16 abril, 2010

Aliança Eterna

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Pe. José Carreira das Neves

A pessoa de Jesus tem sido, ao longo dos dois mil e poucos anos de era cristã, uma grande interrogação para a História. Nos primeiros séculos, durante o império romano, surgiram muitas heresias – a dos gnósticas, dos montanistas, de Pelágio, dos monges encratitas…
Os gnósticos, que hoje conhecemos muito melhor com as descobertas da biblioteca de Nag-Hammadi, no centro do Egipto, defendiam que Jesus era um grande mónada, de entre muitas outras, que se colocou entre o pléroma superior e a humanidade inferior, como avatar salvador. A humanidade inferior - todos nós - é fruto da ignorância da Sabedoria do pléroma superior. Com esta “ignorância” deu-se a queda infernal que retirou à humanidade a faúlha divina de onde todos proviemos.
A redenção constante, por isso, na reconquista dessa faúlha. Entre todos os criados, é Jesus que mais possui o dom da faúlha divina e que, como tal intercede por toda a humanidade “perdida”.
Montano, no século II d. C., defendeu que Jesus não era humano, mas apenas divino e que, como tal, se confundia com o Espírito santo. A sua carne era pura aparência.
Este erro já aparece na 1 João 2, 18-13. Segundo o autor da carta, o “Anticristo” já apareceu dentro dos “anticristos” daquela comunidade cristã. São todos os que negam “que Jesus [o homem Jesus] é o Cristo [o Ungido messiânico]… Todo o que nega o Filho fica sem o Pai; aquele que confessa o Filho tem também o Pai.” Na segunda carta de João, o v. 7 é mais preciso: “É que apareceram no mundo muitos sedutores que afirmam que Jesus Cristo não veio da carne mortal. Esse é o sedutor e o anticristo!”.
Muitíssimos monges encheram os desertos da Síria, Palestina e Egipto, nos séculos III-VI, que negavam o casamento, o sexo, como coisa “feia” e “pecaminosa”. São os célebres encratitas.
A sua doutrina provinha do facto de Jesus ser divino e não humano, apenas espiritual e com uma “carne”apenas aparente. Também são classificados de “doceteas”, do verbo grego dokein, que significa “Carne aparente”.
Pelágio situa-se numa outra vertente: Jesus foi um super-homem. Salvamo-nos pelo mérito das nossas obras e não pela graça. Contra Pelágio lutou sobretudo Santo Agostinho.
No século XVIII muitos intelectuais europeus viram em Jesus um homem liberal, de acordo com a cultura liberal do tempo.
No século XIX, tempo do romantismo, uma vez mais os intelectuais europeus viram em Jesus o maior dos românticos a contemplar as searas da Galileia, os lírios do campo, a pesca do lago, a ternura pelos pobres e doentes e pelas crianças. Leiam Ernest Rénan.
Com a crítica histórico-literária, no século XX, sobretudo com R. Bultmann, muitos exegetas e intelectuais europeus, especialmente na Alemanha”protestante”, concluíram que os evangelhos, como chegaram até nós, não eram de Jesus, mas “criação” das comunidades de cristãos primitivos. O verdadeiro Jesus da Galileia nada tinha a ver com milagres, mas apenas com uma ética de mestre pregador, que “falhou” o seu plano de instalar na terra do Reino de Deus.
Nos nossos dias continua entre os pesquisadores intelectuais esta tentativa de encontrar o verdadeiro Jesus da história na panóplia dos textos sobre Jesus da fé e da Igreja. Em terminologia mais simples, o que esses intelectuais procuram é sempre um Jesus à medida humana.
Como resposta deixemos que o primeiro versículo do evangelista São Marcos, no início da pregação de Jesus na Galileia, nos encha os ouvidos: “Depois de João ter sido preso, Jesus foi para a Galileia, e proclamava o Evangelho de Deus, dizendo: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho”. (Mc 1, 14-15). O “escândalo” reside no verbo de acção: arrependei-vos.
Se Jesus prega o arrependimento é porque há pecado. Simplesmente, na cultura actual, laica e hedonista, não há lugar para o “pecado”. Jesus foi um liberal, um romântico, um amigo de pobres e doentes, pouco interessado nos pecados dos fariseus e saduceus porque combatia os sacrifícios do Templo onde os pecadores eram perdoados por obra e graça do sangue dos animais.
E é verdade que Jesus combateu os sacrifícios do Templo, o que não significa que não combatesse o pecado. Ele existe no coração de todos e não há Reino de Deus onde existe a injustiça, a corrupção, a pedofilia, o orgulho, o interesse egoísta, o desprezo pelo outro. E para que não haja dúvidas sobre o verdadeiro Jesus, o drama da humanidade recai sobre Jesus na ceia pascal:”Tomai e comei: Isto é o meu corpo… Bebei dele todos, porque este é o meu sangue, sangue da Aliança, que vai ser derramado por muitos (todos), para perdão dos pecados” (Mt 26, 25-28 e paralelos).
Na última ceia – ceia pascal – o verdadeiro Jesus apresenta-se como a palavra final do drama da criação de Deus.
O grande pecado “original”, na história de Israel e do mundo, consiste em não aceitar as muitas alianças de Deus com o seu povo. Não aceitar a Aliança é não aceitar que Deus intervenha na História com leis e mandamentos de amor e verdade.
Todos queremos construir a nossa torre de Babel onde a “língua” de Deus não pode entrar. Nós e só nós é que existimos – Deus e as suas leis de aliança são um empecilho.
A última aliança – a de Jesus – deixa, realmente, de lado Moisés, sacrifícios do Templo, leis do puro e impuro, para se fundamentar na aliança que se confunde com a vida, sangue e morte das pessoa de Jesus, a única “eterna”…há olam!
Não há verdadeiro Jesus sem morte e sangue – doação total ao Pai e a Humanidade.
Santa Páscoa!
  
Labat n.º 103 de Abril de 2010

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