraizada na Páscoa de Jesus: “A Paz é uma
ordem vivificada e integrada pelo amor”, Cristo é a nossa paz. É preciso, é
urgente, anunciar de novo e por caminhos novos, a importância de Jesus Cristo
para o futuro da humanidade[8].
Esta dimensão transcendente da paz está no centro da revelação bíblica, como
escutámos na Primeira Leitura desta celebração: “O Senhor te abençoe e te
proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a Sua face e te seja favorável. O
Senhor dirija sobre ti o Seu olhar e te conceda a paz” (Num. 24-26). “O Senhor
dá força ao seu Povo; o Senhor abençoará o seu Povo na paz”, reza o Salmo 29).
Nas nossas sociedades europeias é urgente voltar a
valorizar a sabedoria contida na religião, constitutiva de um quadro cultural
que favorece e exige uma mística da paz.
4. Se não tivermos medo de Deus e da sua intervenção
na história a favor dos homens, se não nos deixarmos embriagar pela total
autonomia do homem e do seu poder na construção da paz, poderemos encontrar em
conjunto os verdadeiros pilares da construção da justiça e da paz.
* A promoção e defesa intransigente da dignidade da
pessoa humana, a promoção da vida em todas as suas etapas e vicissitudes, a
defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana para que possa construir a
sua dignidade, entre os quais está o direito ao trabalho[9].
* Os próprios modelos económicos e políticos de
organização da sociedade têm de visar esta construção da paz como obra de
justiça[10].
* Fortalecer a Família. O Santo Padre afirma: “A
família é um dos sujeitos sociais indispensáveis para a realização de uma
cultura de paz”[11].
Somos um País a lutar corajosamente para vencer um
período difícil da nossa história. Mas olhemos corajosamente para o que está a
acontecer às famílias: leis permissivas que não valorizam o aprofundamento dos
seus valores constitutivos; leis fiscais que penalizam a família; a
incapacidade de evitar que o drama do desemprego se abata sobre as famílias; a
diminuição da natalidade, que põe em causa o futuro da comunidade humana que
pretendemos salvar. Para quando uma política de proteção à família?
5. Uma pedagogia para a paz. O Santo Padre, na sua
Mensagem, alerta-nos para a urgência de uma pedagogia da paz. A sua primeira
expressão é cultural. Todos os agentes culturais, as universidades e as
escolas, os “média”, a Igreja, devem contribuir para uma transformação cultural
que promova a verdadeira paz; que supõe um novo pensamento e uma conversão
ideológica. Diz ele: “o mundo atual, particularmente o mundo da política,
necessita do apoio dum novo pensamento, duma nova síntese cultural, para
superar tecnicismos e harmonizar as várias tendências políticas em ordem ao
bem-comum”[12].
O Santo Padre alerta a Igreja: “nesta tarefa imensa de educar para a paz, estão
envolvidas, de modo particular, as comunidades crentes. A Igreja toma parte
nesta grande responsabilidade através da nova evangelização, que tem como
pontos de apoio a conversão à verdade e ao amor de Cristo e, consequentemente,
o renascimento espiritual e moral das pessoas e das sociedades. O encontro com
Jesus Cristo plasma os obreiros da paz, comprometendo-os na comunhão e na
superação das injustiças”.
É uma pedagogia da bondade e do perdão. “É um trabalho
lento, porque supõe uma evolução espiritual, uma educação para os valores mais
altos, uma visão nova da história humana. É preciso renunciar à paz falsa (…) a
pedagogia da paz implica serviço, compaixão, solidariedade, coragem,
perseverança[13]”.
É marcada pelo ideal de uma humanidade nova, que anuncia o Reino dos Céus.
† JOSÉ,
Cardeal-Patriarca
[1] Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 2013, nº 2
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