Demorei todo
este tempo a digerir aquelas notícias surgidas na comunicação social de que o
Papa tinha “saneado” a vaca e o burro do Nascimento de Jesus!
Estou
profundamente desiludido com a minha Igreja e com o “meu” Papa Bento XVI!
Então no
Nascimento de Jesus não estava nenhuma vaca nem nenhum burro?
Andei eu
desde garotinho a aprender esta verdade tão importante da “fé”, para agora, já
sessentão, me virem dizer que é mentira, que não estava lá nem vaca nem burro!
E agora, em
que acreditar?
Claro que
tenho que pôr tudo em causa!
Será que
Jesus nasceu mesmo?
Calculem que
o Papa, (ó que desilusão), também vem dizer que Jesus não nasceu naquele dia, o
que nenhum livro ou documento oriundo da Igreja tinha afirmado até agora,
(pelos vistos para aqueles jornalistas)! É uma perfeita e chocante novidade!
Mas voltemos
à vaca e ao burro.
É que me
sinto profundamente abalado na minha “fé”!
Constrói uma
pessoa a sua vida para Deus, alicerçada na presença de dois simpáticos animais
no Nascimento do Salvador, e, ... zás, vem de repente o Sumo Pontífice, ainda
por cima teólogo credenciado, e retira-me toda a confiança e esperança naquele
Santo Nascimento.
Como
acreditar agora em tudo o resto que me foi ensinado pelos meus pais, na
catequese, nos colégios católicos que frequentei, nos retiros que fiz, no curso
geral de Teologia feito no Seminário, em tantos Bispos e Sacerdotes que mo
foram ensinando?
Relampeja-me
a inteligência, (por inspiração “divina” certamente), e penso: o Papa é homem e
como homem pode enganar-se!
Ah, o melhor
é ir à fonte e verificar como é verdade a presença da vaca e do burro, no
Nascimento de Jesus.
Abro
pressurosamente a Bíblia, com um sorriso de verdade nos meus lábios, e
antevendo já ansiosamente a minha lição ao mundo: O Papa enganou-se! A vaca e o
burro estavam no Nascimento do Salvador conforme nos narra o Evangelho de ...
Bem, a
verdade é que Mateus nos descreve o Nascimento de Jesus falando num sonho que
teve José e logo a seguir escreve que o Menino nasceu sem dizer onde e como.
Descreve
ainda uma visita de uns Magos do Oriente, mas não explica onde e como
encontraram o Salvador.
Não desisto
e lanço-me a Marcos, que sendo o primeiro Evangelho descreverá com certeza
todas essas particularidades do Santo Nascimento.
Mas a
verdade é que Marcos, então, nem sequer fala do Nascimento, começando logo,
calcule-se, com o Baptismo de Jesus.
Sem dúvida
que Lucas, ainda por cima médico, deve ter descrito muito bem o Nascimento, ele
que tanto gosta de descrições ricas em pormenores.
Pois, mas a
verdade é que informa muita coisa, mas a única referência mais chegada a
animais é que o Menino foi «envolto em panos e recostado numa manjedoura.»
Lc 2, 7
A minha
esperança reside agora em João, que sendo muito mais “teólogo”, não deixará com
certeza escapar pormenores tão importantes para a edificação da fé de cada um,
como a presença da vaca e do burro no Nascimento de Jesus.
Mas não,
também não, nem uma referenciazinha sequer, mas apenas coisas sem importância
tais como: «o Verbo fez-se homem e veio habitar connosco.» Jo 1, 14
Então e
agora?
Afinal a tal
“novidade” que o Papa nos deu estava escrita há muitos séculos atrás!
Pensando
bem, talvez não seja matéria de fé, talvez não seja importante para a minha
salvação, o facto de a vaca e o burro não estarem no Nascimento de Jesus.
Talvez seja
só importante para a minha “alma de criança” apenas “ver” aqueles bonançosos
animais num presépio cheio de amor.
Resolvida
esta questão no meu intimo, ficam-me a preocupar os jornalistas apressados, que
ficaram tão incomodados com esta inusitada “verdade” “proclamada” pelo Papa,
(como eu aliás fiquei também como se lê acima), e por isso tento arranjar uma
explicação.
Ora bem,
costumamos dizer que Natal é sempre que o homem quiser e que o Natal é para todos!
Ora se é
para todos, todos devemos estar representados no presépio.
Ora Jesus, é
Jesus, Maria, é Maria, José, é José, os pastores, são os pastores, resta-nos a
presença simbólica na vaca e no burro.
Eu por mim
tanto me faz estar representado por qualquer um dos animais, pois sinto-me bem
com isso! Quero é estar no presépio!
Deixo aos
meus leitores a possibilidade de atribuírem ao animal devido, a
representatividade dos jornalistas escritores de tais notícias, (com a sua
ignorância incompetente), no presépio da vossa imaginação.
Marinha
Grande, 3 de Dezembro de 2012
Joaquim Mexia Alves
Nota:
Para que se
entenda bem a manipulação vergonhosa que foi feita das palavras escritas pelo
Papa no seu livro “A Infância de Jesus”, transcrevo os parágrafos em questão,
chamando a maior atenção para o último, em que o Papa afirma claramente que os
dois animais devem fazer parte do presépio.
«Como se disse, a manjedoura faz pensar nos animais que encontram nela o
seu alimento. Aqui, no Evangelho, não se fala de animais; mas a meditação
guiada pela fé, lendo o Antigo e o Novo Testamento correlacionados, não tardou
a preencher esta lacuna, reportando-se a Isaías 1,3: «o boi conhece o seu dono,
e o jumento o estábulo do seu senhor; mas Israel, meu povo, nada entende».
Peter Stuhlmacher observa que provavelmente teve influência também a versão
grega, (na Setenta) de Habacuc 3,2:«No meio de dois seres vivos […] tu serás
conhecido; quando vier o tempo, tu aparecerás» (cf. Peter Stuhlmacher, Die
Geburt des Immanuel, p. 52). Aqui, com os dois seres vivos, entende-se
evidentemente os dois querubins que, segundo Êxodo 25,18-20, estavam colocados
sobre a cobertura da Arca da Aliança, indicando e simultaneamente escondendo a
presença misteriosa de Deus. Assim a manjedoura tornar-se-ia, de certo modo, a
Arca da Aliança, na qual Deus, misteriosamente guardado, está no meio dos
homens e à vista da qual chegou, para o «o boi e o burro», para a humanidade
formada por judeus e gentios, a hora do conhecimento de Deus.
Portanto, na singular conexão entre Isaías 1,3; Habacuc 3,2; Êxodo 25,18-20
e a manjedoura, aparecem os dois animais como representação da humanidade, por
si mesma desprovida de compreensão, que, diante do Menino, diante da aparição
humilde de Deus no estábulo, chega ao conhecimento e, na pobreza de tal
nascimento, recebe a epifania que agora ensina todos a ver. Bem depressa a
iconografia cristã individuou este motivo. Nenhuma representação
do presépio prescindirá do boi e do jumento.»
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