29 setembro, 2011

XXXVII Aniversário do RCC em Portugal


XXXVII Aniv. RCC

Currículo do Pe. João Carlos Almeida

Jovem sacerdote da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, nasceu em Brusque (SC). Durante o tempo de estudos de teologia teve oportunidade de se dedicar de modo intenso a dar cursos de liturgia em diversas paróquias, principalmente na Diocese de Taubaté (SP).
Após ser ordenado padre exerceu a sua primeira tarefa pastoral no Santuário São Judas Tadeu, em São Paulo, onde, entre outras atividades, acompanhou a juventude, a Pastoral Litúrgica, a Pastoral do Dízimo e o Renovamento Carismático Católico.
Ainda nestes primeiros anos de sacerdócio, encontrou tempo para atuar nos mais diversos meios de comunicação social. Compositor de sensibilidade mística e popular, o Pe. Joãozinho, como é mais conhecido, gravou, produziu e participou em diversos discos pelas Paulinas. É o autor da conhecida canção "Conheço um Coração".
Dedica-se também à evangelização pela televisão com os programas "A Palavra de Deus" pela Associação do Senhor Jesus, "Sempre Jesus" pela Revista "Família Cristã" e "Toque de Vida" pela TV Canção Nova.
Publicou vários livros através das Edições Loyola, entre os quais: "25 maneiras de rezar o Terço", com mais de 50.000 exemplares vendidos, "Combate Espiritual" e "Nova Era e Fé Cristã".
Atualmente o Pe. Joãozinho, além de escrever, cantar e pregar, dedica-se à formação de novos sacerdotes como professor de teologia sistemática no Instituto Teológico SCJ em Taubaté (SP).


Para mais informações:

Secretariado de PNEUMA
Trav. Cruz da Era, 2A
1500-214 Lisboa
Tel. 21 716 14 15

26 setembro, 2011

O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA (2)




2 – O Sacramento da Penitência

O texto/imagem bíblica que talvez melhor expresse em todas as suas vertentes este sacramento, e a sua importantíssima necessidade para cada cristão, é sem dúvida a Parábola do Filho Pródigo, que podemos ler no Evangelho de São Lucas 15,11-32

Aquele filho tinha tudo, nada lhe faltava, mas mesmo assim decidiu romper a sua relação com o pai e afastar-se dele.
Mesmo assim, o pai com nada lhe faltou, e viu-o partir.
O rompimento dessa relação de amor com o pai, levou-o a uma vida desregrada, a uma vida dissoluta, no fundo a uma vida de pecado.
Essa vida dissoluta, conduziu-o inevitavelmente aos vícios, que retiram a liberdade ao homem, e como tal são causa de intranquilidade, de provações, de desespero.
É isso que o pecado faz no homem, quando o homem nele se deixa cair e viver, aprisionando-o, retirando-lhe a alegria de viver, provocando-lhe ao longo do tempo, mais dor do que prazer.
Mas o filho reflecte, faz um “exame de consciência” e percebe que a vida que leva está errada, não tem sentido, e que só a relação com o pai lhe dá paz, lhe dá mais vida.
Arrependido parte à procura do pai para lhe pedir perdão pelos seus actos.
Mas o pai não fica extático á espera do pedido de perdão do filho. O pai vai também ao encontro do seu filho.
Podemos ver aqui, sem grande esforço a figura do sacerdote, que vai ao encontro daquele que se aproxima do Sacramento da Penitência.
O filho arrependido, já nada exige, a não ser fazer a vontade de seu pai, o que constitui sem dúvida a imagem do propósito de emenda.
Mas o perdão do pai é de tal modo, que lhe abre os braços e volta-o a tratar como o filho querido que sempre foi.
E ao recebê-lo novamente como filho, a liberdade daquele filho é restabelecida, porque a relação de amor verdadeiro é sempre assente na liberdade de cada um.
O perdão de Deus é tão infinito, que pelo Sacramento da Penitência, a reconciliação, a relação com Deus, é de imediato restabelecida em toda a sua dimensão de eterno amor.
Era assim necessário que aquele filho procurasse o pai arrependido, mas era também necessário que o pai viesse ao encontro do filho, para o perdoar e acolher.

A Igreja, sobretudo no Concílio de Trento, apresenta como fundamento principal da instituição do Sacramento da Penitência o texto bíblico do Evangelho de São João 20,22-23
«Em seguida, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos.»

O texto é tão claro, tão preciso, que parece, (e é sem dúvida), uma resposta àqueles que afirmam que o Sacramento da Penitência não é necessário, pois se “confessam” directamente a Deus.

Deus quis instituir este sacramento assim, servindo-se dos homens, porque Ele mesmo, na pessoa de Jesus Cristo, se quis encontrar com os homens, num contacto directo, através dos sinais e linguagens da condição humana, quis viver como nós e passar pelas mesmas condições que nós, excepto o pecado.

Como nos diz o Arcebispo Bruno Forte, numa Carta Pastoral à Igreja de Chieti-Vasto para o Advento de 2005, sobre O Sacramento da Penitência:
«Como Ele saiu de si mesmo por nosso amor e veio “tocar-nos” com a sua carne, assim nós somos chamados a sair de nós mesmos por seu amor e ir com humildade e fé ter com quem pode dar-nos o perdão em seu nome mediante a palavra e o gesto.
Somente a absolvição dos pecados, que o sacerdote nos dá no Sacramento, pode comunicar-nos a certeza interior de sermos verdadeiramente perdoados e acolhidos pelo Pai que está nos Céus, porque Cristo confiou ao ministério da Igreja o poder de ligar e desligar, de excluir e de admitir na comunidade da aliança. (cf Mt 18,17)»

Com efeito, como podemos nós aferir se determinado comportamento é pecado ou não, se verdadeiramente na nossa consciência temos dúvidas?
A nossa consciência é “moldável” perante tantas circunstâncias, que neste caso concreto da nossa relação com Deus, (ou do rompimento dessa relação da nossa parte), só com algo, ou alguém para além de nós, podemos aferir se aquilo que nos incomoda é realmente pecado, e sobretudo e também, podermos ouvir e perceber espiritualmente e fisicamente o perdão de Deus.
É curioso percebermos que, em tantas coisas da nossa vivência da Fé, pedimos sinais visíveis, palpáveis, e no entanto, em algo tão importante e imprescindível para a vivência dessa Fé, que é a nossa relação com Deus que dá sentido a essa Fé, queremos prescindir dos sinais visíveis e palpáveis que o próprio Deus nos concede.

Só na celebração do Sacramento da Penitência perante o sacerdote que nos ouve e connosco fala, o mesmo sacerdote nos pode ajudar a percebermos a dimensão total do nosso pecado, a necessidade do nosso arrependimento e nos conduzir, não só ao perdão de Deus, mas à consciência do perdão a nós mesmos e aos outros.
Muito mais ainda isto é verdade, se nos lembrarmos que a Igreja nos ensina que o sacerdote no Sacramento da Penitência é pessoa de Cristo, ou seja, nos estamos a confessar verdadeiramente a Jesus Cristo.

É importante percebermos que não é o sacerdote que nos concede o perdão dos nossos pecados, mas sim, pela autoridade de Cristo em que está investido, é o próprio Deus que nos perdoa.

Aliás, a confissão dos pecados, no Sacramento da Penitência, não dá origem a um “julgamento”, nem o sacerdote é um “juiz” que vai aferir do “tamanho” dos nossos pecados, mas apenas nos vai colocar perante a realidade das nossas faltas e ajudar-nos a compreender como é necessário, para além do perdão de Deus que nos leva à reconciliação com Ele, o perdão a nós próprios, porque tantas vezes ao falharmos, nos julgamos com demasiada severidade, o que por sua vez, nos conduz a uma vergonha interior que nos retira a paz.

Leva-nos também a perceber a necessidade de pedirmos perdão a quem ofendemos, e a perdoarmos a quem nos ofendeu, para que em nós seja uma realidade o que rezamos no Pai Nosso: «Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos».
Joaquim Mexia Alves

Bento XVI - Cerimónia de despedida da Alemanha

DISCURSO DO PAPA BENTO XVI
 

Aeroporto de Lahr
Domingo, 25 de Setembro de 2011



Ilustre e amado Presidente Federal,
Distintos Representantes do Governo Federal,
do Land Baden Württemberg e dos Municípios,
Amados Irmãos no Episcopado,
Gentis Senhoras e Senhores!

Antes de deixar a Alemanha, sinto o dever de agradecer pelos dias, cheios de emoções e ricos de acontecimentos, passados na nossa pátria.

A minha gratidão a Vossa Excelência, Senhor Presidente Federal Wulff, que, em Berlim, me acolheu em nome do povo alemão e agora, no momento da despedida, de novo me honrou com as suas amáveis palavras. Agradeço aos Representantes do Governo Federal e dos Governos dos Länder que vieram a esta cerimónia de despedida. Um cordial obrigado ao Arcebispo de Friburgo, D. Zollitsch, que me acompanhou durante toda a visita. De bom grado estendo os meus agradecimentos também ao Arcebispo de Berlim, D. Woelki, e ao Bispo de Erfurt, D. Wanke, que me demonstraram igualmente a sua fraterna hospitalidade, bem como a todo o Episcopado alemão. Por fim, dirijo um agradecimento particular a quantos, nos bastidores, prepararam estes quatro dias, assegurando o seu decurso livre de impedimentos: às instituições municipais, às forças da ordem, aos serviços sanitários, aos responsáveis dos transportes públicos, e também aos numerosos voluntários. Agradeço a todos por estes dias estupendos, por tantos encontros pessoais e pelos inumeráveis sinais de atenção e de estima que me manifestaram.

Na capital federal de Berlim, tive a ocasião particular de falar diante dos parlamentares no Deutscher Bundestag, expondo-lhes algumas reflexões sobre os fundamentos intelectuais do estado de direito. De bom grado volto com o pensamento também aos frutuosos colóquios com o Presidente Federal e a Senhora Chanceler sobre a actual situação do povo alemão e da comunidade internacional. Tocou-me de modo particular o acolhimento cordial e o entusiasmo de tantas pessoas em Berlim.
No País da Reforma, naturalmente o ecumenismo constituiu um dos pontos centrais da visita. Quero aqui destacar o encontro com os representantes da «Igreja Evangélica na Alemanha» no ex-convento agostiniano de Erfurt. Sinto-me profundamente agradecido pela partilha fraterna e a oração em comum. Muito particular foi o encontro com os cristãos ortodoxos e ortodoxos orientais, como também com os judeus e os muçulmanos.

Obviamente esta visita era dirigida de modo particular aos católicos em Berlim, Erfurt, Eichsfeld e Friburgo. Recordo com prazer as celebrações litúrgicas comuns, a alegria de ouvir juntos a Palavra de Deus e de rezar e cantar unidos – e isto sobretudo nas partes do País onde, por decénios, se tentou remover a religião da vida das pessoas. Isto enche-me de confiança quanto ao futuro da Igreja e do cristianismo na Alemanha. Como já sucedeu durante as visitas precedentes, pôde-se experimentar a multidão de pessoas que aqui testemunham a própria fé e tornam presente a sua força transformadora no mundo actual.

Por fim, fiquei muito feliz por me encontrar de novo, depois da impressionante Jornada Mundial da Juventude em Madrid, também em Friburgo, com tantos jovens ontem, na vigília da juventude. Desejo encorajar a Igreja na Alemanha a continuar, com força e confiança, o caminho da fé, que faz as pessoas voltarem às raízes, ao núcleo essencial da Boa Nova de Cristo. Haverá – e já existem – comunidades pequenas de crentes que, com o seu entusiasmo, difundem raios de luz na sociedade pluralista, fazendo a outros curiosos de procurar a luz que dá vida em abundância. «Não há nada de mais belo que conhecê-Lo e comunicar aos outros a amizade com Ele» (Homilia no início solene do Ministério Petrino, 24 de Abril de 2005). A partir desta experiência, cresce a certeza: «Onde há Deus, há futuro». Onde Deus está presente, há esperança e abrem-se perspectivas novas e, frequentemente, inesperadas que vão para além do hoje e das coisas efémeras. Neste sentido, acompanho em pensamento e na oração o caminho da Igreja na Alemanha.

Cheio de experiências e recordações destes dias na minha pátria, que levo profundamente gravadas em mim, regresso agora a Roma. Com a certeza das minhas orações por todos vós e por um futuro feliz para o nosso País em paz e liberdade, despeço-me com um cordial «Vergelt’s Gott» [Que Deus vos pague]. Deus vos abençoe a todos!
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Bento XVI - Encontro com os católicos comprometidos na Igreja e na sociedade

DISCURSO DO PAPA BENTO XVI

Konzerthaus de Friburgo
Domingo, 25 de Setembro de 2011



Ilustre Senhor Presidente federal,
Senhor Presidente dos Ministros,
Senhor Prefeito,
Ilustres Senhoras e Senhores,
Amados Irmãos no ministério episcopal e sacerdotal!

Sinto-me feliz por me encontrar convosco, que de variados modos estais comprometidos na Igreja e na sociedade. Isto oferece-me a ocasião favorável para vos agradecer, pessoalmente de todo o coração, o vosso serviço e o vosso testemunho como «valorosos arautos da fé naquelas realidades que esperamos» (Lumen gentium, 35); assim o Concílio Vaticano II define as pessoas como vós que, assentes na fé, se preocupam com o presente e o futuro. No vosso ambiente de trabalho, defendeis resolutamente a causa da vossa fé e da Igreja, o que deveras – como sabemos – nem sempre é fácil no tempo actual.
Uma vez alguém instou a beata Madre Teresa a dizer qual seria, segundo ela, a primeira coisa a mudar na Igreja. A sua reposta foi: tu e eu!
Este pequeno episódio evidencia-nos duas coisas: por um lado, a Religiosa pretendeu dizer ao seu interlocutor que a Igreja não são apenas os outros, não é apenas a hierarquia, o Papa e os Bispos; a Igreja somos nós todos, os baptizados. Por outro lado, Madre Teresa parte efectivamente do pressuposto de que há motivos para uma mudança. Há uma necessidade de mudança. Cada cristão e a comunidade dos crentes no seu todo são chamados a uma contínua conversão.

E esta mudança, concretamente como se deve configurar? Trata-se porventura de uma renovação parecida com a que realiza, por exemplo, um proprietário de casa mediante uma reestruturação ou a pintura do seu imóvel? Ou então trata-se de uma correcção para retomar a rota e percorrer, de modo mais ágil e directo, um caminho? Certamente estes e outros aspectos são importantes, mas aqui não podemos tratar de todos eles. Mas, cingindo-nos ao motivo fundamental da mudança, este é a missão apostólica dos discípulos e da própria Igreja.

De facto a Igreja deve verificar incessantemente a sua fidelidade a esta missão. Os três evangelhos sinópticos põem em evidência diversos aspectos do mandato da referida missão: esta assenta antes de tudo na experiência pessoal: «Vós sois testemunhas» (Lc 24, 48); exprime-se em relações: «Fazei discípulos de todos os povos» (Mt 28, 19); transmite uma mensagem universal: «Proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16, 15). Mas, por causa das pretensões e condicionamentos do mundo, este testemunho fica muitas vezes ofuscado, são alienadas as relações e acaba relativizada a mensagem. Se, depois, a Igreja, como diz o Papa Paulo VI, «procura modelar-se em conformidade com o tipo proposto por Cristo, não poderá deixar de distinguir-se profundamente do ambiente humano, em que afinal vive ou do qual se aproxima» (Carta encíclica Ecclesiam suam, 60). Para cumprir a sua missão, deverá continuamente também manter as distâncias do seu ambiente, deverá por assim dizer «desmundanizar-se».

De facto, a missão da Igreja deriva do mistério de Deus uno e trino, do mistério do seu amor criador. E em Deus não está apenas mais ou menos presente o amor; mas Ele mesmo, por sua natureza, é amor. E o amor de Deus não quer ficar isolado em si mesmo, mas quer, como é próprio da sua natureza, difundir-se. Na encarnação e no sacrifício do Filho de Deus, o amor divino alcançou de um modo particular a humanidade – isto é, a nós –, e isto pelo facto de que Cristo, o Filho de Deus, saiu por assim dizer da sua esfera que é ser Deus, encarnou e fez-Se homem; não apenas para confirmar o mundo no seu ser terreno, tornando-se seu companheiro e deixando-o assim como é, mas para o transformar. Do evento cristológico faz parte o dado incompreensível de que há – como dizem os Padres da Igreja – um sacrum commercium, uma permuta entre Deus e os homens. Os Padres explicavam-na assim: nós não temos nada que possamos dar para Deus, podemos apenas apresentar-Lhe o nosso pecado. E Ele acolhe-o, assume-o como próprio e, em troca, dá-Se a Si mesmo e a sua glória a nós. Trata-se de uma permuta deveras desigual, que se realiza na vida e na paixão de Cristo. Ele faz-Se pecador, toma o pecado sobre Si, assume aquilo que é nosso e dá-nos aquilo que é Seu. Mas em seguida, à medida que se desenvolvem o pensamento e a vida à luz da fé, torna-se evidente que, devido à faculdade que Ele entretanto nos concedeu, não Lhe damos só o pecado: a partir do íntimo, Ele concede-nos a força de Lhe darmos também algo de positivo, o nosso amor, de Lhe darmos a humanidade em sentido positivo. Naturalmente, é claro que só graças à generosidade de Deus é que o homem – o mendigo que recebe a riqueza divina – pode também dar alguma coisa para Deus; Deus torna-nos suportável o dom para nós, fazendo-nos capazes de ser doadores para com Ele.
Ora, a Igreja fica-se a dever totalmente a esta permuta desigual. Por si mesma nada possui diante d’Aquele que a fundou, de modo que possa dizer: fizemo-lo muito bem! O sentido dela é ser instrumento da redenção, deixar-se permear pela palavra de Deus e introduzir o mundo na união de amor com Deus. A Igreja insere-se na atenção condescendente do Redentor pelos homens. Quando é verdadeiramente ela mesma, a Igreja sempre se sente em movimento, deve colocar-se continuamente ao serviço da missão que recebeu do Senhor. E por isso deve abrir-se incessantemente às inquietações do mundo, do qual ela mesma faz parte, e dedicar-se a elas sem reservas, para continuar a fazer presente a permuta sagrada que teve início com a Encarnação.

Entretanto, no desenvolvimento histórico da Igreja manifesta-se também uma tendência contrária, ou seja, a de uma Igreja satisfeita consigo mesma, que se acomoda neste mundo, que é auto-suficiente e se adapta aos critérios do mundo. Assim não é raro dar à organização e à institucionalização uma importância maior do que dá ao seu chamamento a permanecer aberta a Deus e a abrir o mundo ao próximo.

Para corresponder à sua verdadeira tarefa, a Igreja deve esforçar-se sem cessar por distanciar-se desta sua secularização e tornar-se novamente aberta para Deus. Assim fazendo, segue as palavras de Jesus: «Eles não são do mundo, como também Eu não sou do mundo» (Jo 17, 16), e é precisamente assim que Ele Se entrega pelo mundo. Em certo sentido, a história vem em ajuda da Igreja com as diversas épocas de secularização, que contribuíram de modo essencial para a sua purificação e reforma interior.

De facto, as secularizações – sejam elas a expropriação de bens da Igreja, o cancelamento de privilégios, ou coisas semelhantes – sempre significaram uma profunda libertação da Igreja de formas de mundanidade: despoja-se, por assim dizer, da sua riqueza terrena e volta a abraçar plenamente a sua pobreza terrena. Deste modo, partilha o destino da tribo de Levi, que, segundo afirma o Antigo Testamento, era a única tribo em Israel que não possuía uma património terreno, mas, como porção de herança, tinha tido em sorte exclusivamente o próprio Deus, a sua palavra e os seus sinais. Com esta tribo, a Igreja partilhava naqueles momentos da história a exigência duma pobreza que se abria para o mundo, para se destacar dos seus laços materiais e assim também a sua acção missionária voltava a ser credível.

Os exemplos históricos mostram que o testemunho missionário de uma Igreja «desmundanizada» refulge de modo mais claro. Liberta dos fardos e dos privilégios materiais e políticos, a Igreja pode dedicar-se melhor e de modo verdadeiramente cristão ao mundo inteiro, pode estar verdadeiramente aberta ao mundo. Pode de novo viver, com mais agilidade, a sua vocação ao ministério da adoração de Deus e ao serviço do próximo. A tarefa missionária, que está ligada à adoração cristã e deveria determinar a estrutura da Igreja, torna-se visível mais claramente. A Igreja abre-se ao mundo, não para obter a adesão dos homens a uma instituição com as suas próprias pretensões de poder, mas sim para os fazer reentrar em si mesmos e, deste modo, conduzi-los a Deus – Àquele de Quem cada pessoa pode afirmar com Agostinho: Ele é mais interior do que aquilo que eu tenho de mais íntimo (cf. Conf. III, 6, 11). Ele que está infinitamente acima de mim, todavia está de tal maneira em mim que constitui a minha verdadeira interioridade. Através deste estilo de abertura da Igreja ao mundo, é conjuntamente delineada também a forma em que se pode realizar, eficaz e adequadamente, a abertura ao mundo por parte do indivíduo cristão.

Não se trata aqui de encontrar uma nova táctica para relançar a Igreja. Trata-se, antes, de depor tudo aquilo que seja apenas táctica e procurar a plena sinceridade, que não descura nem reprime nada da verdade do nosso hoje, mas realiza a fé plenamente no hoje vivendo-a precisa e totalmente na sobriedade do hoje, levando-a à sua plena identidade, tirando dela aquilo que só na aparência é fé, pois na verdade não passa de convenção e hábito.

Por outras palavras, podemos dizer: a fé cristã constitui sempre, e não apenas no nosso tempo, um escândalo para o homem. Que o Deus eterno se preocupe connosco, seres humanos, e nos conheça; que o Inatingível, num determinado momento e num determinado lugar, se tenha colocado ao nosso alcance; que o Imortal tenha sofrido e morrido na cruz; que nos sejam prometidas a nós, seres mortais, a ressurreição e a vida eterna – crer em tudo isto não passa, aos olhos dos homens, de uma real presunção.

Este escândalo, que não pode ser abolido se não se quer abolir o cristianismo, foi infelizmente encoberto, mesmo recentemente, por outros tristes escândalos dos anunciadores da fé. Cria-se uma situação perigosa, quando estes escândalos ocupam o lugar do skandalon primordial da Cruz tornando-o assim inacessível, isto é, quando escondem a verdadeira exigência cristã por trás da incongruência dos seus mensageiros.

Esta é mais uma razão para pensar que seja hora novamente de encontrar a verdadeira separação do mundo, de tirar corajosamente o que há de mundano na Igreja. Isto naturalmente não significa retirar-se do mundo, antes pelo contrário. Uma Igreja aliviada dos elementos mundanos é capaz de comunicar aos homens, precisamente no âmbito sóciocaritativo – tanto aos que sofrem como àqueles que os ajudam –, a força vital particular da fé cristã. «Para a Igreja, a caridade não é uma espécie de actividade de assistência social que se poderia mesmo deixar a outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua própria essência» (Carta encíclica Deus caritas est, 25). Certamente também as obras caritativas da Igreja devem continuamente prestar atenção à necessidade duma adequada separação do mundo, para evitar que, devido a um progressivo afastamento da Igreja, se sequem as suas raízes. Só a relação profunda com Deus torna possível uma atenção plena ao homem, tal como sem a atenção ao próximo se empobrece a relação com Deus.

Portanto, ser aberta às vicissitudes do mundo significa, para a Igreja «desmundanizada», testemunhar segundo o Evangelho, com palavras e obras, aqui e agora a soberania do amor de Deus. E esta tarefa remete ainda para além do mundo presente: de facto, a vida presente inclui a ligação com a vida eterna. Como indivíduos e como comunidade da Igreja, vivemos a simplicidade dum grande amor que, no mundo, é simultaneamente a coisa mais fácil e a mais difícil, porque requer nada mais nada menos que o doar-se a si mesmo.

Queridos amigos, resta-me implorar para todos nós a bênção de Deus e a força do Espírito Santo, a fim de podermos, cada um no próprio campo de acção, reconhecer e testemunhar sempre de novo o amor de Deus e a sua misericórdia. Obrigado pela vossa atenção!
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25 setembro, 2011

Papa Bento XVI - Oração do Angelus Domini

ANGELUS
 
Esplanada do Aeroporto de Freiburg im Breisgau
Domingo, 25 de Setembro de 2011

 
  
Amados irmãos e irmãs,

Queremos agora concluir esta solene Eucaristia com o Angelus. Esta oração faz-nos recordar sempre de novo o início histórico da nossa salvação. O Arcanjo Gabriel apresenta à Virgem Maria o plano de salvação de Deus, segundo o qual Ela deveria tornar-se a Mãe do Redentor. Maria fica perturbada. Mas o Anjo do Senhor diz-Lhe uma palavra de consolação: «Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus». Deste modo, Maria pode dizer o seu grande «sim». Este «sim» a ser serva do Senhor é a adesão confiante ao plano de Deus e à nossa salvação. E, finalmente, Maria diz este «sim» a todos nós que, junto da Cruz, Lhe fomos confiados como filhos (cf. Jo 19, 27). E nunca mais revoga esta promessa. E é por isso que Ela deve ser chamada feliz, antes bem-aventurada, porque acreditou no cumprimento daquilo que Lhe foi dito da parte do Senhor (cf. Lc 1, 45). Agora, ao rezarmos esta saudação do Anjo, podemos unir-nos a este «sim» de Maria e aderir confiadamente à beleza do plano de Deus e da providência que Ele, na sua graça, reservou para nós. Então, também na nossa vida o amor de Deus tornar-se-á, por assim dizer, carne, tomará progressivamente forma. Não devemos ter medo no meio das nossas preocupações sem fim. Deus é bom. Ao mesmo tempo, podemos sentir-nos apoiados pela comunidade de tantos fiéis que nesta hora rezam o Angelus connosco, em todo o mundo, através da televisão e do rádio.

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