A Igreja, no tempo litúrgico de Natal e Epifania, que celebramos, deu-nos a ler e meditar, nas suas Eucaristias e leitura das Horas, o texto central de S. Paulo, na carta aos Gálatas 4, 4-7: Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei, para resgatar os que se encontravam sob o domínio da Lei, a fim de recebermos a adopção de filho. E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: ABBÁ! - PAI! Deste modo, já não és escravo, mas filho, e se és filho, és também herdeiro, por graça de Deus.
Nesta passagem, S. Paulo oferece-nos o arco teológico de toda a teologia cristã. Neste arco teológico sobressaem os seguintes temas:1) plenitude dos tempos; 2) aparecimento do Filho de Deus; 3) nascido de mulher; 4) domínio da Lei; 5) redenção da Lei; 6) Espírito; 7) filiação adoptiva e herança.
1. PLENITUDE DOS TEMPOS
S. Paulo não conhecia, a nível cosmológico, o que nós conhecemos: que o Universo apareceu há uns quinze mil milhões de anos. Os físicos e astrofísicos procuram, de maneira científica, o princípio do Universo - o célebre Big Bang. É bom que assim seja. Que trabalhem em liberdade e autonomia científica e que possamos, um dia, ver e contemplar os seus resultados.
2. APARECIMENTO DO FILHO DE DEUS
Para S. Paulo, os tempos de revelação de Deus tinham amadurecido. Ele é judeu e pensa como judeu. Conhecia a filosofia e as tragédias gregas e conhecia o poder do império romano. Também conhecia os impérios da Mesoptâmia e do Egipto através das Escrituras Hebraicas. Mas eram as Escrituras Hebraicas que lhe interessavam porque só elas transmitiam a vontade e o desígnio divino de Deus. E elas referiam de maneira directa e indirecta a vinda do Messias - o Filho de Deus. Este Filho apareceu-lhe, agarrou-o, e ele deixou-se agarrar como acontecera com outros profetas do Antigo Testamento.
3. NASCIDO DE MULHER
O Filho não caiu do céu à terra como um meteorito divino. Foi concebido no seio de uma mulher. S. Paulo nunca fala de Nossa Senhora como Maria de Nazaré nem de S. José. Deixemos o silêncio e o mistério falarem mais alto. Sabemos que S. Paulo foi de propósito a Jerusalém conversar com as "autoridades" cristãs, Tiago, Cefas e João, sobre a sua conversão (Gálatas 2, 6-9).Muito deve ter conversado sobre o real Jesus da história. Muito deve ter aprendido sobre a "Sagrada Família". Seja como for, para S. Paulo s+o lhe interessava a pessoa de Jesus nascido de mulher sob o domínio da Lei.
4. DOMÍNIO DA LEI
S. Paulo é o primeiro escritor cristão com as suas cartas dirigidas a várias igrejas domésticas de então, que ele fundara. Só muitos anos mais tarde é que apareceram os evangelhos e demais escritos do Novo testamento. Para S. Paulo a vinda de Jesus Cristo não foi em vão. Se lhe apareceu também não foi em vão. Apareceu-lhe para ser apóstolo-enviado da salvação. Se até então, a salvação se centrava na Lei de Moisés, a partir de agora centrava-se na pessoa do Salvador que nos salvava do próprio domínio da Lei. Se a Lei fora dada a Moisés por causa do pecado, o Salvador desfaz em si esse "domínio" e "tirania". O aparecimento do salvador não teria qualquer razão de ser sem este postulado - a salvação ou soteriologia.
5. REDENÇÃO DA LEI
O verbo grego utilizado por S. Paulo, esagoráô, tanto significa "redimir", "resgatar", "salvar" da Lei. Ainda hoje continuamos a estudar e discutir sobre este assunto fundamental nas cartas aos Gálatas e Romanos de S. Paulo. Os judeus não aceitam e entre os cristãos católicos, ortodoxos e protestantes/evangélicos há vários modos de interpretar. Deixemos que os exegetas estudem. Fixemo-nos apenas no sentido literal dos verbos redimir, resgatar e salvar. Para os compreender em profundidade existencial cristã, S. Paulo ajuda-nos com o que se segue.
6. ESPÍRITO
Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho que interpreta a pessoa do Filho-salvador. A exegesse científica é muito necessária como as descobertas científicas da física, química, medicina, etc. No campo da teologia cristã - a ciência de Deus-, o Espírito é sempre a última palavra. Nem sempre a nossa Igreja de Bispos, Padres, diáconos, teólogos, movimentos e paróquias, racionam com S. Paulo. É pena, diria S. Paulo, se cá viesse conversar connosco. Mas ele já veio e já escreveu. Nós somos os seus herdeiros.
7. FILIAÇÃO ADOPTIVA E HERANÇA
S. Paulo tem à sua frente o horizonte teológico dos seus irmãos judeus para quem a filiação adoptiva e respectiva herança lhes pertencia por direito próprio. A Bíblia do AT reafirma esta verdade - são o seu bilhete de identidade. S. Paulo estende este bilhete de identidade a todos os cristãos baptizados em Cristo, judeus e pagãos. Assim há dois mil anos e assim continuamos a ser.
Que o Espírito do Filho-Salvador nos ilumine, neste novo ano, sobre todas estas verdades, razão de ser da nossa vida. Não somos escravos da Lei, do dinheiro, do consumismo, da corrupção, da intriga, mas somos filhos e herdeiros a viver em liberdade, graças a Deus. BOM ANO!
Pe. Joaquim Carreira das Neves, O.F.M.
Labat n.º 101, de Fevereiro de 2010
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