04 março, 2011

O DEMÓNIO E AS TENTAÇÕES (8)


Quando falamos de superstições e das suas múltiplas formas, devemos ter em conta também todas as formas de adivinhação e magia, todas elas envolvidas no ocultismo.
Tentarei abordar estas superstições de um modo simples e directo, (com pensamentos comuns ao dia-a-dia), até porque há numerosos livros sobre o assunto, sobretudo os de alguns sacerdotes e leigos cristãos católicos. Há que ter cuidado também com essa literatura, pois há muito “lixo”, e quem não estiver minimamente preparado, pode ficar confundido.

A adivinhação, veementemente condenada pela Doutrina da Igreja, (conf. Cat. Igr. Cat. Ns 2115; 2116; 2117, aqui), tem tantas formas que seria difícil enumerá-las todas, pois vão desde a “simples” leitura da sina na palma da mão, passando por horóscopos, lançamento de cartas, consultas de “videntes“, etc., até à evocação dos mortos.
Todas elas, no fundo, se destinam a “satisfazer” o homem na busca do conhecimento do futuro, o que desde logo determina, pelo menos, três atitudes contrárias à vontade de Deus e como tal um afastamento, uma recusa à aliança de amor de Deus com o homem.

Porque representam desde logo uma falta de confiança em Deus e na Sua vontade para cada homem, que é sempre a sua salvação.
Depois porque representam sempre uma predestinação, ou seja, a assunção de uma falta de liberdade do homem em relação à vida, vida que Deus lhe deu em liberdade.
Depois ainda, porque levam o homem a querer prescindir de Deus, fazendo-se ele mesmo senhor da sua vida.

É uma falta de confiança em Deus porque, se acreditamos que Ele nos criou no Seu amor, acreditamos que Ele só quer então o nosso bem, e permanecendo com Ele e n’Ele nada devemos temer, porque tudo o que for permitido acontecer nas nossas vidas concorre para o nosso bem, pois sabemos e acreditamos que Deus até do mal retira o bem.

Representa uma predestinação, pois se acreditamos que alguém nos revela o futuro, então acreditamos que nossa vida está predestinada, o que contraria totalmente a liberdade em que Deus nos criou.
O homem é livre de construir a sua vida como entender. Se o fizer em comunhão com Deus, caminha para a plenitude, para a felicidade, se o faz em rotura com Deus, “constrói” a sua própria condenação.

Leva o homem a querer prescindir de Deus, pois que, se “pode conhecer” o seu futuro, então está predestinado, e se está predestinado então Deus “não serve para nada”.

Deus criou-nos em liberdade, em total liberdade, por isso nós podemos escolher o caminho que queremos seguir, ou seja, no fundo somos nós que “fazemos” o nosso futuro, condicionados de alguma forma, é certo, pelo mundo que nos rodeia.
Se vivemos para Deus, temos o nosso futuro nas mãos de Deus. Se vivemos afastados de Deus, colocamos o nosso futuro fora de Deus.

Mas se consultamos qualquer forma de adivinhação, então é porque acreditamos que podemos conhecer o futuro, e se o conhecemos e ele existe como nos é “revelado”, como poderemos nós modificá-lo?
É que se está nas nossas mãos modificá-lo, então já não é o futuro que nos foi indicado, e como tal é uma mentira!
Então porquê acreditar nessas práticas?

Com certeza que podemos fazer o nosso futuro, não na medida em que o conhecemos antecipadamente, mas sim na construção da vida diária em comunhão com Deus.
Deus não nos revela o nosso futuro, a não ser na medida em que acreditamos que Ele está sempre connosco e se nós deixarmos, nos conduz para Ele.
Então se Deus não nos revela o nosso futuro, quem o poderá fazer a não ser o oculto, a não ser aquele que vive afastado da vontade e da aliança com Deus?
Então se nos servimos do oculto para sabermos o nosso futuro, com quem então é que fazemos aliança? Com Deus ou com o Diabo?

Por isso mesmo devemos ter um cuidado redobrado nessas práticas, não só porque não são queridas por Deus, porque estão fora da Doutrina da Fé que afirmamos professar, mas também porque nos colocamos nas mãos daquele que nos quer perder.
E por isso também, (sobretudo os jovens), devemos ter cuidado com experiências e “brincadeiras” desse tipo, pois como diz o ditado popular: «quem anda à chuva molha-se.»

E a magia, a feitiçaria é outro tanto, sobretudo quando são “usadas” para fazer mal a outrem.
Desenganemo-nos … não há magia e feitiçaria boa e má.
Todas essas práticas são más, porque se servem do oculto, se servem de tudo aquilo que Deus abomina.

Alguém, verdadeiramente cristão católico, pediria a Deus o mal do seu irmão?
Claro que não, porque seria uma atitude totalmente oposta à vontade de Deus que quer o bem de todos.
«Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem.» Mt 5,44

Então porque é que alguns de nós erradamente se servem de tais práticas? Apenas por ignorância?
Não parece, porque todos têm consciência que essas práticas são de alguma forma escondidas, são de alguma forma erradas.
Aliás se o não fossem, porque é que a Igreja não ser serviria delas também?

E no entanto a Doutrina da Igreja condena-as veementemente, como podemos ler no Catecismo da Igreja Católica Ns 2115; 2116; 2117, aqui.

Essas práticas são também e ainda, sem dúvida, muito prejudiciais para quem as procura, porque torna realidade o ditado popular: “Vira-se o feitiço contra o feiticeiro.”
Com efeito, se o homem se serve do oculto, faz aliança com ele.
E se faz aliança com ele, fica nas suas mãos. Ora o oculto, o demónio, não liberta, antes pelo contrário, aprisiona. A mentira torna-se vício, o pecado escraviza.

Nalguns momentos em que ouvimos pessoas que passam, ou passaram por essas práticas, percebemos a intranquilidade, a falta de paz e tantas vezes até, os problemas físicos, tais como dores de cabeça, insónias, mal-estar, etc., etc.
E, sem qualquer intuito de assustar, ou meter medo, a verdade é que é muito fácil entrar nesse caminho, mas é muito mais difícil sair, precisamente porque o Demónio não quer libertar aqueles que tem ou teve do seu lado.

Esta é com certeza uma linguagem simples, desprovida de conceitos complicados, mas é uma linguagem para que se entenda sem margem para dúvidas, o mal que podemos causar a nós próprios, quando nos deixamos enveredar por esses caminhos.

Atentemos ao que nos diz o Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, numa expressão que não deixa margem para dúvidas.

Excertos de uma entrevista feita por Ignacio Artizzo, para a revista «Una voce grida…», em Março de 1999 (1)

O que é a magia?

É o uso de forças aparentemente miste¬riosas, para alcançar um domínio sobre a realidade física e até psicológica. Ou seja, a tentativa de instrumentalizar os poderes sobrenaturais, para uso próprio. Com a magia sai-se do campo da racio¬nalidade e da utilização das forças físicas mostradas pela ciência. Procura-se – e, às vezes, até se encontra - um modo de apoderar-se da realidade com forças des¬conhecidas. Pode ser em muitos casos, uma fraude, mas também pode acontecer que, com elementos que fogem à racio¬nalidade, se possa entrar num certo domínio da realidade.

S. Paulo, em Chipre, define publicamente o mago Elimas como "filho do diabo". Podemos portanto afirmar com certeza que, por trás da magia e do mundo do oculto, está sempre o diabo?

Sim. Eu diria que sem o diabo, que provoca esta perversão da criação, não seria possível todo este mundo do ocultismo e da magia. Entra em jogo um elemento que vai para além da realidade da razão e das realidades identificáveis com a ciência unida a uma razão sincera. Oferece-se um elemento aparentemente divino, ou seja, forças que podem fornecer êxitos, experiências que aparecem como sobrenaturais e frequentemente como divinas. São, pelo contrário, uma paródia do divino. Poderes, mas poderes de queda, que na realidade, são ironias contra Deus.

Então, quais são os perigos para aqueles que mantêm relações com a magia e o ocultismo?

Começamos também aqui pelo aspecto fenomenológico. A cilada é apresentada com coisas promissoras, como uma experiência de poder, de alegria, de satisfação. Mas depois uma pessoa entra numa rede demoníaca, que se torna, passado pouco tempo, muito mais forte do que ele. Não é mais o homem dono da sua casa.
Suponhamos que uma pessoa entra a formar parte de uma seita ou de um grupo de mágico. Tornar-se-á escravo, não só do grupo - o que já seria gravíssimo - dado que estas seitas podem alienar totalmente uma pessoa. Mas será escravo da realidade que está por detrás do grupo, ou seja, uma realidade realmente diabólica. E assim caminha para uma auto-destruição sempre mais profunda, pior do que aquela da droga.

Nenhum dos ocultistas declara abertamente trabalhar com a ajuda do diabo. Pelo contrário, quase todos afirmam serem crentes e desejarem fazer o bem. Usam imagens sagradas, crucifixos...

Sim, a mentira profunda concretiza-se depois em mentiras mais evidentes. O mago, na sua orientação pessoal, chega à mentira. Depois, torna-se natural utilizar todos os meios concretos para exprimir e fazer actuar a mentira. Naturalmente que o sincretismo é um dos elementos fundamentais do mundo mágico e ocultista, que se serve das religiões e, sobretudo, dos elementos cristãos, pervertendo-os, com o objectivo de atrair as pessoas e tornar-se credível, também na esperança de usar a força escondida da realidade cristã. Vemo-lo nos Actos dos Apóstolos com Simão, o Mago, que queria comprar a força dos apóstolos. "Simão, vendo que o Espírito era dado por meio da imposição das mãos dos apóstolos, ofereceu-lhes dinheiro, dizendo: "Dai-me também a mim esse poder, a fim de que todo aquele a quem eu impuser as mãos, receba o Espírito Santo." Mas Pedro disse-lhe: "O teu dinheiro pereça contigo, visto que julgaste que o dom de Deus se pode adquirir com dinheiro. Tu não tens parte nem herança neste ministério, porque o teu coração não é recto diante de Deus. Faz, pois, penitência desta tua maldade, e roga a Deus que, se é possível, te seja perdoado este pensamento do teu coração. Porque vejo-te cheio de amargo fel e entre os laços da iniquidade. "(Actos 8:18-23)

Diz-se que existem formas de magia e de adivinhação inócuos e inofensivos, como"ler" a palma da mão, os tarots e horóscopos. E ironiza-se contra o Novo Catecismo, que condenou estas práticas. Há alguma escala de gravidade ou são tudo práticas do mesmo género, e portanto, todas são graves?

Existe talvez um uso mais ou menos leve, mas de qualquer modo não aceitável, porque abre a porta ao ocultismo. Se uma pessoa começa a mover-se nesta direcção, há o perigo de cair na armadilha mais profunda. Mas o fato de que se deslize facilmente e, muitas vezes, inevitavelmente, uma vez entrado neste caminho, não deve levar-nos a um rigorismo que já não distingue entre comportamentos que são sinal de uma certa ligeireza de vida, e um modo de actuar daqueles que entraram em cheio nestas práticas. Uma certa distinção existe sem dúvida, mas deve-se ter presente que um degrau conduz facilmente a outro, porque o terreno é escorregadio.

Que diria a quem frequenta a Igreja e também o ocultismo, ou pratica ele próprio o ocultismo, pensando que uma coisa não é incompatível com a outra?

Eu diria que deve começar a compreender melhor a fé, e inserir-se profundamente no caminho cristão, para compreender que são coisas completamente diferentes. Se escuto a Palavra do Senhor, com a minha mão na mão do Senhor, deixo-me guiar pelo amor de Cristo, insiro-me na grande comunhão da Igreja, caminhando sempre com a Igreja na estrada de Cristo. Muito diferente é se eu começo a entrar na realidade grave do ocultismo. As duas atitudes são desde o princípio profundamente diferentes. Compreender esta distinção é uma decisão fundamental do homem, é o passo inicial do caminho de fé.
Pensemos no rito do baptismo, onde temos, por um lado, o "sim" ao Senhor e à Sua lei, e, por outro lado, o "não" a Satanás. Em tempos passados, voltávamo-nos para o Oriente para dizer "sim" ao Senhor, e para o Ocidente para dizer "não" às seduções do diabo. Com este ritual, nascido em tempos em que, como acontece hoje, a Igreja estava cercada e atacada por práticas de ocultismo, compreende-se a diversidade irreconciliável destes dois comportamentos. Eu digo "sim" ao caminho do Senhor, e isto implica que diga o meu "não" às práticas mágicas. Devemos renovar num sentido muito concreto e realista esta dupla decisão. Dizer "sim" a Cristo significa que não posso "servir a dois senhores", como diz o próprio Senhor, e se eu digo "sim" ao Senhor, não posso ao mesmo tempo dizer "sim" a esses poderes ocultos, mas devo dizer: "não, não aceito a sedução do demónio ". E talvez, por ocasião da renovação dos votos baptismais que fazemos antes da Páscoa, se deveria explicar que o que pronunciamos não é um ritual antigo, mas uma decisão importante para a nossa vida hoje, um acto concreto e realista.

Existe um ponto de não-retorno para aqueles que deram as suas vidas à magia?

É difícil responder. Se uma pessoa caiu naquilo que o Senhor chama "pecado contra o Espírito Santo", como aversão a Deus e maldição do Espírito de Deus, pervertendo o seu espírito, abrindo-o à acção do demónio, aqui se realiza, talvez, aquilo que o Senhor indica como o ponto de não-retorno. Mas da nossa parte, não podemos julgar este aspecto. Devemos dizer sempre: há esperança de conversão. Naturalmente que, para uma pessoa que entrou nesse mundo, uma conversão radical torna-se necessária, e é uma conversão que se torna cada vez mais difícil, realizável só com a forte ajuda do Espírito Santo, implorado pela Comunidade da Igreja que procura ajudar estas pessoas a voltar para Deus. Assim, devemos sempre ter esperança, e fazer tudo o que for possível para implorar o perdão de Deus e para iluminar essas pessoas e mantê-las abertas a uma conversão profunda. É necessário ainda realizar a expulsão do demónio. Um rito cuja importância, por um certo tempo, não foi mais compreendida pelos cristãos, mas que agora recebe um novo entendimento e significado muito concreto. Porque se trata de libertar as pessoas do demónio que, por causa do contacto com a magia e o ocultismo, tinha deles tomado posse.

Então, são necessários os exorcismos?

Certamente que sim.

Às vezes as pessoas recebem esta mensagem, mas lamentam a escassa informação da parte dos próprios homens da Igreja. Que mais fazer para informar os incautos?

Devemos encontrar novas formas de apostolado. A difusão do ocultismo, na sua forma actual, é um fenómeno bastante recente. Mesmo há dez anos atrás, ainda nos faltava informação sobre este assunto. Talvez não estivéssemos preprados para este ataque, e não preparámos suficientemente os fiéis. Parece-me que deveríamos disponibilizar umas breves informações que digam o essencial de modo compreensível. Devíamos introduzir este tema também na catequese de adultos e formação permanente de qualquer cristão.

É um critério pertinente de avaliação que o ocultista exija ou não dinheiro?

Depende da sua anterior decisão de ser um mago. Se o seu trabalho fosse moralmente justo, poderia pedir para ser pago. Mas dado que a sua ocupação, como tal, implica a mentira e a perversão da realidade, a presença do dinheiro não serve para outra coisa senão para prosseguir a mentira fundamental que está na base. Neste sentido, no negócio da magia e de "poderes", torna-se visível uma perversão ainda mais profunda. As coisas espirituais não podem ser pagas, e a verdadeira experiência espiritual, que é aquela que Cristo me oferece, só a posso obter com a minha conversão, com o meu "êxodo" espiritual. É necessário, portanto, ajudar as pessoas caídas na rede do oculto a reencontrar o caminho da conversão, oferecendo-lhes uma comunidade, e acompanhá-los até à fé, e ajudá-los a pôr-se a caminho em direcção à verdade, além de obviamente ajudá-los a aproximarem-se - se estão reunidas as condições – do exorcismo efectuado por sacerdotes autorizados pelo seu Bispo.

(1) Entrevista gentilmente cedida por: “newsletter” É o Carteiro?

Marinha Grande, 3 de Março de 2011
(continua)
Joaquim Mexia Alves

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