24 setembro, 2011

Discurso do Papa Bento XVI no ex-Convento dos Agostinianos, de Erfurt

CELEBRAÇÃO ECUMÉNICA
 
Igreja do ex-Convento dos Agostinianos, de Erfurt
(Convento onde Martinho Lutero viveu como monge)
Sexta-feira, 23 de Setembro de 2011


Amados irmãos e irmãs no Senhor!

«Não rogo só por eles, mas também por aqueles que hão-de crer em Mim, por meio da sua palavra» (Jo17, 20): assim disse Jesus ao Pai,no Cenáculo. Intercede pelas futuras gerações de crentes. Estende o olhar, mais além do Cenáculo, para o futuro. Rezou também por nós. E reza pela nossa unidade. Esta oração de Jesus não é algo simplesmente do passado. Ele está sempre diante do Pai, intercedendo por nós, e é assim que Ele, nesta hora, está no meio de nós e nos quer atrair para dentro da sua oração. Na oração de Jesus, encontra-se o lugar interior da nossa unidade. Tornar-nos-emos um só, se nos deixarmos atrair para dentro de tal oração. Todas as vezes que nos encontramos, como cristãos, reunidos na oração, esta luta de Jesus relativa a nós e com o Pai em nosso favor deveria tocar-nos profundamente no coração. Quanto mais nos deixarmos atrair nesta dinâmica, tanto mais se realizará a unidade.

Porventura ficou desatendida a oração de Jesus? A história do cristianismo é, por assim dizer, o lado visível deste drama, no qual Cristo luta e sofre connosco, seres humanos. Sem cessar Ele tem de suportar o contraste com a unidade, e todavia não cessa jamais de realizar-se também a unidade com Ele e, deste modo, com o Deus trinitário. Devemos ver ambas as coisas: o pecado do homem, que se nega a Deus fechando-se em si mesmo, mas também as vitórias de Deus, que sustenta a Igreja não obstante a sua fraqueza, e atrai continuamente homens para dentro de Si aproximando-os assim uns dos outros. Por isso, num encontro ecuménico, não devemos só lamentar as divisões e as separações, mas também agradecer a Deus por todos os elementos de unidade que conservou para nós e incessantemente nos concede. E esta gratidão deve ao mesmo tempo tornar-se disponibilidade para não perder, no meio de um tempo de tentação e de perigos, a unidade assim concedida.

A unidade fundamental consiste no facto de acreditarmos em Deus, Pai omnipotente, Criador do céu e da terra; de O confessarmos como Deus trinitário – Pai, Filho e Espírito Santo. A unidade suprema não é solidão duma mónada, mas unidade através do amor. Acreditamos em Deus, no Deus concreto. Acreditamos no facto que Deus nos falou e Se fez um de nós. Dar testemunho deste Deus vivo é a nossa tarefa comum no momento actual.

O homem tem necessidade de Deus, ou, pelo contrário, as coisas continuam bastante bem mesmo sem Ele? Quando, numa primeira fase da ausência de Deus, a sua luz continua ainda a enviar os seus reflexos e mantém unida a ordem da existência humana, tem-se a impressão de que as coisas funcionem bastante bem mesmo sem Deus. Mas, à medida que o mundo se afasta de Deus, vai-se tornando cada vez mais claro que o homem, na petulância do poder, no vazio do coração e na ânsia de prazer e felicidade, «perde» progressivamente a vida. A sede de infinito está presente no homem de modo inextirpável. O homem foi criado para a relação com Deus e precisa d'Ele. Neste tempo, o nosso primeiro serviço ecuménico deve ser testemunharmos juntos a presença de Deus vivo e, deste modo, dar ao mundo a resposta de que tem necessidade. Naturalmente, deste testemunho fundamental de Deus faz parte, de maneira absolutamente central, o testemunho de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que viveu no nosso meio, sofreu por nós, morreu por nós e, na ressurreição, abriu de par em par a porta da morte. Queridos amigos, fortaleçamo-nos nesta fé! Ajudemo-nos mutuamente a vivê-la! Trata-se de uma grande tarefa ecuménica, que nos introduz no coração da oração de Jesus.

A seriedade da fé em Deus manifesta-se na vivência da sua palavra. No nosso tempo, manifesta-se, de modo muito concreto, no empenho por aquela criatura que Ele quis à sua imagem: o homem. Vivemos num tempo em que se tornaram incertos os critérios de ser homem. A ética foi substituída pelo cálculo das consequências. Perante isto, devemos, como cristãos, defender a dignidade inviolável do homem, desde a sua concepção até à morte: nas questões desde o diagnóstico de pré-implantação até à eutanásia. «Só quem conhece Deus, é que conhece o homem» – disse uma vez Romano Guardini. Sem o conhecimento de Deus, o homem torna-se manipulável. A fé em Deus deve-se concretizar-se no nosso empenho comum pelo homem. Fazem parte de tal empenho pelo homem não só estes critérios fundamentais de humanidade, mas sobretudo, e de forma muito concreta, o amor que Jesus Cristo nos ensina na descrição do Juízo Final (Mt 25, 31-46): o juiz divino julgar-nos-á segundo o modo como nos comportamos para com aqueles que estão próximo de nós, para com os mais pequenos dos nossos irmãos. A disponibilidade para dar ajuda nas necessidades deste tempo, mesmo para além do próprio ambiente de vida, é uma tarefa essencial do cristão.

Como disse, isto vale antes de mais nada no âmbito da vida pessoal de cada um. Mas vale depois também na comunidade de um povo e de um Estado, onde todos nós devemos cuidar uns dos outros. Vale para o nosso Continente, sendo nós chamados à solidariedade na Europa. E vale, enfim, para além de todas as fronteiras: hoje a caridade cristã exige o nosso empenho mesmo pela justiça no mundo em toda a sua vastidão. Sei que muito se faz, da parte dos alemães e da Alemanha, para tornar possível a toda a humanidade uma vida digna do homem, e por isso quero aqui exprimir uma palavra de viva gratidão.

Por fim quero ainda acenar a uma dimensão mais profunda da nossa obrigação de amar. A seriedade da fé manifesta-se também e sobretudo quando esta inspira certas pessoas a colocarem-se totalmente à disposição de Deus e, partir de Deus, também dos outros. As grandes ajudas tornam-se concretas só quando, num lugar, vivem aqueles que estão totalmente à disposição do outro e, deste modo, tornam credível o amor de Deus. Pessoas assim são um sinal importante para a verdade da nossa fé.

Nas vésperas da minha visita, falou-se diversas vezes de um dom ecuménico do hóspede que se esperava da visita em questão. Não é preciso especificar os dons mencionados em tal contexto. A propósito, quero dizer que isto – como na maioria dos casos se apresentava – constitui um equívoco político da fé e do ecumenismo. Quando um Chefe de Estado visita um país amigo, geralmente a sua vinda é antecedida por contactos das devidas instâncias que preparam a estipulação de um ou mesmo vários acordos entre os dois Estados: ponderando vantagens e desvantagens chega-se a um compromisso que, em última análise, aparece vantajoso para ambas as partes, de tal modo que depois o tratado pode ser assinado. Mas a fé dos cristãos não se baseia numa ponderação das nossas vantagens e desvantagens. Uma fé construída por nós próprios não tem valor. A fé não é algo que nós esquadrinhamos e concordamos. É o fundamento sobre o qual vivemos. A unidade não cresce através da ponderação de vantagens e desvantagens, mas só graças a uma penetração cada vez mais profunda na fé mediante o pensamento e a vida. Assim nos últimos cinquenta anos, e particularmente desde a visita do Papa João Paulo II há trinta anos, cresceram muito os pontos comuns, facto este de que podemos apenas sentir-nos agradecidos. Apraz-me recordar o encontro com a comissão guiada pelo Bispo [luterano] Lohse, na qual nos exercitamos juntos nesta penetração de modo profundo na fé mediante o pensamento e a vida. A quantos colaboraram para isso – nomeadamente, na parte católica, o Cardeal Lehmann – quero exprimir vivo agradecimento. Não menciono outros nomes; o Senhor conhece-os todos. Todos juntos podemos apenas agradecer ao Senhor os caminhos da unidade por onde nos conduziu e associarmo-nos com humilde confiança à sua oração: Fazei que nos tornemos um só, como Vós sois um só com o Pai, para que o mundo creia que Ele Vos enviou» (cf. Jo 17, 21). 

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