24 dezembro, 2011

Mensagem de Natal do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo

24 de Dezembro de 2011



Em texto


Senhores telespectadores e rádio-ouvintes,

Os portugueses, este ano, celebram o Natal em ambiente de crise. Há desempregados, famílias em dificuldade, há mais pobreza, mais sofrimento, há crise de esperança. Convido-vos, esta noite, a inverter os termos da questão. Em vez de nos perguntarmos como é possível celebrar a alegria do Natal, mergulhados neste sofrimento colectivo, procuremos descobrir em que medida é que o Natal, a festa do Deus connosco, nos pode ajudar a viver positivamente este momento.

O nascimento de Jesus inaugura o período definitivo da humanidade, em que Deus se fez Homem e é um Deus connosco, em todas as circunstâncias. Podemos viver todas as realidades da vida nessa proximidade de Deus, que transforma e dá sentido novo a toda a aventura humana. Jesus ensinou os discípulos que, quem acreditar nesta proximidade activa de Deus, dirá a uma montanha que ela se desloque e ela obedecer-lhe-á. Jesus nasceu para ser uma força decisiva na nossa luta da vida.

Ele ensina-nos a não nos assustarmos com o sofrimento, mas a enfrentá-lo com coragem e generosidade. Ele próprio enfrentou uma morte cruel e injusta e ofereceu-Se por nós, amou-nos no Seu sofrimento. O P. Teilhard de Chardin, escreveu, perante a dimensão gigantesca do sofrimento humano: a humanidade daria um salto qualitativo em ordem à sua perfeição, se esse sofrimento não fosse apenas sofrido, mas oferecido com um sentido novo. A nossa cultura contemporânea foi perdendo a notícia dessa fecundidade do sofrimento humano, quando vivido em união com a Cruz de Cristo, Ele o Deus connosco. Um dos frutos do presente sofrimento colectivo pode ser levar a sociedade a abrir-se a uma nova etapa da civilização, que dê maior prioridade à pessoa, uma ordem económica que acentue o bem comum, vença os individualismos, as desigualdades chocantes, todas as formas de materialismo; que aprenda a dar prioridade aos valores do espírito e não apenas ao dinheiro.

Jesus ensinou-nos a olhar para o nosso vizinho que sofre, como o nosso próximo. E à pergunta que lhe é feita, sobre quem é o meu próximo, Jesus responde que não é apenas aquele com quem me cruzo, mesmo tomando consciência do seu problema, mas aquele cujo sofrimento me tocou o coração e me desafia a amá-lo como um irmão.

O Papa Bento XVI afirmou que a caridade “é um coração que vê”; e o coração vê de outra maneira, vê mais do que a análise objectiva das situações, vê o irmão que sofre, cuja salvação depende do meu amor. Não nos basta fazermos análises claras da crise que atravessamos, temos de estar atentos e deixar que o sofrimento dos outros nos toque o coração. O próprio sofrimento gera a comunhão de amor, constrói comunidade, ajuda à vitória sobre os individualismos, é semente de transformação da sociedade. Quando o sofrimento dos outros nos toca o coração, tornamo-nos inventivos na busca de ajuda; é a fecundidade transformadora do amor.

E se nesta noite de Natal, no Seu nascimento na pobreza e simplicidade de uma gruta, Jesus nos falasse, o que nos diria? Convidar-nos-ia a escutá-l’O no Sermão da Montanha: “Felizes os que estão aflitos, porque serão consolados; felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados; felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia; felizes os construtores da paz, porque serão chamados filhos de Deus” (cf. Mt. 5,5-7). Que a nossa aflição, o nosso grito de equidade e de justiça, não nos impeça de procurar sempre, nas novas circunstâncias, a paz, isto é, a harmonia social que permita e favoreça mais a cooperação do que o confronto. Esta busca da paz pode ser atitude decisiva para vencermos a crise.

Na pobreza da gruta, o amor irradiante de Maria, a Mãe Imaculada, é mensagem de paz e de alegria. Com ela aprendemos que a alegria é sempre possível e que a esperança é atitude que não morre em quem acredita e ama.

Apesar das dificuldades que muitos estão a sentir, desejo-vos com fé e com amor, a alegria do Natal.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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